6 opiniões desnecessárias sobre a morte de Marília Mendonça
Foi uma terrível fatalidade que tirou a vida ontem de Marília Mendonça e mais 4 pessoas, quando o avião em que viajavam caiu em uma pequena cachoeira a caminho de Caratinga Minas Gerais,depois de partir de Goiania, GO.
As redes sociais ficaram agitadas com as notícias e as fotos confirmando a tragédia e muitos prestaram homenagens, desolados. No entanto, a banalidade com que muitos tem tratado a morte, talvez em consequência da pandemia, pipocam todo o tipo de desrespeito à Marília Mendonça e às outras vítimas.
Um adeus respeitoso é o mínimo que merece a jovem e talentosa cantora Marília Mendonça sua equipe e familiares.
Comentários cruéis e suposições maldosas já circulem envenenando o carinho dos fãs. Os mais nocivos poderiam ser evitados mas em nome da liberdade de expressão, muitos deixam a empatia de lado.
Há pelo menos 6 tópicos envolvendo a tragédia que envolvem opiniões completamente desnecessárias, em nome da compaixão ou pelo menos da ética.
Mamonas Assassinas
O primeiro comentário óbvio que todos estão fazendo ao ver a foto do avião na cachoeira é comparar o acidente com outro, famoso e trágico, que tirou a vida do piloto e dos integrantes da banda Mamonas Assassinas.
Na época, o início da internet no Brasil, fotos grotescas com os corpos dilacerados que deviam pertencer somente aos peritos do acidente, se espalharam pelos sites de buscas e muitos colecionavam cada foto com sede de sangue e total desrespeito.
Oxum x Deus
Já começaram as especulações sobrenaturais no campo da fé para encontrar um culpado no plano espiritual. A coisa mais errada que tem é a formação de times religiosos para explicar fatalidades.
O avião caiu numa cachoeira, o que deu margem a todo tipo de romantização com a tragédia. A mais cruel e perigosa envolve um problema bastante atual: o preconceito religioso com religiões antigas, de matriz africana, indígena ou fruto do sincretismo brasileiro
Oxum é a orixá das cachoeiras, uma entidade que acredita-se ser como uma sereia de água doce. Internautas buscaram no histórico do twitter de Marília e descobriram que há tempos atrás ela havia sonhado com rio e cachoeira.Agora estão associando ao fato da melhor e da pior maneira: alguns dizem de maneira honrosa, que ela descansou nos braços de Oxum; outros de maneira cruel, culpam a deusa da umbanda e do candomblé de derrubar o avião.
O preconceito religioso latente volta a aparecer perigosamente, eximindo o Deus cristão de sua vontade divina e apontando dedos para a fé alheia. Porém, este tipo de comportamento não ajuda em nada,nem as famílias das vítimas do acidente, nem trará ninguém de volta. Nenhum deuserá julgado, voltem para suas vidas.
Posições políticas
Marília Mendonça era de Góias, de família tradicional, e como muitos colegas da música sertaneja, teoricamente apoiava o atual governo. Mas o que pouca gente se lembra é que em 2018 Marília Mendonça de sim, parte do movimento #EleNão que rejeitava a ascensão do então candidato Jair Bolsonaro nas pesquisas, pós suas declarações machistas e preconceituosas. Porém o posicionamento custou a Marília rejeição no setor do meio artístico que a acolhia, o sertanejo, declaradamente bolsonarismo em peso.
Marília desde então manteve-se tímida em novas declarações políticas, o que fez à esquerda acreditar que ela havia mudado de ideia, passando a apoiar o governo.
A posição de retranca também é complicada pois se declarar na posição de isenção, nem esquerda nem direita, levou as eleições ao pleito arrependido de hoje.
Portanto questionar posições políticas de Marília não é nada gratificante nem para o país muito menos para a família em comoção com a tragédia.
Sofrência
A “rainha da sofrência merecia o título, não porque estivesse sofrendo, mas pela sensibilidade em retratar sentimentos latentes em forma de música. Não foi a primeira mulher sertaneja, houveram outras, como Roberta Miranda, que passou mal e foi internada ao saber do acidente. Mas Marília apresentou um diferencial num meio tão masculino e machista: ela não tinha pudores de falar de igual pra igual. A sofrência incluía beber cachaça e cerveja, sofrer decepções. Seguir em frente e tomar decisões. Muitas mulheres e também homens se identificável com o gênero e as letras, que descreviam situações muito próximas do dia a dia.
Seria se muito mal gosto associar essa “vida desregrada” com castigo divino. O mais incrível é que isso não é uma hipótese: já tem gente falando no “merecimento”.
Agora que emagreceu
Marília começou a despontar na carreira como uma jovem gordinha com voz poderosa é muito talento pois escrevia e produzia suas músicas. Facilmente comparável à cantora Adele que por anos sofreu com gordofobia embora possuísse uma voz insuperável.
Assim como Adele Marília tinha o sonho de ser mãe é ser mãe é ser feliz. Realizada, mãe de um menino, emagreceu após a maternidade 21kg, era impossível não notar sua felicidade explícita.
Não tem coisa mais cruel do que deslegitimar a pessoa de ser incrível por sua imagem apenas na aparência física. Autodidata, compositora de suas próprias letras e melodias, produzia, inspirava-se na vivência real feminina para lançar sucessos. Longe de assumir o papel de patinho feio, empoderou sentimentos como rainha da “sofrencia”.
É tóxico reduzir sua trajetória ao imediatismo do emagrecimento e da beleza. O fim da vida joga por terra qualquer preocupação com espelhos ou balança.
Foi a vacina
Se todas as crueldades ditadas até agora não foram suficientes ainda tem quem associe a queda do avião com vacina tomada. Marília Mendonça havia postado foto se vacinando pouco antes do acidente. É óbvio que um assunto não tem nada a ver com o outro mas nada melhor que uma fake news pra causar um reboliço desnecessário as redes sociais.
Este artigo foi escrito por Naila Castro e publicado originalmente em Prensa.li.