A DC Comics está cancelando geral — é o começo do fim?
A DC Comics é uma das maiores editoras de quadrinhos do mundo. Isso é fato. Competindo diretamente com a Marvel, a empresa é responsável pela criação de ícones da cultura pop como Superman, Batman, Flash, Mulher Maravilha e Aquaman, entre outros.
Mas, nos últimos anos, problemas nos bastidores e fracassos na bilheteria tem sido responsáveis por fazer a companhia repensar seus projetos cinematográficos. Isso tem ficado evidente diante do cancelamento de filmes que estavam sendo produzidos há anos como o da Batgirl após um investimento de mais de US$ 70 milhões.
Mas, afinal, o que está acontecendo com a DC Comics? Por que a empresa não consegue repetir o sucesso da Marvel nas telonas? Será que algum dia veremos uma série de filmes compartilhando um universo estendido e com produções de qualidade e histórias bem conectadas?
Qual é o futuro do DCEU?
De uma coisa temos certeza: ao longo dos anos as franquias da DC tem sido transportadas dos gibis para a televisão com grande êxito. Quem aí não lembra das versões televisivas do Superman e do Batman interpretadas por George Reeves e Adam West, respectivamente nas décadas de 50 e 60? Ou das encarnações de Lois e Clark por Teri Hatcher e Dean Cain na série dos anos 90?
Não precisamos ir tão longe no passado, claro. Mais recentemente, o sucesso de "Smallville" (2001) levou as séries de super-heróis para outro patamar. O Superboy / Clark de Tom Welling caiu nas graças dos jovens da geração Z (pós-millennial). O sucesso foi tanto que a produção encabeçada por Alfred Gough e Miles Millar durou 10 temporadas. Toda uma legião de fãs teve a oportunidade de acompanhar a evolução do adolescente Clark Kent até seu amadurecimento e transformação no Homem de Aço.
E não parou por aí. A consolidação da DC Comics na televisão e outras mídias (incluindo as digitais) alçou patamares ainda mais ambiciosos com o lançamento do “arrowverse” a partir de 2012. A empresa, através da The CW Television Network, levou para o mercado de streaming, o seu famoso multiverso dos quadrinhos.
No projeto foram reunidos heróis como o Arrow (Arqueiro Verde), The Flash, Supergirl, Lendas do Amanhã, Batwoman, Patrulha do Destino e Titãs (formado por Robin/Asa Noturna, Estelar, Mutano e Ravena), entre outros. Cada qual com sua série, mas conectados entre si.
O ponto alto do “arrowverse” foram os cruzamentos e o arco da “Crise nas Infinitas Terras”. O evento foi um grande “crossover” exibido em cinco episódios em 2019. Ao misturar personagens de “terras” diferentes do multiverso, os fãs tiveram a oportunidade matar saudade, inclusive, do Clark de Smallville, do Superman de Brandon Routh e testemunharam o surgimento de uma espécie de “Liga da Justiça”.
Embora a “Crise nas Infinitas Terras” da televisão não tenha tido o mesmo impacto que a dos quadrinhos, por conta da ausência das versões principais de seus dois maiores personagens (Superman e Batman), ela serviu para a CW dar fim ao “arrowverse”. A partir daí a DC abriu caminho para um Universo Estendido, mas desta vez focado no Superman de Tyler Hoechlin com o lançamento da série "Superman & Lois "(2021) na HBO Max.
Com a fusão da WarnerMedia e da Discovery+, a tendência é de que as séries da DC exibidas e produzidas pelo canal CW cheguem ao fim. Entre as primeiras canceladas estão Arrow, Lendas do Amanhã, Supergirl e logo The Flash também será encerrada após 9 temporadas (em 2023).
Até aí, tudo bem. Pode-se dizer que as séries da DC produzidas para os serviços de streaming e televisão seguem em bom caminho. Apesar dos tropeços aqui e ali (como o fracasso da série Krypton), a expectativa é positiva. É bem provável que o chamado “superverse” siga o mesmo caminho do “arrowverse” e um novo arco seja construído nos próximos anos.
A DC no cinema
No cinema, os filmes do último filho de Krypton e do Homem-Morcego fizeram história. Afinal, o longa do Superman lançado em 1978 e estrelado por Cristopher Reeve (e que trazia lendas como Marlon Brando e Gene Hackman no elenco) é considerado um clássico. Dirigido por Richard Donner, foi indicado a 3 Oscar e abriu as portas para outras obras do gênero em Hollywood.
Até então atores, diretores e produtores torciam o nariz quando o assunto envolvia histórias com alienígenas usando capas vermelhas e voando por aí usando uma cueca por cima da calça. Parecia coisa de filme "B". "Superman - O filme" contribuiu para quebrar o paradigma.
Era de se esperar, portanto, que a DC Comics continuasse fazendo um bom trabalho. No entanto, não foi bem o que aconteceu. A qualidade das produções lançadas nos anos seguintes oscilou bastante. Além disso, nunca houve espaço para “crossovers”. Criar um universo compartilhado no cinema jamais esteve nos planos da empresa, aparentemente.
Para piorar, a produção de “Superman II – A Aventura Continua” (1980) trouxe grandes dores de cabeça para a DC. Apesar do sucesso de bilheteria, a troca de direção de Richard Donner para Richard Lester prenunciou os problemas que a empresa e a Warner Bros teriam no futuro em seus sets de filmagem. Processos, problemas de relacionamento e divergências criativas entre os produtores Alexander Salkind e Ilya Salkind e o diretor eram só a ponta do iceberg. Até mesmo Marlon Brando entrou na jogada, processando os produtores por causa do não pagamento de lucros sobre a bilheteria do primeiro filme.
Em 2006, 26 anos depois do lançamento nos cinemas, a Warner Bros lançou uma nova versão de "Superman II" em DVD, chamada de Donner Cut. A obra tentou restaurar a visão original de Richard Donner em relação ao último filho de Krypton. Contando com menos humor e eliminando algumas bizarrices (como os poderes extras dados aos kryptonianos no final), o filme, porém, não passou de uma tentativa pífia de mostrar aos fãs como poderia ter sido essa versão.
Enfim, após "Superman II", a DC seguiu ladeira abaixo no que diz respeito à sétima arte. As sequências "Superman III" (1983) e "Superman IV – Em busca da paz" (1987), não fazem jus ao legado do personagem criado Jerry Siegel e Joe Shuster. Ainda que o terceiro filme tenha obtido boa bilheteria, o quarto revelou-se uma obra de péssima qualidade. Seus efeitos especiais são considerados péssimos. Mesmo para a época em que foi produzido. Isso se refletiu numa bilheteria pífia e rendeu ao filme duas indicações ao prêmio Framboesa de Ouro (o Oscar dos filmes ruins).
Esse fracasso quase condenou o herói ao esquecimento. Foram anos de projetos atrás de projetos engavetados. Um desses que nunca viu a luz do dia trazia o ator Nicolas Cage no papel do Superman e seria intitulado “Superman Lives”. A história por trás do longa é um capítulo à parte na história da DC e não cabe num único artigo.
Mas, resumindo, o filme teria a direção de Tim Burton e traria um homem de aço incapaz de voar, proibido de usar se tradicional traje azul e vermelho (por ser afeminado demais) e que seria obrigado a lutar com uma aranha gigante. Tão bizarro, que virou um documentário disponível no YouTube. Ainda bem que não foi para frente.
Após várias tentativas de produzir um novo filme, finalmente a Warner Bros e a DC decidiram produzir “Superman – O Retorno” em 2006. Quase 20 anos após o último longa. Após tanto tempo fora das telas e alavancado pelo retorno do interesse nos quadrinhos por conta de “A morte do Superman” (1993), o sucesso era garantido. Mas não foi bem assim.
Apesar de ter lucrado relativamente bem, os efeitos especiais deixaram a desejar. Para piorar, o filme não era um “reboot” como já acontecera com os do Batman, por exemplo. Tratava-se de uma continuação direta de "Superman II". Por conta de um hiato de duas décadas, os espectadores mais jovens simplesmente não compreenderam que se tratava-se uma sequência. Resultado: o filme estrelado por Brandon Routh "flopou" e a própria continuação de “Superman - o Retorno” acabou cancelada.
O Batman salva a DC
Se o Superman amargou fracassos sucessivos, pelo menos o “morcegão” pode brilhar nas mãos de diferentes diretores e atores desde o primeiro longa-metragem lançado em 1989. De Tim Burton a Christopher Nolan, o “Cavaleiro das Trevas” emplacou vários sucessos e foi interpretado por estrelas de peso como Michael Keaton, Val Kilmer, George Clooney e Christian Bale.
Apesar das controvérsias em torno dos filmes anteriores à trilogia “Cavaleiro das Trevas” (2005), de Nolan (como os mamilos de George Clooney em "Batman e Robin" (1997), os vilões foram responsáveis por salvar a franquia ao longo dos anos. Os Coringa de Jack Nicholson e Heath Ledger, o “Pinguim” de Dany DeVito e a Mulher-Gato de Michele Pfeifer contribuíram para manter a mitologia do homem-morcego em alta.
Mas nem só de Superman e Batman vive a DC Comics. A companhia tentou mais de uma vez lançar outros filmes de seus icônicos personagens ao longo dos anos. A maioria não deu muito certo, naufragando tanto em relação à crítica como por conta dos lucros. Entre eles podemos citar "Supergirl" (1984), "Lanterna Verde" (2011), "Mulher-Gato" (2004), "Steel – o Homem de Aço" (1997) e "Esquadrão Suicida" (2016), entre outros.
Enfim, a DC Comics coleciona fracassos no cinema, e não é de hoje. A notícia de que várias produções poderão ser canceladas — algumas das quais praticamente prontas como Batgirl e The Flash — talvez até não seja recebida com incredulidade pelos fãs mais antenados.
Em 2008, por exemplo, houve a tentativa de trazer ao mundo um filme da Liga da Justiça. Intitulado "Liga da Justiça Mortal", o longa seria dirigido por George Miller. Os motivos que levaram a DC a desistir do projeto são inúmeros. Vão desde a greve dos roteiristas dos Estados Unidos. que aconteceu entre 2007 e 2008, até o medo de um fracasso.
Só dali quase 10 anos, a ideia de reunir vários heróis da DC no cinema e criar um universo compartilhado seria posta em prática.
Falando em fracasso...
E, no final das contas, o temor de um fracasso não se revelou infundado. Lançado em 2017 o "Liga da Justiça" de Zack Snyder foi recebido com desconfiança, recebeu uma enxurrada de críticas e patinou nas bilheterias, arrecadando "apenas" US$ 657,9 milhões. Pouco para um filme com um orçamento de mais de U$S 300 milhões.
A produção do filme passou por turbulências do início ao fim. A saída de Snyder após a morte de sua filha em maio de 2017, colocou o futuro de uma possível trilogia em xeque. Nem mesmo a chegada de Joss Whedon, figurinha carimbada de Hollywood, na direção foi capaz de salvar o longa.
Trazendo no currículo a direção de dois filmes dos Vingadores, Whedon tinha tudo para repetir o desempenho obtido na Marvel. Afinal, "Os Vingadores" (2012) e "Vingadores - A Era de Ultron" (2015) praticamente deram o pontapé inicial ao MCU (Universo Cinematográfico Marvel) e obtiveram receita na ordem de US$ 1.5 bilhão cada um.
Joss Whedon, porém, não só não foi capaz de salvar o filme como ainda amargou acusações por parte do elenco de "Liga da Justiça". Ray Fisher, Jason Momoa e Gal Gadot puxaram o coro e acusaram o diretor de comportamento abusivo durante as filmagens. A Warner, porém, nada fez. Em compensação a carreira do diretor desandou após virem à público novas acusações por conta do seu comportamento tóxico. Desta vez, por parte do elenco de "Buffy – A Caça-Vampiros", série produzida por ele em 1993.
Todas essas polêmicas praticamente colocaram uma pá de cal no projeto de, finalmente, dar vida a um Universo Estendido da DC nos mesmos moldes do MCU de Kevin Feige na Marvel Studios. Tanto que, apesar do gancho deixado pela Snyder Cut (2021), um “Liga da Justiça 2” não parece estar nos planos de David Zaslav.
Ao que tudo indica, o que os fãs da DC devem esperar para um futuro próximo parece ser a reformulação em sua proposta de criar novo Universo Estendido. Podemos dar adeus ao "Snyderverse", por assim dizer, projeto que começou com o "Homem de Aço" (2013), teve sua continuação em "Batman vs Superman" (2016) e deveria ter culminado no tão esperado filme da Liga da Justiça.
Por outro lado, os fãs ainda esperam pelos filmes solos do Cyborg e The Flash. Em relação ao primeiro, o longa foi oficialmente confirmado em 2014, mas até hoje não saiu do papel e sequer começou a ser produzido. Um dos culpados, seria o alto custo de produção. Até onde sabemos, ele nunca acontecerá. Pelo menos não nos moldes em que estava previsto.
Quanto ao The Flash de Ezra Miller, é aí que a porca torce o rabo. Podemos afirmar que trata-se de uma pedra no sapato da DC Comics e da Warner Bros. Até o momento, o filme teve investimento de US$ 200 milhões, o que não é pouco. Ainda assim, o atraso no lançamento é considerável. Caso não seja cancelado, a previsão é de que o longa só saia em 2023.
Para piorar, o ator que dá vida a Barry Allen e seu alter ego superveloz, tem protagonizado um escândalo após o outro nos últimos anos. Depois ser preso mais de uma vez por conta de roubos, agressões e outros problemas, Ezra Miller admitiu enfrentar problemas psicológicos e afirmou ter buscado tratamento. Ele também pediu desculpas aos fãs por seu comportamento.
Por enquanto, a Warner Bros não se pronunciou oficialmente sobre esse cancelamento especificamente. No entanto, o CEO da Warner, David Zaslav, teria afirmado durante uma reunião entre executivos e investidores há algumas semanas, ter intenção de fazer um reboot completo do universo DC no cinema. Se isso se confirmar, pouco restará dos personagens atuais e seus respectivos filmes.
O futuro da DC: Universo Cinematográfico da Liga da Justiça
Nasceria assim, um novo projeto a longo prazo, chamado de Universo Cinematográfico da Liga da Justiça (UCLJ, ou JLCU, em inglês). Nesse contexto, não restaria pedra sobre pedra. O único remanescente da era Snyder seria o Aquaman de Jason Momoa. Logo, até mesmo o Coringa de Joaquim Phoenix e o Batman de Robert Pattinson estariam fadados ao esquecimento. E incluiria o Superman Negro de Michael B. Jordan, Besouro Azul, Tropa dos Lanternas Verdes, Constantine, entre outros.
Se as informações se confirmarem, o UCLJ, terá como ponto de partida o filme do "Adão Negro" cujo lançamento está previso para outubro deste ano. Nas supostas palavras do CEO da empresa, o personagem seria o Thanos da DC. Por sua vez, a nova versão do Superman estaria planejada para fazer sua primeira aparição em "Adão Negro 2".
A intenção da empresa seria a de se aproveitar de um possível declínio da Marvel nos próximos anos. Nesse período a companhia comandada por Kevin Feige seria obrigada a fazer o seu próprio reboot, trazendo ao mundo versões repaginadas do Homem de Ferro, Capitão América e Homem-Aranha.
David Zaslav teria dito, ainda que a Warner tem a ambição de voltar a lançar filmes de alta qualidade para o cinema. Isso significa não permitir colocar no mercado obras antes de estarem prontas. O projeto desse novo universo estendido estaria previsto para englobar os próximos 10 anos. Se isso se confirmar, claro, quem ganha são os fãs.
Este artigo foi escrito por Maximiliano da Rosa e publicado originalmente em Prensa.li.