A animação Cordas – um capacitismo aceitável?
Conversando com minha noiva – que também é cadeirante – fizemos uma reflexão sobre o filme (baseado no livro homônimo) “Como eu era antes de você” onde um rapaz CEO é atropelado ao atravessar a rua falando no celular e fica tetraplégicos. Mesmo a cuidadora – interpretado pela atriz inglesa Emília Clarke – mostrar que ele poderia conquistar um amor, mesmo em sua condição, e se poderia voltar a trabalhar na empresa como CEO – com adaptações pertinentes – optou de fazer eutanásia e morrer. Por que pessoas com deficiência, na maioria das vezes, são pessoas que morrem no final ou não ficam com sua amada?
Como podemos ver no livro de Victor Hugo, “O Corcunda de Notre- Dame”, a questão dramática do “defeituoso” como um amigo, como um ser que pode salvar a sua amada. Mas, o porquê o Corcunda não fica com sua amada? Logico que muitos vão colocar a época que o livro foi escrito, pois, como herança de Roma, a deficiência era chamada de “monstruosidade” como se houvesse uma perfeição e não perfeição na natureza. Havia uma crença – que foi derrubada com o estudo genético – que pessoas com deficiência não poderia ter filhos e não se poderia casar, porque a deficiência poderia ser propagada.
Como vimos nos últimos tempos – sobre a piada capacitista para usar a deficiência como crítica social – quando pessoas nas redes sociais, há comentários agressivos contra pessoas com deficiência e até mesmo, pessoas que ainda acham que deficiência é um “problema de saúde” (no qual, jornalistas já disseram).
1 – Cordas e reflexão
O curta Cordas (Cuerdas) foi lançado em 2013 – eu tenho um texto meu no meu antigo blog – que tem um pouco de 10 minutos e é espanhol. Segundo blog Click Inclusão, o curta foi escrito e dirigido por Pedro Garcia, pois, se inspirou e dedicou a animação ao próprio filho. O filho de Pedro, Nicolás, possui paralisia cerebral severa que impede de andar e de falar. E sua irmã, a filha de Pedro, Alejandra, faz tudo para o seu irmão se sinta confortável e humano na sua infância. Demonstra a importância da sua realidade pessoa teve na construção da sua história.
Com experiência – porque, também tenho paralisia cerebral leve (não tenho equilíbrio) – esse ponto da irmã de Nicolás ajudar em tudo já é um ponto a ser discutido. Mesmo o porquê, o fato dele não falar e andar não quer dizer que não tenha consciência, não entenda a sua realidade ao seu redor. Na minha infância – graças a educação dos meus pais – meus irmãos não faziam quase nada para mim. Só aquilo que não podia fazer. Muitas pessoas com deficiência – bem mais nas culturas latinas – são dependentes porque na sua infância são adorados como pessoas superiores, ou são tidos como coitadinhos
Na animação, Nicolás é deixado pela família – mesmo essa família tendo posses – num orfanado onde deveria ser cuidado e receber uma educação. Mesmo que a ideia seja uma criança com deficiência no meio de outras que não tenham deficiência, a questão é de isolamento e internação, muito comum na idade média até meados dos anos 80. Ainda acontece em países pobres onde não há uma educação e as condições são precárias. Por outro lado, poderíamos dizer que que muitas internações são para os governos não acessibilizar e darem um outro destino ao dinheiro.
Sem sermos hipócritas – mesmo o porquê, estou fazendo uma análise filosófica critica – há uma romantização da deficiência como uma redenção, uma porta para o ser humano aprender algo. Como o próprio diretor fez em homenagear a irmã (sua filha) em deixar seu irmão dependente deles e não independente, e isso também vimos no curta, onde a menina não deixava o menino brincar como ele consegue brincar. A romantização da deficiência tem a ver com o fato da relação da pessoa que tem deficiência com a família, que por motivos de não terem uma educação apropriada, tendem a achar lindo que os irmãos criem uma dependência.
Por outro lado, se tem que ter consciência que há sim pessoas com deficiência – que também tenha sequelas de paralisia cerebral – e que eles, tendem a depender dos outros. Nesse caso específico e não de todos, o cuidado deve e é necessário. O problema é a generalização da questão enquanto meio de justificação de subproteção e de um capacitismo enraizado dentro da sociedade. Como que tenhamos de ser internados ou ser colocados em lugares que não deveríamos estar.
2 – deficiências e isolamento
Para entender a visão de isolamento de algumas deficiências – ou por causa da pobreza extrema ou por causa das convenções sociais – temos que entender a deficiência de Nicolás. A deficiência de Nicolás é a paralisia cerebral e é uma deficiência psicomotora que pode comprometer a parte motora (movimento) a parte cognitiva (sentidos) ou a parte da fala. Na maioria das vezes, compromete a parte motora e a fala. A causas variam e podem ser antes, durante ou até mesmo, depois do parto com a falta de oxigenação cerebral. Mas, hoje, se fala até mesmo paralisia cerebral geneticamente passada.
Nicolas não fala, muito provavelmente, por causa da falta de estímulo e por causa da rejeição. Como disse antes, paralisia cerebral é uma deficiência psicomotora que compromete, na maioria dos casos, a parte motora, mas não a consciência. Pelo menos, Nicolás, entendia muito bem, o que Maria queria fazer ou suas palavras. A tristeza de não achar que era amado – talvez, por ter entendido que foi deixado pelos pais – ou ter que, muitas vezes, não poderia fazer o que as outras crianças faziam, ficou doente e veio a falecer.
Por que as pessoas com deficiência são retratadas como pessoas infelizes e que não podem ser amigas a vida inteira de alguém? Até podemos entender o tom de homenagem que o diretor pode ter dirigido ao filho e sua irmã, mas esse tipo de narrativa pode causar estragos irreversíveis ao público com deficiência e seus pais, pois, as pessoas com deficiência não podem ficar com o ser amado. Nicolás poderia ter ficado com Maria como amigos ou ela cuidaria dele na vida – até como casal, porque não – mas se optou que Nicolás teria que ensinar Maria e passar por um momento e desaparecer. Nicolás é um meio de redenção humana de Maria.
Do mesmo modo o isolamento – onde Cristo se isola no deserto, ou Buda se isola na floresta junto com os peregrinos – tem um símbolo de redenção, como há uma metafisica da deficiência. A figura de Nicolás é quase uma figura de um “anjo” ou um “ser de luz” que veio mostrar para a Maria que sua vocação era de ser professora – como é mostrada na parte final do curta. Será que sem o Nicolás, Maria seria do mesmo modo professora? Será que não há uma romantização da deficiência no ponto de acharem que é “lindo” isolarem uma pessoa com deficiência e rejeitarem ela?
3 – Concluindo
Como podemos ver, há uma romantização tanto no ímpeto da dor (como uma forma de ensino) como da deficiência (como forma de valorização da vida). Mas, como escrevi em um outro texto no Prensa, há uma necessidade de colocarmos a deficiência em uma humanização. Ou seja, de colocar como humanos e merecem ter uma vida e serem vistos como seres humanos. Por outro lado, há ainda uma mítica de acharem que pessoas com deficiência não podem ter uma vida e só podem ser feliz se serem perfeitos. Isso gera uma certa ansiedade e quadros graves depressivos.
A meu ver, pelo menos, não é bonito, não é o que deveria ser e não acho bonita a rejeição.
Este artigo foi escrito por Amauri Nolasco Sanches Junior e publicado originalmente em Prensa.li.