A Justiça na Era Digital - e os metadados?
Um dos princípios mais relevantes da Justiça do Trabalho é o da primazia da realidade, que enfatiza os fatos em detrimento dos contratos e documentos, que podem ser forjados para indicar como verdadeiro algo que nunca aconteceu. Todavia, já afirmava Dostoiévski, em sua célebre obra "Crime e Castigo", que "os fatos em si não são tudo: pelo menos, metade do sucesso depende de saber lidar com esses fatos!".
Nesse contexto, a justiça mais célere do Brasil, na sua busca incansável pela verdade dos fatos nos conflitos entre empregados e empregadores, vem propagando e incentivando a produção cada vez maior de provas digitais. Isso porque elas podem ser mais confiáveis do que documentos e até mesmo depoimentos pessoais, uma vez que a memória de um celular, por exemplo, é bem mais segura do que a memória humana (as pessoas esquecem, não é mesmo?).
Assim é que, desde 2020 o Superior Tribunal do Trabalho - TST, juntamente com o Conselho Superior da Justiça do Trabalho - CSJT, promove ações voltadas à capacitação dos magistrados na hora de colher e analisar provas digitais, para que as decisões tomadas sejam mais justas e efetivas. Porém, será que tudo o que está na rede mundial de computadores pode ser utilizado como prova digital?
Bem, em síntese, as provas digitais são informações tecnológicas geradas a partir das interações humanas com a internet, as redes sociais e demais aparelhos tecnológicos. Quando falamos nessas provas, nos referimos à geolocalização das pessoas, à biometria registrada pelos smartphones, às mensagens enviadas pelas redes sociais... e por aí vai.
Ocorre que, para que uma prova digital seja aceita, ela deve ser integrada ao processo de maneira a preservar a sua confiabilidade. Em outras palavras, não basta juntar um print de mensagens trocadas entre as partes ou fotos em PDF, é necessário que o juiz possa verificar se tais mensagens e tais fotos correspondem realmente ao fato que pretendem elucidar. Logo, o debate passa a ser sobre o nível de confiança da prova digital e como ele pode ser aferido.
A importância de saber manusear as provas digitais pode ser visto em um julgado recente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo), de 12 de maio desse mesmo ano (2022). Trata-se do ATOrd 1000732-62.2021.5.02.0384, no qual a empregada juntou fotos de seu local de trabalho para comprovar que laborava em situação degradante e por isso teria direito a danos morais.
Todavia, como as fotos foram juntadas de maneira inapropriada, a magistrada entendeu por bem não as levar em conta. No caso, as fotografias do local foram enviadas em formato PDF para a vara, através do e-mail institucional. Assim, não foi possível analisar os metadados das fotografias, que incluíam a data e o local no qual a foto fora retirada, e por isso a prova digital não se mostrou confiável e a empregada não recebeu danos morais. Embora tenha recorrido, o pleito não recebeu guarida na segunda instância, e a sentença foi mantida pelo Tribunal.
Portanto, é nítido que o judiciário brasileiro avança junto com a tecnologia, mas cabe ao operador do direito efetivar a justiça dentro da era digital, se atentando à forma como utiliza as ferramentas tecnológicas a favor do seu cliente. Por fim, é possível dizer que, se Dostoiévski tivesse escrito "Crime e Castigo" em 2022, certamente ele diria que "as informações tecnológicas, em si, não são tudo: pelo menos, metade do sucesso depende de saber lidar com essas informações!", e nisso consiste o desafio para a nossa geração de juristas.
Este artigo foi escrito por Karla Mendes e publicado originalmente em Prensa.li.