A desinformação na Guerra de Informação
Um governo pode utilizar esse tipo de guerra, assim como um grupo terrorista. A guerra de informação é versátil e suas consequências são, obviamente, perigosas.
Da censura prévia ao Firehosing
Ao longo da nossa história, este tipo de tática foi utilizada largamente, por exemplo, nos regimes ditatoriais como o Estado Novo e a Ditadura de 1964-1985.
O DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda de Vargas era responsável por fazer uma guerra de informação no sentido de criar uma identidade nacional em torno do político gaúcho, suprimindo qualquer narrativa que mostrasse algo negativo sobre ele.
No regime militar de 1964, as leis que instituíram a censura aos veículos de comunicação impuseram a instalação de um funcionário chamado de censor nas redações de jornais, controlando tudo o que seria exposto à população.
Em ambos os exemplos, temos um aparato de Estado bem azeitado para impedir a construção de uma narrativa que possa fazer frente ao poder estabelecido, seja por meio de órgãos, como o DIP, seja através de leis, como o Decreto-Lei nº 1.077, que regulamentava a censura prévia a livros e periódicos no Brasil.
Mas, e hoje, num mundo conectado e digital, onde qualquer pessoa pode postar o que quiser, quando quiser, como grupos poderiam controlar essas informações?
O que podemos ver, sobre isso, é a mudança da lógica de controle. Ao invés de controlar o que sai, esses grupos utilizam-se de um fluxo de informações que, sem qualquer controle, consegue abafar qualquer informação contrária.
Ou seja, com uma enxurrada de informações (falsas, geralmente) governos, grupos ou organizações conseguem abafar as vozes em contrário, impondo sua narrativa sobre os adversários.
A tática da enxurrada de desinformação foi marca registrada de Trump em suas campanhas presidenciais (Imagem/reprodução: CNN Politics)
Sobre isso, há inclusive um conceito: Firehosing, literalmente uma “mangueira de incêndio”, jorrando em volume e velocidade uma série de notícias sem compromisso com a realidade.
O conceito foi criado pela psicóloga social Miriam Matthews e pelo cientista social Christopher Paul, num artigo intitulado “The Russian ‘Firehose of Falsehood’ Propaganda Model” de 2016, financiado pelo think thank Rand Corporation.
Vamos dar um exemplo: para desviar a atenção para sua inabilidade intelectual ou sua péssima dicção, certo candidato à presidência em 2018 começou a veicular uma mentira como se fosse verdade, de que havia uma tentativa de implantação de um “kit gay” nas escolas do país, mostrando um livreto sem qualquer conexão com o que falava.
Virou viral, meme, posts com o conteúdo foram compartilhados monstruosamente, o whatsapp de milhões de pessoas recebeu cópias do suposto kit… e a mentira tornou-se verdade.
E aqui chegamos a um ponto chave: sem as mídias sociais e suas infinitas possibilidades de compartilhamento instantâneo, dificilmente teríamos um processo tão avassalador desta estratégia de guerra.
Anos atrás, o caso Cambridge Analytica demonstrou como o direcionamento de dados e a enxurrada de mentiras (patrocinadas com a condescendência do Facebook, atual Meta) pode mudar os rumos de um país inteiro.
A desinformação como arma na Guerra de Informação
Podemos elencar aqui diversos outros exemplos de como essa estratégia é utilizada. O palco de guerra entre ucranianos e russos pode ilustrar isso.
Desde o início do conflito, ambos os estados belicosos buscaram oficializar uma narrativa de guerra, identificando o inimigo e elencando seus crimes.
Utilizando-se das mídias sociais em posts e vídeos, Rússia e Ucrânia buscaram ao máximo estabelecer o discurso mais convincente sobre quem era o mocinho e quem era o bandido para o mundo.
É interessante notar que, por mais que o conflito se dê entre países do leste europeu, essa guerra é mundial, envolvendo diversas outras nações por meio das interações das mídias sociais.
Justamente por conta disso, a guerra de informações se mostra o mecanismo mais eficaz para a mobilização de pessoas em prol de uma ou de outra bandeira.
Tomemos o caso do bilionário Roman Abramovich. O jornal The Wall Street Journal, com informações da Ucrânia, reportou que o ricaço e dois negociadores ucranianos haviam apresentado sintomas de envenenamento após uma reunião de negociações entre as duas partes beligerantes.
Prontamente, o Kremlin negou que isso tivesse ocorrido. Na versão dos russos, a informação era falsa, argumentando que o próprio Abramovich continuava participando normalmente, como voluntário, das rodada de negociação.
Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, diria o seguinte: "Isso é parte do pânico de informação, da sabotagem de informação, da guerra de informação. Esses relatos não são verdadeiros, é necessário filtrar o fluxo de informações".
Uma autoridade norte-americana que preferiu anonimato informou à agência Reuters que os sintomas apresentados pelo bilionário russo (olhos avermelhados e lacrimejando, descamação da pele) eram indicações de um quadro comum de alergia.
Pergunto a você: qual a história verdadeira? A do envenenamento ou a da alergia?
Não saberemos, mas temos uma noção bem clara de como a Guerra de Informação funciona. Enquanto isso, memes, virais e posts já espalharam uma versão ou outra na malha infinita da conectividade.
Este artigo foi escrito por Pablo Michel Magalhães e publicado originalmente em Prensa.li.