A invasão russa e o General Inverno
Desde a madrugada do dia 24/02 no Brasil, ou manhã de 24/02 na Ucrânia, o mundo não respira sem antes acompanhar os desdobramentos do conflito no Leste Europeu.
Após o governo de Vladimir Putin reconhecer unilateralmente a região de Donbas como autônoma, as tropas russas iniciaram a incursão sobre território ucraniano, com a justificativa de promover a segurança e a independência da população majoritariamente russa que vive nessas regiões.
A partir dos primeiros bombardeios às cidades do leste ucraniano, as tensões aumentaram entre os países membros da OTAN e aqueles que desejam fazer parte, a fim de garantir a proteção conferida pelo artigo 5º do Tratado da organização.
Criada em Abril de 1949, ao fim da Segunda Guerra Mundial, a OTAN tem como objetivo original o estabelecimento de uma forte aliança entre os países do norte do Atlântico contra outra possível insurgência de um governo autoritário que impusesse medo nos demais países europeus.
O avanço do exército Russo
Após o início da chamada “Operação Especial” o exército russo avançou rapidamente, dominando regiões estratégicas da Ucrânia, utilizando-se de tropas já baseadas na região de Crimeia – anexada em 2014 após uma série de conflitos e de um referendo manipulado pelo governo russo. O exército russo dominou a região do Mar de Azov e avançou com rapidez para o leste, nas cidades também separatistas de Donetsk e Luhansk.
O que se viu com espanto foi o avanço e os ataques à capital, Kiev, localizada no centro-norte do país, cortada pelo principal rio da Ucrânia, o Dnipro. Pensava-se que a incursão seria rápida e violenta, fazendo jus à competência e fama do exército russo, uma das maiores forças militares mundiais. Porém, após dois dias de intenso avanço, houve uma desaceleração no progresso, apontada por muitos como obra da resistência do exército ucraniano, que teria sido subestimada pelo chefe de estado russo.
Após a tomada de locais estratégicos pela Rússia, acreditava-se que a queda de Kiev seria breve.
Não demoraram a serem dominadas pelos invasores locais como a base aérea de Hostomel na região metropolitana de Kiev, que possibilitaria ao exército russo enviar tropas e suprimentos por via aérea para a fronte de Kiev. Ou a cidade de Kharkovka, dominando o abastecimento de água para a Crimeia e servindo de posto avançado na foz do rio Dnipro.
Aliado ao fato de uma crise migratória de refugiados, em que não haveria resistência ucraniana a tomada das cidades, entretanto, um velho conhecido dos eslavos entrou em combate: a Rasputitsa, ou General Inverno.
O General Inverno
Quando estudamos a história da Europa, especialmente o período napoleônico e consequentemente a tentativa e falha na invasão das tropas do célebre estadista à Rússia, nos recordamos do importante papel do rigoroso inverno nesta região à dificuldade de avanço de Napoleão no território Cossaco.
O confronto militar foi o principal causador das terríveis baixas. Mas a propaganda francesa, aceita pelos ingleses – de quem os russos também eram inimigos – foi certeira ao criar o terrível general, atribuindo ao frio e as condições que os destacamentos franceses encontraram à acachapante derrota de Napoleão.
Como um retorno aos estudos, as tropas nazistas lideradas por Adolf Hitler enfrentaram a mesma situação quando avançaram ferozmente pelo território europeu, expandindo para leste e obliterando cidades e regiões inteiras da Tchecoslováquia, Bélgica, Holanda e França. Porém, após quebrar o pacto de Molotov-Ribbentrop em junho de 1941, as tropas nazistas avançaram sobre território polonês até a União Soviética e se depararam com seu principal inimigo, a Rasputitsa.
Originalmente, é o termo russo que denomina os períodos de primavera e outono na região, em que, devido ao descongelamento na primavera e às chuvas do outono, torna o terreno extremamente lamacento e de difícil locomoção. Isso dificultou terrivelmente o avanço e o elemento surpresa praticado na blitzkrieg do 3º Reich alemão.
Rasputitsa 2022
A data em fevereiro era chave para o sucesso da tomada do território ucraniano pelas forças russas, pois conhecendo um de seus principais generais, Vladimir Putin sabia que a partir de março ele estaria preso em um pesadelo logístico.
Encontraria seus equipamentos pesados restritos às estradas pavimentadas, sem poder avançar sobre território amplo, com diversas unidades presas à lama. Mas com o aumento das temperaturas em todo o mundo, o que vêm ocorrendo na região é uma antecipação da Rasputitsa, o que não ocorreria caso o conflito ocorresse há 30 anos, onde boa parte do território estaria coberto de gelo.
Há quem diga que, em sua megalomania, Vladimir Putin subestimou a resistência ucraniana e a ajuda que sua nação fraterna vem recebendo da União Europeia e de outras potências, com pesadas sanções econômicas e envio de armamentos, frustrando seu desejo de uma Nova Ordem Mundial. Mas pode ser que um antigo aliado tenha se virado contra o poderoso exército russo, um antigo, porém extremamente condecorado general.
Este artigo foi escrito por Fernando Ávila e publicado originalmente em Prensa.li.