A História mal contada sobre "Ordem e Progresso"
Quando as Forças Armadas e outros grupos arquitetaram a derrubada do Império de Pedro II para a proclamação da República, o Positivismo era a agenda dos republicanos. Ou talvez fosse, pois, muitos dos seus patrocinadores eram escravocratas muito contrariados com a abolição proclamada pelo Império e estavam ali por uma questão de compensação econômica.
A própria ideia positivista foi parte da concepção do conceito da bandeira nacional, que era uma série de figuras geométricas representando riquezas naturais e concretas do país: florestas, minérios e mares. Ao contrário de outras bandeiras nacionais de outras nações, a nossa não representa símbolos abstratos, como luta, liberdade, verdade, etc.
Para finalizar, seus criadores lançaram a frase "Ordem e Progresso" que vem de um lema da doutrina, e a escreveram numa faixa no centro do círculo azul da bandeira. O tempo passou, e muito pouca coisa das ideias de Comte saiu do papel na nova República Federativa do Brasil. Para falar a verdade, os fundadores da república assimilaram a palavra "ordem" muito bem, mas confundiram seu significado com "autoritarismo".
A própria ideia de democracia positivista demorou muito a ser implementada, pois os militares se alternavam no poder sem voto popular e quando os civis entraram no jogo, eram os ricos, fazendeiros ou industriais, por meio de acordos e conchavos. A ordem estava adulterada e o progresso a serviço de poucos.
O que deu errado, afinal? Não sei se isso acontece com outros cidadãos do mundo, mas o brasileiro achou um modo peculiar para lidar com a desilusão com o país : reclamar com a bandeira. " Onde está a ordem e progresso?", " Isto é desordem e retrocesso". Ele publica montagens de imagens da bandeira em meio a lágrimas nas suas redes sociais e etc.
Às vezes ele se fantasia com a própria, empunhando-a como uma flâmula de guerra e sai às ruas pedindo socorro aos militares, que subverteram a própria ideia de Ordem e Progresso. A resposta está mesmo na própria bandeira. Eu havia dito que seus criadores "lançaram" a frase de um dos lemas do positivismo. Não se sabe por qual razão, talvez para economizar espaço na faixa, eles deram um jeitinho, por que a frase original criada por Augusto Comte era : AMOR, ordem e progresso.
"L'amour pour principe et l'ordre pour base; le progrès pour but ". "O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim". O amor deve sempre ser o princípio de todas as ações individuais e coletivas. A Ordem consiste na conservação e manutenção de tudo o que é bom, belo e positivo. O progresso é a consequência do desenvolvimento e aperfeiçoamento da Ordem.
Assim sendo, do desenvolvimento da Ordem resulta o Progresso individual, moral e social. Conservar e aperfeiçoar aquilo que existe de bom (Ordem) por meio da correção e eliminação daquilo que é ruim (Progresso). Foi o que disse Augusto Comte. Então, um sujeito quis dar um jeitinho e escrever menos na faixa, e afetou toda a estrutura das coisas.
Talvez ele tenha recebido ordens de não colocar a palavra lá, ainda assim, um jeitinho brasileiro. Um jeitinho que afetou a semântica, a semiótica de tudo. Não temos como saber, mas talvez a simples existência da palavra amor traria menos peso àquele significado.
Uma vírgula, uma exclamação, quiçá uma palavra pode mudar tudo. Como seria se tivéssemos crescido com esse conceito nas mentes? Como seria hoje? Nestes tempos que não são apenas de indignação, mas de falta de empatia, de ódio?
A felicidade escapou de nossos dedos por causa de uma simples palavra? De seu conceito? Jamais saberemos. Afinal, sociologia e filosofia foram excluídos do currículo formal do ensino público. Mas recorro nestas horas a outro filósofo, o filósofo do samba, Noel Rosa em sua música chamada... Positivismo:
"O amor vem por princípio, a ordem por base
O progresso é que deve vir por fim
Desprezaste esta lei de Augusto Comte
E foste ser feliz longe de mim."
Este artigo foi escrito por Marcelo Pereira e publicado originalmente em Prensa.li.