A Mulher da Casa Abandonada merece Direito ao Esquecimento?
Um modo de se portar durante à noite, outro durante o dia - Hugo São Vitor
Hugo de São Vítor já falava nessa frase sobre os modos que devemos nos portar diante da diferença dos lugares, e do tempo. E é sobre isso o Direito ao Esquecimento.
O Podcast “ A Mulher da Casa Abandonada” é um hit e está sendo um True Crime “de primeira” para quem gosta desse estilo.
A história se passa num bairro nobre de São Paulo-BR, com a personagem central uma mulher, que mora em uma “casa abandonada”. Só que a casa é na verdade um casarão, que vale milhões de reais, e está em estado deplorável. Chegando a não ter saneamento básico e a moradora ter que jogar seus excrementos pela janela da moradia.
Sei que para muitos ouvintes a possibilidade da personagem central merecer o Direito ao Esquecimento beira a loucura, contudo, terei que explicar alguns pontos jurídicos antes para demonstrar isso.
Segundo a análise do Professor de Direito Penal Alexandre Zamboni (clique aqui para ler), a personagem não poderia ser mais penalizada, ainda que tenha cometido um crime hediondo e tão perverso quanto reduzir alguém a condição análoga à escravidão (art 149 do Código Penal). E por que motivo ela não pode ser mais penalizada?
a) o Crime já prescreveu no Brasil (o que é isso? quando se passa muito tempo desde o ocorrido, o código brasileiro permite a “extinção” da pena, ou seja, não poderá ser mais punida por ter cometido aquela infração). A prescrição para esse delito é de 12 anos, e bem, como foi em 1988, já passou bem mais de 12 anos.
b) Se o crime não prescreveu nos EUA (o que é bem improvável), ela ainda NÃO PODERIA SER PENALIZADA, pois, brasileiro nato NÃO PODE SER EXTRADITADO (o que é isso? não pode ser “deportado” do Brasil para outro país. )
c) Se os EUA pedissem ao Brasil que executasse a pena imposta em solo tupiniquim, também não é mais possível dado a prescrição que eu falei na letra “a”.
Ou seja, a conclusão a que o professor acima citado chegou: é quase impossível a mesma pagar pelo seu crime.
Agora que já entendemos isso, o que isso tem ligação com Direito ao Esquecimento?
Consiste no direito de "ser deixado em paz", de impedir a divulgação de informações não contemporâneas e que possam causar a pessoa envolvida diversos transtornos e constrangimentos.
Nos EUA, é conhecido como the right to be let alone e, em países de língua espanhola, é alcunhado de derecho al olvido.
E aqui no Brasil, isso ocorre? Bem, o STJ (Supremo Tribunal de Justiça), afirmou que o Direito ao esquecimento era COMPATÍVEL com a Constituição Federal. Só que isso foi REFUTADO pelo STF, em 2021. E por isso, Nancy Andrighi afastou em acordão a exigência de retirar de circulação notícias referentes a um ocorrido.
Mas, não estamos falando aqui de um crime que ocorreu no Brasil. O delito ocorreu nos EUA, então, não caberia somente o entendimento tupiniquim aqui. Na União Europeia, o direito ao esquecimento é reconhecido e deve ser seguido à risca, e nos EUA? Bem, Isso teria surgido ainda em 1931 no Caso Mervin x Reid (sim, há quase 100 anos).
Ainda que o podcast não tenha chegado ao fim, (enquanto escrevo esse texto está no episódio “Uma Mulher e um Homem Livres”) sabemos que a repercussão que ele causou é tanta que muitas pessoas estão refazendo suas rotas em São Paulo, objetivando “visitar” esse local. Com certeza, se a moradora ainda residir lá isso poderá causar diversos transtornos, constrangimentos, e até possíveis crimes. Nunca sabemos quando alguém poderá “atirar” um ovo na dona margarina, invadir a propriedade alheia ou vandalizar o imóvel….
Leia a segunda parte da história aqui!
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Este artigo foi escrito por Maria Renata Gois e publicado originalmente em Prensa.li.