A Montanha dos Sete Abutres: uma crítica à imprensa e à sociedade americana
Imagem: Cena do filme "A Montanha dos Sete Abutres"
Em “A montanha dos sete abutres” (Ace in the hole, 1951), de Billy Wilder, Charles Tatum (Kirk Douglas) é um jornalista sem escrúpulos, que se depara com a história de Leo Minosa (Richard Benedict), um camponês preso em uma caverna de uma pequena cidade do Novo México, mas não se contenta em apenas retratá-la fielmente – ele vê em suas mãos a oportunidade de transformá-la em algo extraordinário.
O que Tatum pretende fazer não é buscar um ângulo diferente, ou inventar um novo estilo de escrita. Contrariando a frase “conte a verdade”, bordada num quadro na redação do jornal de Albuquerque, ele decide mudar o rumo dos acontecimentos. Como um romancista que, farto de finais felizes, decide matar o mocinho e dar glória ao bandido, Tatum oferece ajuda para retirar Leo dos escombros, mas sua intenção é de adiar ao máximo o resgate.
Com esta obra, Billy Wilder construiu uma história diferente da do livro em que se baseou. Trapped!, de Robert K. Murray e Roger W. Brucker é um conto real, que se passa em 1925 e mostra a história de Floyd Collins, um camponês que entra numa gruta e acaba vítima de um desmoronamento, passando dias preso no local. Um jovem jornalista, Skeets Miller, do Courier Journal, faz com que o fato repercuta em todo o país.
Com esta matéria, Miller consegue um prêmio Pulitzer. Em “A montanha dos sete abutres”, a trama acontece na década de 1950, não há prêmio Pulitzer e nem mesmo um jovem jornalista à frente dos acontecimentos.
A proposta do diretor de “Crepúsculo dos Deuses” é uma reflexão sobre a realidade do jornalismo, das atitudes inconseqüentes de repórteres que esquecem o verdadeiro valor do ofício. Em “A montanha dos sete abutres”, a questão da ética profissional é evidente, e nos mostra a importância da informação responsável, uma vez que tudo se trata de pessoas.
É necessário destacar, já que presenciamos a recente queda do diploma de jornalista, o valor dos conhecimentos ensinados na universidade. “Tudo que se deve aprender é que más notícias vendem melhor”, diz o protagonista, satirizando o jovem assistente por ter passado pelo curso de jornalismo.
Muito se pensa que na boa pauta, ou na boa notícia, deve conter catástrofe, escândalo ou desgraça. Esta ignorância em relação à área jornalística, comum entre os mais desinformados, é principal característica de Charles Tatum, personagem brilhantemente construído por Wilder e Douglas.
Após a repercussão do caso em todo o país, milhares de pessoas, incluindo jornalistas da grande imprensa e famílias de todos os lugares, começam a aparecer nos arredores da montanha que, segundo a lenda indígena, seria reduto de descanso de índios mortos. Rapidamente, uma multidão se forma e familiares de Leo Minosa passam a lucrar com a curiosidade dos visitantes.
O capitalismo em sua essência estava presente naquele local – enquanto o pobre camponês morria lentamente entre pedras e terra, um grande circo se formava na montanha dos sete abutres e até o xerife da cidade (Ray Teal) aproveitara a oportunidade para promover sua reeleição.
No simples negócio da família Minosa, que abrigava uma mercearia, um posto de gasolina, um restaurante e uma pensão, a senhora Minosa (Jan Sterling), uma mulher loura, ambiciosa e visivelmente indiferente à tragédia do marido, enchia a caixa registradora de dólares e mantinha sua mala sempre pronta para partir e abandonar a pequena cidade rumo a Nova Iorque.
A ética é o tema central desta obra. O fim não poderia ser mais óbvio: o jornalista acabou soterrado em suas próprias trapaças e com sua consciência suja de terra. Além disso, há uma crítica fortíssima à sociedade americana – o filme mostra um povo atraído pelo sensacionalismo e uma imprensa sádica, que mesmo não interferindo diretamente ou manipulando a informação como o personagem principal, importa-se apenas em emplacar a notícia rapidamente em seus veículos.
Ao longo de sua carreira, Billy Wilder fez 27 filmes, recebeu 20 nomeações ao Oscar, cinco ao Globo de Ouro e venceu, entre tantas premiações, um Leão de Ouro honorário em homenagem à sua carreira no Festival de Veneza. No lançamento de “A montanha dos sete abutres” o diretor foi alvo de críticas ferrenhas - imprensa e público sentiram-se ofendidos, mas isso não abalou seu sucesso. Por esta obra, Wilder foi nomeado ao Oscar de melhor argumento e ganhou o prêmio de melhor filme estrangeiro no Festival de Veneza.
Este artigo foi escrito por Sarah Souza e publicado originalmente em Prensa.li.