A lógica artística é histérica. A acadêmica, obsessiva
Imagem: jacoblund / Envato Elements
Não pretendo dizer que todo artista seja neurótico histérico e todo acadêmico, obsessivo. Digo simplesmente que a lógica da arte é histérica porque não se prende à necessidade de se expressar com extrema precisão. O artista não se compromete excessivamente com aquilo que fala. Ele simplesmente fala, simplesmente se expressa, tocando o campo do real de quem aprecia a sua arte.
Existe qualquer coisa na arte que escapa à simbolização. O artista fala com o corpo, mesmo que seja um escritor. Pois mesmo na mais “obsessiva” das artes, a literatura, existe algo que fica entre as palavras, algo que vai além do simbolizável. Algo que toca o campo real, mesmo não passando pelos sentidos como a música, as artes plásticas, a dança, o teatro e o cinema.
O acadêmico, por sua vez, principalmente o professor é aquele que como o obsessivo (mesmo que não seja) necessita se comprometer com cada uma das suas palavras, buscando sempre uma suposta verdade, que não passa de uma arbitrariedade, tomando como base o fato de que símbolos são sempre arbitrários.
Existe um abismo entre a palavra e o objeto, um divórcio inconciliável, causador da angústia humana. O grande drama do professor é saber que por mais inspirador que ele seja, por mais que ele transmita o conhecimento de forma contundente e estimule a construção deste, a sua necessidade de ser preciso impede uma inspiração mais profunda, devastadora, que se aproxima do sinthoma.
O acadêmico precisa exercitar a capacidade de relativizar, de ponderar. Só o artista pode se exceder, extrapolar, escapar à cena, enfim, ser obsceno.
O artista já sabe que nenhuma verdade existe e se contenta em expressar a sua, fazendo da sua arte uma espécie de índice, algo que apresenta uma relação de contiguidade com o próprio criador. Ou até mesmo uma metáfora. Muitas vezes, o artista se confunde com sua própria arte e ambos estabelecem uma relação icônica ou metafórica. Quantas obras não são a metáfora do próprio artista com suas contradições, com suas ilusões, com sua passionalidade, mesmo que disfarçada?
Se o professor tem como função social sistematizar o pensamento, orientando os alunos em algum sentido, o artista faz o oposto. Ele, por meio de seu próprio caos, desorienta no sentido da verdade singular de cada um.
Este artigo foi escrito por Silvia Marques e publicado originalmente em Prensa.li.