A Pobreza Menstrual e a Taxa Rosa
Em outubro, o presidente Jair Bolsonaro tomou uma decisão polêmica. Vetou projeto de lei que previa distribuição gratuita de absorventes para pessoas em condição vulnerável. A medida permitiria o acesso ao material em todo o Brasil para estudantes de baixa renda de escolas públicas, pessoas em situação de rua, presidiárias e internas cumprindo medidas socioeducativas. Ele também vetou trecho do projeto que garantiam absorventes nas cestas básicas distribuídas pelo Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
A alegação do presidente é de que o projeto não indicava a fonte do custeio. A deputada Marília Arraes (PT - PE), autora da lei, desmentiu Bolsonaro. Em entrevista à rádio CBN de Caruaru, ela disse:
“A justificativa de Bolsonaro não tem nenhuma razão, é mais uma fake news quando ele diz que a gente não destinou de onde viriam os recursos e foi dito sim, foi acordado, inclusive com a própria liderança de governo de onde viriam os recursos, que seria o SUS, o impacto orçamentário financeiro foi todo calculado em conjunto com a assessoria de técnica da Câmara, com representantes do governo. Mas acredito que o Congresso vai derrubar o veto para a gente conseguir ter esse programa de espaço de uma política de dignidade menstrual. É importante dizer que é o primeiro passo, o que a gente quer é que logo absorventes sejam distribuídos nos postos de saúde, assim como fazem com os preservativos”
De fato, essa semana o Congresso tem se mobilizado nessa direção. O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB - TO), revelou a jornalista Andréia Sadi da Globo que o assunto voltará a pauta e que o veto ao projeto de Marília pode ser derrubado. Gomes, no entanto, negou algo em que outros membros do Legislativo acreditam. Que Bolsonaro proibiu a distribuição de absorventes a pessoas vulneráveis por uma questão ideológica. Na quinta-feira, o presidente voltou a falar do assunto, ironizando a situação e insistindo na mentira de que o projeto não prevê a fonte do custeio:
“Não sabia, a mulher começou a menstruar no meu governo. No governo do PT não menstruava, no do PSDB não menstruava também. O cara apresenta um projeto, mas não apresenta a fonte de recurso. Se eu sanciono, se não tiver de onde vem o recurso, é crime de responsabilidade. Se o PT voltar, as mulheres vão deixar de menstruar e está tudo resolvido”
Toda essa polêmica trouxe à tona o debate sobre a pobreza menstrual. Este é o nome dado a falta de acesso de meninas, mulheres e homens trans a produtos básicos para manter a higiene no período da menstruação. Embora seja uma questão de saúde pública, são raras as discussões e políticas públicas voltadas ao tema na sociedade brasileira.
Antes desse imbróglio envolvendo o projeto de Marília, uma das poucas figuras públicas a se debruçar sobre o problema foi a ex-deputada Manuela D’Ávila do PCdoB. Ela organizou em Porto Alegre uma rede solidária de doação de absorventes para pessoas vulneráveis e destinou parte dos lucros da venda de seus livros para viabilizar essa iniciativa.
A deputada estadual Olívia Santana (PCdoB - BA) foi mais um raro exemplo anterior de combate a pobreza menstrual ao elaborar um projeto de lei que garante a distribuição gratuita de absorventes higiênicos nas escolas, unidades de saúde e unidades prisionais de todo o estado da Bahia. Aprovada pela Assembleia Legislativa, o projeto aguarda sanção do governador Rui Costa (PT - BA).
Toda a discussão sobre a necessidade de combater a precaridade menstrual é válida. Muitas mulheres recorrem a panos, algodão e até miolo de pão para conter seus sangramentos. O que torna a intervenção do Estado imprescindível. Porém, não podemos esquecer que a pobreza menstrual é apenas uma das consequências impostas a uma parcela da população pela chamada taxa rosa. Conhecida como pink tax nos Estados Unidos, a taxa rosa é o nome dado a um conceito que verifica que as mulheres (e em alguns casos os homens trans) são obrigadas a pagar mais caro que os homens cis pelo mesmo produto. A razão da escolha do nome é porque boa parte desses produtos inflacionados ofertados ao público feminino vem na cor rosa.
Um clássico exemplo de discrepância entre os preços está nas lâminas para cortar pêlos do corpo. Uma pesquisa da ESPM indica que os produtos rosas ou com personagens femininos são, em média, 12,3% mais caros do que os regulares. Mas, no caso das lâminas, essa diferença pode alcançar até 100%.
Um outro exemplo frugal: as calças jeans. Se uma mulher quiser comprar este produto vai pagar 23% a mais do que um homem pagaria. Existem muitos outros exemplos de taxa rosa: mochilas, capacetes, roupas de bebê, brinquedos, produtos de higiene em geral, entre muitos outros. Muito do que é destinado às mulheres sai mais caro do que aquilo oferecido aos homens. O machismo estrutural é indiscutivelmente presente nessas relações comerciais.
Os absorventes, assim como outros produtos que não encontram paralelo no público masculino, também saem caro. De acordo com a Associação Comercial de São Paulo, eles recebem uma tributação de 34,5%. Todo este cálculo se torna ainda mais preocupante quando colocado em perspectiva com os dados do IBGE sobre salários. Segundo o instituto, mulheres ganham em média 20,5% menos que os homens. Ou seja, pede-se que quem ganha menos pague mais. No entanto, a taxa rosa é um problema que afeta não apenas o Brasil, mas todo o mundo capitalista.
A solução para isso são justamente políticas públicas e ações do Estado para corrigir essa injustiça econômica que afeta diretamente a vida e a saúde de milhões de meninas, mulheres e homens trans. O senador Jorginho Mello (PL - SC) propôs a criação de uma lei que crie a Semana Nacional de Mobilização e Estímulo à adoção da Campanha contra o Imposto Rosa. Caso aprovada a lei, deverá ocorrer sempre na semana que compreender o dia 15 de abril. Tal data marca o nascimento de Eufrásia Teixeira Leite, a primeira mulher brasileira a investir na bolsa de valores no ano de 1873.
Este artigo foi escrito por Guilherme Cunha e publicado originalmente em Prensa.li.