5 filmes/séries sobre o conflito Ucrânia X Rússia
Cena do filme "Bad Roads" (2020) - Reprodução
Estamos há quase uma semana acompanhando os conflitos que se desenrolam na Ucrânia.
De um modo geral, a grande mídia nacional e internacional desenvolve uma narrativa que elenca bandidos e mocinhos, em grande parte endossada pelos norte-americanos e demais países ocidentais.
Prioritariamente, é necessário ter em mente que o que está ocorrendo no Leste Europeu tem uma complexidade muito maior, e qualquer comentário pode se tornar raso demais.
São diversas as motivações neste conflito.
Há questões ligadas imediatamente à geopolítica e ao equilíbrio de forças em nível mundial, com o avanço da Otan e o posicionamento russo de não aceitar ceder espaços vitais para a manutenção de sua estabilidade regional.
Existem problemáticas associadas às relações econômicas, principalmente sobre os gasodutos ucranianos e russos, que fornecem 50% do gás natural que é consumido pelos países europeus.
E, claro, não podemos esquecer das motivações históricas. Russos e ucranianos têm uma longa jornada de idas e vindas, conquistas e reconquistas. Aqui na coluna falei sobre isso mais aprofundadamente neste texto.
Para ajudar na compreensão deste conflito mundial, fiz uma curadoria especial com 5 obras cinematográficas que lançam luz sobre a tensa relação entre ucranianos e russos, ou mesmo elucidam pontos sobre um ou outro país e suas contradições.
Um adendo: vou expor também os pontos fortes e fracos dessas obras, porque mesmo elas possuem o próprio viés. E, nessa missão, é possível que eu solte alguns spoilers.
Vamos lá.
O senhor das armas (2005)
Esse filme traz como estrelas os atores Nicolas Cage e Ethan Hawke e constrói uma narrativa sobre o grande mercado internacional de armas e como, para o bem e para o mal, diversos países acabam se envolvendo nele.
A declaração inicial do protagonista Yuri Orlov, vivido por Cage, já se tornou um clássico do cinema: "Há mais de 550 milhões de armas de fogo em circulação no mundo. É uma arma para cada doze pessoas no planeta. A única questão é: Como armamos as outras onze?".
No enredo, ele é um imigrante ucraniano fingindo-se judeu nos EUA. Entre conquistas e derrotas, Orlov constrói sua riqueza negociando armas no período final da Guerra Fria, marcado pela implosão da União Soviética.
O filme deixa claro que os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, EUA, Reino Unido, França, Rússia e China, são os maiores comerciantes de armas do mundo.
Ou seja: nesse negócio, muita gente sai lucrando com a guerra alheia.
Winter on fire (2015)
Winter On Fire: Ukraine's Fight for Freedom - Um Documentário Netflix [HD]
Este é um filme da Netflix de 2015, que concorreu ao Oscar de melhor documentário em 2016.
Nele, acompanhamos o desenrolar dos protestos que aconteceram entre 2013 e 2014. Estas manifestações, que começaram como passeatas pacíficas de estudantes, ganharam contornos violentos quando o então presidente ucraniano, Viktor Yanukovych, decidiu fazer uma aproximação política e econômica com a Rússia de Putin.
De protestos pacíficos, as ruas assistiram a um processo revolucionário que definiria os rumos do país.
Contudo, há neste documentário o problema do viés. Obviamente que, como toda e qualquer obra feita por um ser humano, Winter on Fire constrói sua narrativa a partir da perspectiva de parte dos ucranianos que defendem a aproximação com a União Europeia.
A questão é que o diretor Evgeny Afineevsky não se preocupa em apresentar as opiniões em contrário, inclusive construindo uma visão maniqueísta sobre Putin, que aparece quase como um vilão de histórias em quadrinho.
Chernobyl (2019)
Chernobyl (2019) | Trailer Legendado - 1ª Temporada
De longe, talvez, a melhor obra da lista. Seja pelo enredo, seja pela caracterização de época, seja pelos excelentes papéis desenvolvidos ou qualquer outro ponto que queiram mencionar. A série, produzida pela HBO, recebeu prêmios de “Melhor Minissérie”, “Melhor Direção” e “Melhor Roteiro” no Emmy Awards.
Criada por Craig Mazin, Chernobyl representa os eventos em torno do acidente nuclear de 1986 na usina de Chernobyl. Hoje, ela é uma cidade-fantasma que faz parte do território ucraniano e está a 90 km da capital Kiev.
Os seis episódios mostram como a burocracia soviética direto de Moscou fez de tudo para esconder do mundo e dos seus próprios cidadãos a tragédia e os riscos por conta dos altos índices de radiação liberados.
A reconstituição dos eventos que culminaram com a explosão de um dos reatores da usina é impressionante e transporta o espectador para os anos 1980, num misto de suspense, terror e drama.
É angustiante assistir às pessoas da cidade observando, de longe, o incêndio, sendo banhadas por um pó radioativo brilhante, sem fazer ideia do que estava acontecendo.
Há uma profunda reflexão na série, sintetizada na frase que inicia e encerra a obra: “Qual o custo de mentiras”, diz Valery Legasov, personagem histórico principal. Sua percepção é construída tendo em vista os eventos passados, quando as autoridades soviéticas buscaram, por todos os meios, abafar o desastre, escondendo a real proporção da explosão.
The Earth is blue as an orange (2020)
THE EARTH IS BLUE AS AN ORANGE - Official Trailer
Esta película foi exibida na competição mundial de documentários de cinema, no Festival Sundance, em 2020, onde ganhou o prêmio de Melhor Diretor.
O filme conta a história de uma família que vive na chamada “zona vermelha” da Ucrânia, na região de Donbass. Mãe, filhos e avó estão escondidos em casa, onde decidem fazer um filme. Bem ou mal, em meio à guerra, a família consegue manter sua casa como um porto seguro, cheio de vida e cheio de luz.
O Donbas ou Donbass é uma região histórica, cultural e econômica no sudeste da Ucrânia, cujo território é ocupado por grupos separatistas durante a Guerra Russo-Ucraniana em 2014, que culminou com a anexação da Criméia pelos russos.
Entre ensaios, improvisos e risadas, a família consegue criar um ambiente surreal que os isola do conflito lá fora, que vez ou outra aparece para eles com os sons de tiros, bombas e edifícios a desmoronar.
A diretora ucraniana Iryna Tsilyk consegue construir a trama com sensibilidade. Sua experiência a ajuda e muito: ela conhece a região de Donbass, onde desenvolveu projetos culturais em anos anteriores.
Um bonito filme, que não apaga a dura realidade local, que está distante da poética cinematográfica.
Entrevistas com Putin (2020)
The Putin Interviews | Teaser Trailer | Oliver Stone & Vladimir Putin SHOWTIME Documentary
Esta obra é cercada por polêmicas desde sua concepção.
Durante um período de dois anos, Oliver Stone, um dos maiores diretores de cinema do mundo, vencedor de dois Oscar como diretor, por Platoon (1986) e Nascido em 4 de Julho (1989) e um como roteirista, de Expresso da Meia-Noite (dirigido por Alan Parker em 1978), realizou uma série de entrevistas com o presidente russo Vladimir Putin. As conversas tornaram-se um documentário pela rede de TV Showtime, com o título de The Putin interviews.
A minissérie tem quatro episódios e expõe o pensamento de Putin, num minucioso retrato do líder russo, realizado entre junho de 2015 e fevereiro de 2017.
Com seu documentário, Stone buscou romper com o que ele chamaria de “a imagem orientada política e ideologicamente” de Putin no Ocidente. Contudo, as críticas dão conta de que o diretor foi indulgente, ou mesmo camarada, com o presidente russo.
A sugestão aqui é que, por meio dos 4 episódios, você compreenda como Putin pensa e tire suas conclusões. Lembrando que “compreender” não é aceitar ou concordar.
Bônus: Bad roads (2020)
FNC 2020 | Bad Roads (Natalya Vorozhbit)
Menção honrosa a este filme que nos reporta, novamente, à região de Donbass, com quatro contos cheios de tensão ambientados nas perigosas estradas da região, retratando as estratégias de sobrevivência dos civis no estado constante de guerra.
Seu enredo, criado pela escritora e diretora Natalya Vorozhbit, é construído em histórias independentes, que se unem ao tratar do mesmo conflito, na chamada zona vermelha entre Ucrânia e Rússia.
Este artigo foi escrito por Pablo Michel Magalhães e publicado originalmente em Prensa.li.