A hora de parar...
Tenho pensado muito sobre parar, simplesmente silenciar.
Desde o falecimento de minha mãe, Penha Aparecida Cardoso da Silva (mamãe não é um número!), vítima da covid-19, em 28 de dezembro de 2020, muita coisa mudou por aqui. Assumi novas responsabilidades, que se somaram às que eu já tinha.
Precisei, com isso, assumir um novo lugar diante de minha família nuclear. Mamãe se foi, mas papai ficou, ainda bem!!! Naquela ocasião, ele também se infectou e se internou, dois dias depois dela. Papai não acompanhou o rito funerário de mamãe e só soube de sua morte um dia depois de seu sepultamento.
Quando ele teve alta hospitalar, voltou pra casa muito debilitado e, desde então, assumi os cuidados por ele, pela casa que eles habitaram desde os meus 11 anos, pelo terreiro de umbanda que mamãe liderava... Enfim. Foi preciso. Imagino que era o que ela faria, em meu lugar. Imagino também que era o que ela gostaria que eu fizesse por papai e pelas coisinhas todas dela...
Um dia posso falar mais sobre esses detalhes, porque agora, enquanto escrevo, tudo ainda dói... e dói bastante!
Desde o dia que papai voltou pra casa, sinto que não parei pra chorar pela partida de mamãe... chorar mesmo, de me desmanchar, de passar dias largada, sem querer comer ou tomar banho. Chorei picado.
Chorei um pouco e cuidei de papai. Chorei um pouco e fui me entender com o orçamento doméstico da casa deles. Chorei um pouco e voltei ao trabalho. Chorei mais um pouco e fui cuidando dos trâmites do inventário. Chorei mais um pouco quando acomodei minhas coisas na casa deles, após ter entregado meu apartamento pro meu afilhado morar com sua família. Chorei em vários momentos, mas com várias interrupções que as contingências da vida me impuseram.
Talvez eu esteja idealizando esse choro contínuo, essa descarga que não precisa atender ao relógio e nem à campainha tocando... talvez eu esteja esperando que esse choro sem fim dê fim a dor que sinto, essa dor tão inebriante em alguns momentos, tão visceral, que me retira da vida que seguiu acontecendo, mesmo com a ausência de mamãe.
Tem sido muito louco observar o mundo sem ela. Nada se compara ao que imaginava, quando imaginava viver, um dia, sua morte. Fato é que não me alicercei pra ser órfã, ainda que achasse que tinha repertório suficiente pra isso.
Não, pensando bem, e depois desses vários meses sem a sua presença material, posso afirmar com muita convicção: ninguém está preparade para se despedir de uma mãe. Seja aos 5, 16, 29, 41 (como eu), 55, 68, 73, 87 ou 91 anos...
Dito isso, neste texto inaugural, que não poderia deixar de ser sobre mamãe e a dor que sua ausência material me causa, tenho considerado a possibilidade de me retirar do convívio com as pessoas, ainda que por um curtíssimo período, pra me silenciar. Meu corpo pede por isso.
Agora, com as coisas mais organizadas e ajeitadas, com papai totalmente recuperado e vivendo melhor, dentro do que lhe é possível no cenário da viuvez (vale um detalhe: nesse intervalo, mudamos de casa... saímos da casa de papai e mamãe e viemos pra mais perto do mar, em uma tentativa de refrigerar nosso luto, ao menos um pouco), tenho me conectado mais com as minhas necessidades... o tocante da minha vida profissional requer empregar e despender uma energia de cuidar do outro... nessa reconfiguração familiar, passei também a cuidar de mais coisas... e tenho me perguntado: quem cuida de mim?
Mamãe exercia esse papel em minha vida com muita maestria. Mas, com sua passagem, perdi o lugar de ser cuidada, do jeito mais genuíno e potente que pode existir. Sinto saudade dela, mas sobretudo do seu colo, do seu amor e zelo, do cheiro do seu cabelo, do som do seu sorriso, do meu nome sendo chamado pela sua voz.
Sinto mamãe por perto e acredito na sua presença espiritual o tempo todo comigo, com o meu papai, com a minha irmã. Mas isso não me impede de desejar insanamente por mais 05 minutos ao seu lado, só pra mais um abraço e ouvir de novo: "eu te amo muito, filha" que foi o que ela me disse antes de sair pra ir ao hospital se internar e nunca mais voltar.
Eu espero viver esse retiro, essa pausa. Espero me silenciar por alguns dias, ainda que poucos. Espero, mais que tudo, que neste silêncio eu possa, enfim, me desmanchar... mas também me reencontrar e, quem sabe, ter algumas respostas sobre as tantas dúvidas que esse mar de tristeza trouxe pra minha vida...
É, está na hora de parar!
Este artigo foi escrito por Daniela Cardoso e publicado originalmente em Prensa.li.