13 de maio é todo ano
Uma carvoaria no interior do Brasil. Foto: Sérgio Carvalho/MTE
Em 2022 comemoramos os 134 anos do fim da mais infame estrutura social que vigorou em nosso país.
A proibição formal da escravidão, contudo, nunca representou discussão profunda sobre as permanências que tais práticas legaram a nossa sociedade.
Artigo do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI-UFF) apontou que, entre 2007 e 2021 foram realizadas 17.929 operações policiais nas favelas da região metropolitana do Rio de Janeiro. 593 terminaram em chacinas com, pelo menos, 2.374 mortos.
Se o problema do tráfico de drogas – principal motivação dessas operações – acabou sob tal mortandade, não fui avisado. Se há algo que une as comunidades do Rio, é que cada uma tem, no mínimo, uma chacina pra contar. E elas tem alvo específico.
Segundo o Atlas da Violência de 2021, no Brasil foram 29,2 homicídios de pessoas negras, a cada cem mil habitantes, contra 11,2 de pessoas não negras. São 77% dos assassinados no país. Na prática, são duas vezes mais chances de terminar morto violentamente.
Além de viver menos, recebem menos. Estudo do IBGE de 2019, aponta que pretos e pardos recebem 68% a menos que brancos. São a maior faixa entre os desempregados e a menor entre empregados com carteira assinada.
Se alguém tiver míope da porta pra fora de casa, é só olhar todos os índices socioeconômicos levantados constantemente por institutos de pesquisa.
De volta ao século 18
Na semana do 13 de maio ainda temos a divulgação de notícia que escancara outra face cruel, herdeira dos trezentos anos de escravidão. Uma idosa de 86 anos foi resgatada, por auditores do Ministério do Trabalho, em situação de cativeiro.
Ela assim estava há 72 anos. Constitui o caso mais longevo, conhecido, de escravidão desde que registramos
Diferente do que se pode pensar, casos como esse, além de não serem raros, também não figuram apenas em carvoarias perdidas no Brasil Profundo. Esta senhora sofria em plena Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro.
Não tinha acesso à aposentadoria nem aos próprios documentos, tudo ficava em mãos dos escravocratas. Nem falar por si podia, quem queria responder às autoridades era o “patrão”.
Curiosamente, ou não, ela era considerada – pasmem – da “família”. Triste período passa tão importante substantivo (para alguns, basilar), misturado a salivas da pior espécie.
Todos os anos centenas, às vezes milhares, de pessoas são resgatadas em situação parecida. Ano passado foi o maior número desde 2013, 1937.
São vítimas de promessas de emprego longe de casa – chegando são submetidas a dívidas impagáveis – ou mesmo raptadas na infância – que parece ser o caso da senhora de 86 anos.
Há um instrumento de divulgação de “empregadores” que submetem empregados a condições análogas à escravidão. O nome é cadastrado após derrota judicial em duas instâncias. É popularmente chamado de “lista suja”. Por enquanto ainda existe. De vez em quando nomes conhecidos marcam presença.
Dois 13 de maio
A data, no entanto, guarda outra comemoração da mais alta importância. 13 de maio de 1808 marca o início da imprensa no Brasil. Até então, estavam proibidas quaisquer publicações nesta colônia que não viessem diretamente de Portugal.
Com a fuga da família real para as bandas de cá, foi necessária a criação da “Impressão Régia” - abertura de tipografias para atender a demanda de documentos da corte.
Como efeito colateral, pudemos, pela primeira vez sem cometer um crime (desde que aceito pela censura real) publicar livros e periódicos. Tal situação permitiu, inclusive, o avanço das ideias abolicionistas ao longo do século XIX.
Hoje vivemos situação dramática no mundo da imprensa. O jornalista Jamil Chade foi repetidamente ameaçado de morte por sua atuação. Não por acaso, ataques intensificaram após uma coluna dele sobre a instrumentalização política do ódio.
Jamil não está sozinho nessa. Em 2021, o Brasil bateu seu recorde de registros de violência contra jornalistas. Foram 430 casos. O número vem crescendo desde 2018.
Desde o nascimento, a imprensa serve, salvo alguns casos, para fiscalizar/denunciar os reais problemas do país. Não pense que os abolicionistas tiveram vida fácil. No fim, porém, ganharam a causa. Hoje, resta a luta.
Denunciar a violenta – e ineficaz – política de segurança; casos – inacreditáveis – de situação de escravidão, e mesmo ameaças estimuladas pelo próprio governo, representam a trincheira de nosso tempo.
Sobre o GENI:
Chacinas policiais | GENI (uff.br)
Sobre o IBGE:
Sobre o Atlas:
A “lista suja”:
Sobre violência contra jornalistas:
Brasil teve 430 casos de violência contra jornalistas em 2021 (poder360.com.br)
Este artigo foi escrito por Matheus Dias e publicado originalmente em Prensa.li.