A história de World of Warcraft: Shadowlands tinha tanto potencial, mas ficou só nisso.
Imagem de divulgação do novo conteúdo no Brasil. Todos os direitos reservados a ActivisionBlizzard
O fim da eternidade finalmente chega, e infelizmente deixará um gosto amargo por um tempo. Afinal, com os rumores e ‘’leaks’’ nos mostrando o que Shadowlands poderia ter sido e o infinito potencial desperdiçado, é de deixar qualquer um preocupado com o futuro da lore de World of Warcraft.
Por que deu tão errado? Por que todos os plots deixaram todo mundo insatisfeito? Será que não vai dar para aproveitar nada futuramente? É verdade que não é de agora que a história desse grandioso jogo anda capengando, mas foi apenas nessa expansão que descarrilhou completamente, e o pior é saber que não precisava ter sido desse jeito. Vamos tentar fazer uma linha do tempo dos erros e decisões questionáveis que a lore vem tomado nos últimos anos.
Quando as coisas começaram a dar errado?
Se fosse para escolher um ponto de partida, a decisão que a tia Blizzard fez que a forçou a tomar outras para manter a linha narrativa escolhida, foi tornar Sylvana Correventos a Chefe Guerreira da Horda.
Analisando mais a fundo, isso ainda poderia ter resultado numa verdadeira revolução para a história do jogo, algo inesperado e interessante, mas penso que as motivações dessa escolha foram rasas e norteadas pelo "Rule of Cool", algo que seria apenas chocante, inesperado. Reitero, poderia ter sido maravilhoso, mas infelizmente os seus motivos não se sustentaram por muito tempo.
Sylvana Correventos é uma personagem que se utiliza de ardis para superar seus obstáculos, usa a conveniência das diplomacias quando convém, e na mesma facilidade poderia trair seus aliados, assim como também escolheria a opção mais egoísta para proteger aqueles de sua estima.
A verdade é que para o cargo que a personagem passou a ocupar, ela não poderia se manter a Sylvana que conhecemos, não poderia ser a Chefe Guerreira da horda enquanto ainda era a Rainha Banshee, a dama sombria. Por causa dela, toda a horda foi obrigada a incorporar suas características.
Personagens que protegeriam a natureza e a manutenção da paz foram atirados em uma guerra que jamais lutariam, personagens que jamais ficariam calados diante de algum crime de guerra, se silenciaram por... medo? O que quero dizer, é que muitos foram descaracterizados para que Sylvana tivesse o seu momento e a narrativa corresse sem que precisassem explicar suas nuances.
As coisas poderiam até ocorrer do jeito que ocorreram, se tivesse o determinado aprofundamento, mas muitos personagens foram contra tudo o que eles eram para a Blizzard por manter as cartas na mão da Sylvana, e foi aí que muitos sacrifícios foram feitos para seguir com essa escolha.
Problemas internos
Apesar de Battle For Azeroth ter sido muito criticada, ainda existia considerável engajamento da comunidade, ansiavam para saber o que aconteceria. No pré-lançamento, belíssimas cinemáticas foram lançadas, os curtas de animação “Warbringers” — com destaque ao da personagem Jaina — foram muito bem recebidos e havia um senso de otimismo pelo que viria.
A cinemática de abertura de Shadowlands deu destaque para ninguém menos que a própria Sylvana, personagem que já tinha sido destaque nas duas últimas cinemáticas de abertura de expansão, e nenhum outro personagem recebeu tantos holofotes quanto ela, mesmo a comunidade estando dividida quanto a Dama Sombria.
Tempos depois veio a primeira cinemática de animação da expansão Shadowlands, “Pós-Vidas - Bastião”, que em minha opinião, pode facilmente entrar no top 5 de cinemáticas da série. Impecável e muito instigadora, personagens memoráveis apareceram, além de novos, como a kyriana Devos, prometiam causar impacto na expansão.
As outras três animações — Maldraxxus, Ardena e Revendreth — também se mostraram interessantes e até então, estavam cumprindo o importante papel de introduzir a nova mecânica de pactos que a expansão trazia.
As coisas pareciam promissoras, e então um processo de assédio sexual estourou na cabeça da Blizzard. Inúmeros funcionários deixaram a empresa (e mesmo antes, muitos já haviam saído, departamentos inteiros sendo desfeitos, muitos cortes vinham acontecendo), os geradores de conteúdo condenando os horrores que eram revelados todos os dias, e o número de assinaturas minguando mês após mês, foram os últimos pregos no caixão de Shadowlands, a expansão na terra dos mortos.
Desde então, a comunidade recebe rumores, especulações e ‘’vazamentos’’ que vagamente dão uma noção do que estava acontecendo nos bastidores da empresa e porque tomaram algumas decisões criativas que, no fim das contas, parecem mais uma tentativa de criar um bode expiatório pela condução da história do jogo.
O que poderia ter sido
O que mais dói nessa situação toda, é que dava para ter sido bom, era possível ter enriquecido a mitologia do mundo de Warcraft de uma maneira criativa, e por alguns momentos eu tive esperança, mas analisando mais a fundo, eles realmente escolheram o pior caminho para a história.
Para começar, essa poderia ter sido a história com mais "fanservice" de todas, pois tinham todo o elenco falecido de Warcraft para usar! Desde heróis dos primeiros jogos como Anduin Lothar, Rei Llane Wrynn, Daelin Proudmoore, Orgrim Martelo da Perdição, Zul’jin e dezenas de outros personagens lendários que poderiam ter nos acompanhado nessa jornada nas Terras Sombrias.
No entanto, a Blizzard preferiu usar, em sua grande maioria, novos personagens, e pouco cativantes. Se pautar exclusivamente no passado pode ser prejudicial, mas se for para criar novos personagens rasos e unidimensionais, então melhor apostar no saudosismo. Vários desses personagens novos, como Devos e Ara’lon, faleceram de uma maneira que não fez jus às suas aparições nas cinemáticas de “Pós-Vida”.
Talvez os únicos que escaparam da sina de "flopar" foram Draka e Denathrius, pois a primeira, que de fato era uma personagem pouco explorada, teve espaço para crescer, e o segundo cativou totalmente a comunidade com seu jeito debochado.
De qualquer forma, a história levantou algumas tramas, mas não fez questão de terminar todas, como a da Sylvana, que deixou grande parte da comunidade insatisfeita, uma vez que a personagem cometeu inenarráveis crimes e ficará praticamente impune.
Outro personagem que sempre carregou o legado do jogo, Arthas Menethil, foi condenado a ser esquecido, e outros personagens que supostamente deveriam ser importantes como Thrall, Baine, Jaina e Bolvar, se tornaram apenas PNJ de luxo, que acompanham o jogador nas raides e missões, sendo que eles poderiam ter tido espaço para serem mais desenvolvidos.
Jaina supostamente encontraria seu pai, Thrall encontraria seu caminho de Xamã novamente e Baine descobriria algum segredo dos Taurens que mudaria toda a perspectiva da cultura deles. Esses pelo menos eram os rumores, mas pela maneira com que foram implementados na expansão, poderiam ter sido substituídos por quaisquer outros e não faria diferença.
O último grande elemento da expansão, o vilão Zovaal, também chamado de Carcereiro, é um dos vilões menos carismáticos que World of Warcraft concebeu, servindo apenas como um instrumento de roteiro para poder entregar a temida redenção de Sylvana.
Há indícios de que originalmente ele não assumiria esse papel, e sim, outro personagem muito mais interessante, como o Prócer, que mesmo sendo um coadjuvante na expansão, foi um personagem mais relevante que seus outros irmãos Eternos, um ponto que Blizzard ainda pode arrumar futuramente se seguir os anseios da comunidade em consertar a ‘lore’.
Esse é realmente o fim de um capítulo que é contado há mais de 15 anos?
Essa foi a chamada ao anunciarem o patch 9.2 “Fim da Eternidade”, a afirmação de que um grande capítulo que havia sido iniciado em Warcraft 3 estava se encerrando agora, uma história lendária que sustentou gerações e deu relevância para os MMOs estaria tendo sua página virada para uma nova era.
O medo, que acredito que a comunidade compartilha, é que se as mesmas pessoas que conduziram Shadowlands teriam capacidade de fazer a nova história ser digna do nome que carrega. No fundo, quero acreditar que sim. Os rumores de elementos descartados da história de Shadowlands já deram um vislumbre do que poderia ter sido, então acredito que agora eles realmente podem executar da maneira que planejarem, após a poeira das crises internas estar baixando e a venda da Activision-Blizzard para Microsoft ter aumentado um pouco a moral abalada da equipe, então prefiro acreditar que o futuro será diferente.
Este artigo foi escrito por Maicon Rodrigues e publicado originalmente em Prensa.li.