A Moeda do Suor
A tradição judaico-cristã lê no livro de Gênesis o seguinte: "Do suor do teu rosto comerás o teu pão". Longe de questões religiosas e comentários teológicos, vale dizer que virou expressão comum associar o trabalho ao suor, e consequentemente o usufruto de quaisquer bens advindos do trabalho desempenhado.
O suor, então, era símbolo de trabalho, de terra arada, de fruto colhido, de grão debulhado e moído etc. O escambo, praticado por muito tempo, colocou comunidades produtoras de frente a outras para trocar produtos da terra.
Cada um dava do que tinha em abundância, do que lhe era especialidade, até que surgissem inúmeros problemas relacionados ao valor estipulado pelos donos do produto, pelos prováveis adquirentes etc. Sem contar que, em algum momento, dois players do mercado podiam chegar às praças de negociação com o mesmo produto em mãos.
Vasconcelos (2015) diz que o escambo exigia a dupla coincidência de desejos e uma indivisibilidade, isto é, o fabricante de imóveis poderia dar uma perna de mesa em troca de um cafezinho?
Então surge a moeda. A moeda serve para ser um meio de troca. Os valores dos bens não são mais comparados entre si, mas todos são comparados com a moeda local e legal. A moeda resolve os problemas da dupla coincidência, da indivisibilidade e da limitação de negócios, porque a moeda deu origem a outros instrumentos de pagamento, como as notas de crédito, o cartão de crédito entre outros.
Elegeu-se o ouro como lastro para a moeda antigamente. O dólar foi assim até a década de 1970. Isso significa dizer que a moeda era impressa somente correspondendo à quantidade de ouro que o Banco Central tivesse. Hoje utilizamos a moeda fiduciária (fidúcia = confiança). Na prática, a moeda é assumida somente pela segurança que pode oferecer o Estado, ente que também pode escolher quando vai ligar as impressoras da casa da moeda...
Mas hoje existe um movimento em direção às finanças descentralizadas, moedas que não pertencem a bancos centrais, mas aos próprios usuários, cujo lastro ou base está somente nos movimentos de oferta e demanda. Moraes (2021) explica que por ser uma moeda descentralizada, os seus usuários não precisam de bancos ou esperar por legislações para acessar a moeda, que é virtual, basta comprá-la por uma rede.
Quando surgiram as criptomoedas ou moedas virtuais, boa parte do questionamento vinha do fato de não terem lastro em nenhum governo. Os que se manifestaram a favor afirmavam que isso era positivo, pois excesso de moeda é inflação. Bom, enquanto ainda se dividem opositores, muitos se tornaram milionários com Bitcoin ou outras criptos.
Times de futebol criaram suas moedas que se valorizaram pela procura por parte dos torcedores, jogos virtuais levaram jovens a um faturamento astronômico vendendo peças virtuais para personagens de games e tudo isso por causa das finanças descentralizadas.
Elon Musk, por exemplo, tuitou: "Don't defy DeFi!", um bom trocadilho para dizer que não se deve tentar impedir a ascensão de moedas descentralizadas.
E por falar nessa discussão a respeito de lastro, deparei-me, dias atrás, com a Swatcoin, a moeda do suor, que intitula este artigo. O aplicativo paga pelo suor do seu rosto, pelo exercício que se faz. E o lastro é a quantidade de mil passos. Cada mil passos novos, um Sweatcoin você ganha. Esse dinheiro pode ser doado para causas do terceiro setor, pode ser usado para compras online e tem até um espaço para leilão no app Sweatcoin, como o de um notebook por 30 mil Sweatcoins.
Como bom atleta de rua, que corro diariamente cinco ou seis quilômetros e achava, eventualmente R$0,50 nas avenidas; volto para casa com 5 sweats, termino o dia com 15 sweats. Dominicalmente, a empresa envia um e-mail com o desempenho semanal. Nos três e-mails que recebi, li que estou no top 10% dos usuários, posso ser um dos homens mais ricos do mundo, sonho realizado não em Real, não em Dólar, mas assim como Adão, no Gênesis, somente com o suor do meu rosto.
MORAES, Alexandre Fernandes D. Bitcoin e Blockchain: a revolução das moedas digitais. São Paulo: Editora Saraiva, 2021.
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval D. ECONOMIA: Micro e Macro. São Paulo: Grupo GEN, 2015.
Este artigo foi escrito por Wesley Ribeiro Dias e publicado originalmente em Prensa.li.