A Casa da Dinda do Juiz
É preciso lembrar, contudo, que a Casa da Dinda já não é mais usada como residência oficial dos presidentes. Dizem as línguas oficiais que se trata de logística; já as más línguas dos corredores políticos garantem que nenhum presidente quis ser lembrado como “morador da Casa da Dinda Corrupta”.
De qualquer maneira, “Casa da Dinda” tornou-se conhecida. Seus ambientes interno e externo estão vinculados à Presidência da República. A história do ex-juiz Sérgio Moro permitiria que a usasse como moradia?
A história contada por aquelas mesmas línguas oficiais diz que não, pois nada há de corrupção na trajetória do agora postulante à Presidência do país; a história contada por aquelas outras, as más línguas, diz que certamente sim. O fato é que ambas as histórias podem fazer parte da própria História do Brasil. De certa maneira, já fazem.
Este artigo procura auxiliar o leitor na construção de sua visão a fim de fugir da pecha de eleitor inconsciente.
Estranho inquilino na Casa da Dinda
Afinal, a marca “Moro” já é familiar à ideia de “anticorrupção”. Ou então já pode chamá-la de “dinda” como “tia”. O problema é que familiares são intercolaboradores. Nesse caso, a amplidão do conceito “anticorrupção”, sua força na percepção popular, a aderência que detém perante a mídia - em especial, a mídia séria - aumentam consideravelmente a sombra que pode estar ocultando outros lados da história.
Lados. Não lado. Ou seja, a história pode ocultar arestas de personalidades políticas que seriam importantes para formação da opinião pública.
No meio do caminho, havia um PAA
Você, leitor, conhece em resumo a trajetória de Sérgio Moro até o discurso na nomeação da pré-candidatura à Casa da Dinda. Por ora, veja alguns entraves nessa trajetória. Este artigo os destaca porque adversários do ex-juiz o farão com certeza no próximo ano.
O Governo Federal mantém o Programa de Aquisição de Alimentos - PAA desde 2011. Por ele, famílias que produzem espécies as distribuem a escolas, creches e ao Centro de Referência de Assistência Social – CRAS.
Para tanto, precisam estar vinculadas a algum sindicato ou associação. Recebem pagamentos mensais repassados pela Companhia Nacional de Abastecimento - Conab. Assim, o PAA atende a dois extremos: pequenos produtores com dificuldades para espalhar a produção e pessoas em situação econômica deficitária.
Paralelamente, o programa ainda tira mão de obra da produção de fumo e a transfere para cultivo de substâncias saudáveis. José Graziano da Silva, diretor geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura - FAO, classificou o PAA como modelo de boas práticas e instituiu programa semelhante na África.
Daí, conhece-se a eficácia, importância e efetividade do programa. Para especialistas, a iniciativa sempre mereceu atenção especial e respeito por parte das autoridades.
No meio do caminho, havia uns produtores
Todo programa assistencial apresenta algum nível de vulnerabilidade a falcatruas. Em especial, em países com grandes dimensões, como é o caso do Brasil. Segundo visão de Lourival Garcia Santos, economista de Jundiaí - SP, “a burocracia entrava mais quem a respeitaria até se fosse mais simples”.
Em 2013, o então juiz da 2a. Vara Federal de Curitiba autorizou prisão preventiva de 11 produtores rurais. A Lava Jato ainda era rascunho na mente de Moro e parecia distante da política. Mas já há controvérsias (leia mais sobre isso logo abaixo).
O processo da prisão é repleto de distorções legais. O produtores foram acusados de:
estelionato
associação criminosa
falsificação de documento público
falsidade ideológica
peculato
prevaricação
Para analistas, a postura do então juiz Moro seria louvável não fosse a história - mais precisamente seus escritores - pretender desenhá-la por cores agradáveis. A prisão dos envolvidos não foi respaldada pelo mínimo necessário de investigação séria.
Veja.
No meio do caminho, havia uma precipitação calculada
O contrato com a Conab é rígido e prevê quantidades e periodicidade de entrega dos produtos às entidades. Ocorre que, como se sabe, a agricultura familiar é dependente do clima. No caso da produção familiar, esse fator é mais premente porque a tecnologia é menos disponível.
Além disso, há a questão de desconhecimento da burocracia. Assim, não sendo possível prover as entidades com certo produto, os agricultores enviavam outras espécies na quantidade, qualidade e período originais.
Eis o caso em si: denúncia mal ajambrada dava conta de corrupção na troca dos alimentos. Agentes federais encontraram distorções entre os nomes dos produtos entregues e os nomes constantes no contrato com a Conab. O problema é que as investigações foram baseadas em conversas dos agentes com as merendeiras das instituições.
Jornalistas do canal Meteoro Brasil lembram que, durante investigações precárias, não se perguntou sobre eventuais substituições de produtos. É grande a possibilidade de tal fato ter sido mencionado em algumas das muitas entidades recebedoras. Contudo, não se deu a atenção devida.
Zelo ou precipitação
Imediatamente, Sérgio Moro viu crime. Para o Meteoro, “talvez Moro pudesse ter se dado conta de que o problema não era assim tão grande se tivesse sido mais criterioso nas audiências ou se os policiais federais tivessem dedicado mais 5 minutos de seu tempo [às investigações]”.
Para o repórter independente Marcelo Auler, para o site Brasil de Fato e para muitos outros veículos informativos, a decisão de Moro foi inconsequente. Causou infortúnios terríveis aos produtores e deu origem à destruição de um dos melhores programas de combate à fome de que se tem notícia.
Além dos dias de humilhação na prisão, as famílias dos presos perderam o respaldo financeiro do PAA e sofreram revezes sociais. Seus lares foram vasculhados à procura de provas (buscaram até mesmo um iate na residência de um dos denunciados). A maioria voltou ao subemprego e à produção de fumo.
As associações beneficiadas perderam associados, deixando, assim, de receber alimentos; algumas foram fechadas ou tiveram suas atividades minimizadas.
No fim de tudo, a Justiça reconheceu a inocência de todos os envolvidos. Mas as desgraças já tinham marcado presença.
Equívocos ou cálculo
Uma questão se levanta no caso dos produtores rurais: boa parte das associações beneficiadas pelo programa tinha algum vínculo com o PT. E este não foi o único caso em que Sérgio Moro se predispôs a enfrentar cidadãos, personalidades e órgãos com tal vínculo. A batalha duradoura conhecida como Lava Jato foi o ápice, entretanto.
Conforme lembra o site Migalhas, especialista em Política e Direito, conversas grampeadas e divulgadas durante as operações da Lava Jato são um dos erros mais evidentes e conhecidos. Divulgação de conteúdo de telefonema entre a então presidente Dilma e o ex-presidente Lula foi autorizada por Moro em despacho proferido em março de 2016.
Outras denúncias e desavenças marcam o caminho de Moro até a Casa da Dinda. O site investigativo Intercept Brasil fez batizar aquilo que se chamaria Operação "Vaza Jato". Publicaram-se diversas conversas comprometedoras entre o então juiz Sérgio Moro e integrantes da força-tarefa da Lava Jato.
Nelas, analistas identificaram clara busca por acomodação de ações estratégicas que levariam Lula à condenação. E tal realmente ocorreu, não obstante o mesmo juiz ter sido considerado incompetente para atuar na operação. Com isso, hoje, o ex-presidente está livre dos efeitos dos processos e vai disputar a Presidência do país exatamente contra seu condenador.
Casa da Dinda à espera
Contudo, muitos cientistas políticos desconfiam de suas intenções iniciais. Alegam que já estavam alicerçadas em direção à Casa da Dinda. Esta também é opinião do atual Presidente da República, que a emitiu recentemente em entrevista a uma emissora de rádio do Paraná.
"Sérgio Moro, mesmo no âmbito das suas funções no processo 'Lava Jato', teve um comportamento mais do que judicial, teve um comportamento político ao longo deste anos." Com tal raciocínio, o professor da Universidade Autónoma de Lisboa Filipe Vasconcelos Romão concluiu sua visão sobre a postura de Moro perante a política brasileira.
Para observadores, decisões e conceitos defendidos por Moro buscam que seja visto como “o Bolsonaro do lado certo”. Ou seja, “detém a mesma visão retrógrada que o atual presidente, mas é respaldado por conhecimentos jurídicos”, lembra ainda Garcia Santos.
Como prova, menciona o conceito de “excludente de ilicitude”. Por ele, Moro pretendia que a violência provocada no âmbito de ações policiais tivesse efeito judicial minimizado. Ou, de preferência, que fosse ignorada em razão de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.
Há uns passados no meio do caminho
Por tantos “equívocos aparentemente calculados” e outros menos anunciados, cientistas políticos veem mais que um juiz de Direito na imagem de Moro. Para eles, sua tendência a inquilino da Casa da Dinda não começou com a nomeação para Ministro da Justiça de Bolsonaro. Começou ainda no caso dos produtores rurais do Paraná.
Recentemente, Sérgio Moro filiou-se ao Podemos, anunciou pré-candidatura e já discursou como pré-candidato. Seu discurso chegou recheado de críticas à corrupção e de hosanas ao combate a corruptos. Tem sido lembrado em pesquisas eleitorais e parece estar em ascensão e isso mexe com o humor político em geral.
Também recentemente, um grupo de admiradores fez destacar o lançamento do livro “Contra o sistema de corrupção”, escrito por Moro. Entretanto, muitos de seus apoiadores têm passado turbulento. Passados vinculados justamente à corrupção, que Moro diz querer combater a todo custo.
O próprio presidente do Podemos, Álvaro Dias, enfrentou momentos estranhos. Outro apoiador é o ex-prefeito de Curitiba Cássio Taniguchi, cujos escândalos por corrupção fazem políticos “ficha-seja” parecerem santos.
Dessa maneira, tem-se que os caminhos de Sérgio Moro até a Casa da Dinda têm sido traçados por histórias conflitantes. A história que o tempo escreve, contudo, é mais parcimoniosa.
Este artigo foi escrito por Serg Smigg e publicado originalmente em Prensa.li.