A legalização da maconha no Brasil: uma discussão para além do senso comum
Nos últimos anos, muitos países passaram a discutir os processos de despenalização, descriminalização e a legalização de diversas substâncias psicoativas, com destaque para a cannabis e seus derivados. Mas, o nosso país continua preso no preconceito e no conjunto de ações baseadas no proibicionismo que reforça a criminalização grupos sociais e no encarceramento em massa.
Qualquer discussão que seja realizada sobre a legalização das drogas é necessária começar com a diferenciação entre legalização e todos os processos legais envolvidos e a liberalização, além de usar os diferentes meios de informações para a divulgação científica que apoia o processo de legalização das diferentes drogas.
A liberalização das drogas significa a liberação do seu uso a partir da ausência de uma regulação estatal sobre qualquer característica econômica e social da utilização, como a quantidade, o local permitido e qual a idade permitida para o seu uso. Não é possível nenhum país executar uma política de liberalização de substâncias psicoativas.
É urgente e necessário a discussão sobre a legalização da maconha e seus derivados, e não podemos apoiar nunca a sua liberalização, a partir de uma discussão baseada no cientificismo e discussões políticas baseadas na racionalidade e não no pânico moral, característica marcante de um proibicionismo irracional.
O grande exemplo de política de legalização das drogas e seus produtos derivados ocorreu no Canadá, que é considerado um processo de legalização baseado no monopólio estatal do comércio dos diferentes produtos gerados, mas também grande volume de recurso gerado para o Estado investir na prevenção do consumo, mas também garantir os investimentos no sistema de saúde público que garanta o tratamento de pessoas que abusam do consumo de substâncias psicoativas.
O professor e pesquisador Henrique Carneiro (2018¹, página 241), ao destacar as questões mais importantes sobre a política de legalização da maconha no Canadá afirma
As questões mais importantes em relação a legalização da maconha são: quem deve produzir, vender e consumir, quanto deve custar, quanto de imposto deve ser cobrado, quais os locais autorizados para vender e para usar, em quais horários, com que tipo de propaganda, quais as regras para o uso no espaço público ao ar livre, além dos outros locais.
No caso brasileiro, os pontos de partida para uma discussão ampla e irrestrita pode ser a observação de inúmeros países que nas últimas décadas permitiram a utilização de maconha e seus derivados a partir dos usos medicinais e recreativos, mas também podemos usar como exemplo as políticas públicas já realizadas no país em relação ao alcoolismo e o tabagismo. No segundo caso, o país é considerado uma referência nas ações de prevenção e tratamentos oferecidos aos adictos e pessoas que sofrem com problemas de saúde com o uso excessivo das diferentes substâncias presentes no produto.
O Brasil precisa começar a discutir a legalização da maconha, pois a sua proibição não provocou a redução do uso recreativo, proibiu a realização de pesquisas científicas sobre o uso medicinal e recreativo dos derivados, além de provocar uma guerra às drogas com elevado índice de letalidade. Será necessário colocar as ações políticas sobre a legalização das drogas em primeiro plano em todo o debate político e nas rodas de conversas.
As políticas proibicionistas não possuem amparo em pesquisas científicas e foram baseadas na instauração do pânico moral, por meio da desinformação e do medo generalizado dos efeitos negativos das substâncias psicoativas, com informações distorcidas usando a mídia tradicional e nas redes sociais hoje.
O primeiro passo a ser realizado no país é a descriminalização, pois o Brasil o que houve foi a despenalização das substâncias psicoativas a partir de 2006², mas também os avanços na regulação voltados para os produtos terapêuticos, que usam derivados de cannabis como princípio ativo, porém essas ações citadas ainda são muito tímidas diante dos grandes desafios impostos pelo processo de legalização das drogas.
É importante destacar, que uma consultoria realizada pela Câmara dos Deputados³, no ano de 2016 estimava que a legalização da maconha poderia proporcionar uma arrecadação entre R$ 5 bilhões e R$ 6 bilhões anualmente aos cofres públicos ao seguir o mesmo modelo de tributação do tabaco e do álcool.
Os maiores exemplos internacionais, como Canadá, Portugal e alguns estados dos Estados Unidos mostram que a legalização proporciona maior conjunto de informações sobre o risco do uso da substância, um produto de melhor qualidade e com menor utilização de técnicas de adulteração dos produtos que colocam em riscos os usuários, mas também menor uso de violência, menor custo com prisões e abertura de uma grande fonte de taxação.
É necessário garantir, que o volume arrecadado com os impostos será voltado para as políticas de educação e prevenção da população, controle da qualidade dos produtos por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), mas também investimentos realizados no sistema público de saúde para garantir um tratamento digno as pessoas que exageram no consumo de substâncias psicoativas.
Portanto, as ações baseadas no proibicionismo fracassaram ao gerar uma guerra às drogas que provocou muita violência e não reduziu o número de usuários. Precisamos ter a maturidade de discutir a legalização das drogas a partir de um amplo material científico já produzido e analisado sobre os efeitos, mas também investir em educação e prevenção para termos um processo de legalização seguro e com grandes efeitos sociais e econômicos para a nossa sociedade.
¹ - Carneiro, Henrique . Drogas: a história do proibicionismo / Henrique Carneiro. - São Paulo (SP): Autonomia Literária, 2018
² - Usar drogas é crime no Brasil? (jusbrasil.com.br). Acesso em 08 de set. de 2022.
³ - Legalizar maconha poderia render até R$ 6 bi em impostos | Exame. Acesso em 08 de set de 2022.
Este artigo foi escrito por Magno FERREIRA e publicado originalmente em Prensa.li.