A comunicação não-violenta no ambiente de trabalho como lugar de cura e inclusão
Fernanda desenvolveu depressão após constantes situações de assédio moral e sexual vividas no escritório de advocacia onde trabalhava; Cecília pediu demissão da escola onde lecionava alegando ansiedade generalizada e depressão por conta da pesada rotina de humilhações e cobranças de seus superiores; Heitor tentou suicídio após sofrer inúmeras intimidações na universidade federal onde estudava e trabalhava.
O que estes três casos têm em comum além das enfermidades desenvolvidas por estes personagens em seus ambientes de trabalho?
Ora, evocar o conceito desenvolvido por Marshall Rosenberg em sua emblemática obra intitulada por Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais pode iluminar as estórias de Fernanda, Cecilia e Heitor, além de apontar novos caminhos para a convivência saudável no ambiente de trabalho.
Originalmente, Marshall Rosenberg teve a sua primeira preocupação com o tema da não-violência e da comunicação não-violenta a partir do ano de 1943. O autor, quando ainda criança em Detroit, vivenciou intenso conflito racial e testemunhou mais de quarenta mortes por conta deste mesmo conflito.
Além da violência testemunhada acima, após ser agredido por colegas na escola onde estudava, Rosenberg, colocando-se a seguinte a questão: “o que acontece, que nos desliga de nossa natureza compassiva, levando-nos a nos comportarmos de maneira violenta e baseada na exploração das outras pessoas?” e também o inverso desta mesma questão: “o que permite que algumas pessoas permaneçam ligadas à sua natureza compassiva mesmo nas circunstâncias mais penosas?”.
O autor procurou “desenvolver” e “ampliar” a “questão” da “comunicação não-violenta” uma vez que o próprio Rosenberg reconheceu em sua obra que, na história da humanidade, este mesmo conceito já fora visto.
Escutando a comunicação não-violenta de Gandhi
Por “natureza compassiva” e por “comunicação não-violenta”, Rosenberg, inspirado em Gandhi, explica de modo exemplar como compreende tais conceitos da seguinte forma:
“Enquanto estudava os fatores que afetam nossa capacidade de nos mantermos compassivos, fiquei impressionado com o papel crucial da linguagem e do uso das palavras. Desde então, identifiquei uma abordagem específica da comunicação — falar e ouvir — que nos leva a nos entregarmos de coração, ligando-nos a nós mesmos e aos outros de maneira tal que permite que nossa compaixão natural floresça. Denomino essa abordagem Comunicação Não-Violenta, usando o termo “não-violência” na mesma acepção que lhe atribuía Gandhi — referindo-se a nosso estado compassivo natural quando a violência houver se afastado do coração. Embora possamos não considerar “violenta” a maneira de falarmos, nossas palavras, não raro, induzem à mágoa e à dor, seja para os outros, seja para nós mesmos.”
No entanto, que significa “compassivo” e, de fato, é este o estado natural dos homens?
Compassivo é, por definição, quem tem ou revela compaixão; que se compadece; condolente. E o termo compaixão, por sua vez, pode ser definido como “sentimento piedoso de simpatia para com a tragédia pessoal de outrem, acompanhado do desejo de minorá-la; participação espiritual na infelicidade alheia que suscita um impulso altruísta de ternura para com o sofredor”.
No entanto, considerando aquilo de que falava Kant no século XVIII, isto é, de que "o estado de paz entre seres humanos que vivem próximos uns aos outros não é nenhum estado de natureza (status naturalis), é, ao contrário, um estado de guerra"; o que seria, portanto, este tal estado compassivo a que alude Rosenberg?
E será que a aplicação destes princípios, de modo coordenado e em um treinamento em universidades e empresas, poderia evitar o sofrimento de Fernanda, Cecilia e Heitor de que fala o início deste artigo?
Onde os agressores de Fernanda, Cecilia e Heitor encontram Gandhi
O estado compassivo ao qual nos apresenta o autor do magnífico livro intitulado Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais é realmente aquele sobre o qual Rosenberg aprendeu com Gandhi, isto é, um lugar no interior de cada indivíduo longe da violência e, portanto, um lugar “não-violento” que se lhe ocorre “quando a violência houver se afastado do coração.”
E, de fato, este lugar, corroborando a tradição filosófica kantiana a qual alude ser a violência um status naturalis em todo homem, força o leitor à conclusão, portanto, de que a comunicação não-violenta pode e deve ser, antes, “estimulada”. Uma vez que, segundo o próprio Rosenberg:
“a comunicação não-violenta se dedica a estimular uma resposta compassiva às pessoas por meio de honrar nossas necessidades universalmente compartilhadas de autonomia, celebração, integridade, interdependência, sustento físico, diversão e comunhão espiritual.”
Por fim, deixo aqui a sugestão de um mergulho profundo na obra de Rosenberg a todos os empresários e professores ou membros de qualquer setor do estado e da economia – junto a votos de mais compaixão e respeito à diversidade – inclusive étnico-racial – e a toda vida humana.
Referências
Dia Internacional promove educação e maior consciência da não-violência. Disponível em: <https://news.un.org/pt/story/2021/10/1765112> Acesso em: 23 de Agosto de 2022.
KANT, Immanuel. À paz perpétua: um projeto filosófico. Tradução Bruno Cunha. Petrópolis, RJ: Vozes, 2020.
ROSENBERG, Marshall B., Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: Ágora, 2006.
Este artigo foi escrito por Gilson Santos e publicado originalmente em Prensa.li.