5 Motivos porque a privatização dos Correios é péssima para o Brasil
Neste momento ocorre um grande movimento em Brasília pela privatização dos Correios. Cada brasileiro tem sua própria opinião sobre a empresa e seus serviços prestados. Porém, independente do que os cidadãos acham sobre os Correios, essa medida poderá ser extremamente negativa para toda a população brasileira.
1- Os Correios não são um monopólio de entregas
Segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres, o Brasil conta com mais de 700 mil transportadoras e frotas em seu território. Mais de 700 mil. Então, ao contrário do que muita gente inexplicavelmente pensa, você não é obrigado a depender dos serviços dos Correios, caso esteja insatisfeito com eles. Se há uma entrega perto, você pode recorrer ao Loggi, Rappi, Uber etc. Se há uma entrega longe, você pode recorrer a Braspress, TNT Mercúrio Chagas, Rodonaves etc.
São literalmente milhares de opções além dos Correios, que não fere a livre concorrência. Portanto, é absolutamente incoerente defender a privatização dos Correios porque se julga que a empresa presta um mau serviço. Como todo cliente, você tem o direito de buscar outra empresa. E a oferta é ampla e farta.
O motivo de muitos não fazerem isso é porque muitas vezes os Correios, uma estatal, realizam um serviço que as mais de 700 mil empresas privadas não são capazes de realizar. E nem pelo mesmo preço. E não é transformando uma empresa estatal em privada que as insatisfações com ela se resolverão num passe de mágica. Pelo contrário.
2 - Algumas regiões do país ficarão isoladas
Os Correios são o maior operador logístico do Brasil. Suas agências espalhadas pelas regiões, Norte, Nordeste, Centro Sul e Sudeste mostram o quanto a estatal liga um país do tamanho do nosso. Uma nação de proporções continentais e onde diversas áreas não são urbanizadas.
E, mesmo onde ela não chega, é ponto de referência. Recentemente tive que enviar uma encomenda para uma pessoa que mora na Chapada Diamantina numa casa sem rua. Ela foi tranquilamente na agência dos Correios mais próxima buscar. Agora, analisemos as linhas de entrega da Braspress, considerada por alguns a melhor transportadora privada do Brasil. Veremos que ela tem muitas filiais distribuídas no Sul e Sudeste, um número razoável delas no Nordeste, poucas no Centro Oeste e quase nenhuma no Norte. Isso porque empresas privadas seguem a lógica do lucro.
Se nem a melhor empresa privada, entre mais de 700 mil, alcança certas regiões do Brasil, é óbvio que tornar os Correios uma empresa privada vai reduzir seu acesso. Além de tornar inexistente o serviço em certas áreas.
3 - O e-commerce e a indústria de livros serão prejudicados.
O e-commerce são as transações feitas on-line entre o consumidor e as empresas privadas de onde o mesmo compra. E adivinha só? A maioria delas usa os serviços dos Correios e não de transportadoras privadas. Porque elas sabem que os Correios abrangem uma área maior, tem possibilidade de rastrear os produtos em caso de extravio e integração com as principais plataformas e-commerce.
Grande parte das editoras (não me arrisco a dizer todas, mas a grande maioria) trabalham exclusivamente com os Correios. Porque a empresa estatal oferece descontos especiais para o envio de livros, que abatem muito o preço. O que, com certeza, faz uma diferença enorme no orçamento. Especialmente no caso de pequenas editoras e livrarias.
4 - À longo prazo, será uma desculpa para aumento de impostos.
Os Correios são uma empresa superavitária. Em 2020 seu lucro foi de R$1,53 bilhão. Ou seja, enquanto os Correios pertencerem ao governo, é garantia de dinheiro entrando nos cofres públicos e não saindo. É possível que se consiga um bom dinheiro com a venda da estatal? Talvez. Mas é impossível que esse dinheiro dure pra sempre.
A verdade é que uma hora o dinheiro do lucro dos Correios que deixar de entrar vai fazer falta. E, nesse dia, um economista que siga a mesma linha do nosso atual ministro Paulo Guedes poderá não ter mais ativos para vender. Fatalmente vai querer tirar o dinheiro que poderia vir do lucro dos Correios do bolso dos contribuintes.
5 - O exemplo do resto do mundo é claro: NÃO PRIVATIZEM OS CORREIOS!
Observe como alguns países do mundo lidam com os Correios:
No Canadá o serviço é público. Na Rússia é público. Na Grã Bretanha é público. Na China é público. Na França é público. Em Portugal, os Correios foram privatizados quando ainda eram lucrativos. A qualidade do serviço caiu e hoje se discute a reestatização da empresa por seus maus serviços.
Na Alemanha a privatização deu certo, mas foi um caso ímpar. Foram mais de quinze anos de um processo de privatização longo e gradual. Que envolveu, evidentemente, bastante dinheiro público antes da empresa poder andar com as próprias pernas.
Nos EUA o serviço também é público. Detalhe: nos EUA, diferente do Brasil, os Correios são uma empresa deficitária. Mesmo assim, todas as tentativas de privatizações são rechaçadas. Porque todos sabem que a população norte-americana será prejudicada. E porque eles sabem que existem um monte de empresas privadas como opção para aqueles que não estão satisfeitos com o serviço público.
Outro detalhe importante: a United States Postal Services (USPS) possui aproximadamente 630 mil funcionários. Já a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), popularmente conhecida como Correios, possui menos de 100 mil funcionários. Sim, isso mesmo. Os Estados Unidos da América tem seis vezes mais funcionários públicos trabalhando nos Correios do que o Brasil. Devemos refletir sobre isso quando estivermos insatisfeitos com a qualidade do serviço prestado. E termos em mente que, para os artífices da privatização brasileira, o "ideal" seria que os Correios operassem com apenas 30 mil funcionários.
No entanto, a experiência recente mais dramática ocorreu recentemente nas nossas vizinhanças. A privatização dos Correios da Argentina acabou em calote, escândalos de corrupção e falência da empresa postal. Para os que acreditam que, por força de contrato, a empresa que vier a comprar os Correios deverá cumprir suas obrigações com o público e o Estado, fica o alerta do caso argentino.
Quando a SOCMA, empresa de Francisco Macri, pai de Mauricio Macri, comprou a estatal em 1997 assinou um contrato onde se compromete a pagar ao estado um aluguel semestral de 51,6 milhões de pesos. Porém, em 2001 já estava devendo 900 milhões de dólares a vários credores, incluindo o estado argentino.
Além disso, houve queda na qualidade dos serviços e ocorreram demissões em massa. Passou cerca de vinte anos em recuperação judicial e precisou ser reestatizada em 2003. Em 2017, enquanto Mauricio Macri era presidente, ele e o ministro das Comunicações Oscar Aguad foram denunciados por terem irregularmente renegociado a dívida da família Macri. De forma prejudicial ao estado, ss dois fizeram com que a SOCMA pagasse apenas 2% da dívida.
Em 2021, de acordo com os cálculos do Ministério Público Fiscal da Argentina, as dívidas até hoje não pagas da família Macri superam os cinco bilhões de pesos. Ainda este ano a Justiça da Argentina decretou a falência da empresa devido aos prejuízos bilionários de uma privatização fraudulenta
É sintomático que, enquanto isso, o Brasil esteja defendendo benefícios inócuos da privatização. Ou fazendo previsões a longo prazo sem nenhuma perspectiva real de comparação com casos similares. O futuro ilusório daqueles que defendem a venda dos Correios do Brasil é o mesmo presente amargo que assombra o povo argentino.
Este artigo foi escrito por Guilherme Cunha e publicado originalmente em Prensa.li.