A política de segurança pública baseada na barbárie
A política de segurança pública pode ser definida como o estado de normalidade para o cidadão cumprir e gozar dos seus direitos, ou seja, a segurança pública significa uma premissa básica do Estado Democrático de Direito. No país, a segurança pública é um direito e um dever de todos na nossa constituição de 1988, mas na prática, para reduzir as ações criminosas utilizam a barbárie, como método de ação promovida pelo Estado.
De acordo com o artigo 144 da Constituição Federal:
A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos.
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares; e
VI - polícias penais federal, estaduais e distrital.
O Brasil passou a pensar e executar a sua política de segurança pública focando na guerra às drogas a partir do proibicionismo e dos crimes contra a propriedade. Os crimes contra a vida possuem baixa resolução, pois nos grandes centros metropolitanos as taxas de resoluções são baixíssimas e nunca supera os 10% de investigações e os 3% de resoluções que geram condenações dos culpados.
Como não conseguimos resolver crimes que necessitam de grandes investigações, as principais ações de realização para a segurança pública pelos governos estaduais e federal são voltados ao combate de substâncias psicoativas ilícitas nas favelas e espaços periféricos. É interessante observar que esse tipo de ação ocorre sob o comando de políticos com diferentes ideologias e pertencendo a partidos de diferentes espectros políticos, dos progressistas aos de extrema direita.
As ações para combater o tráfico de drogas de varejo são concentradas nas favelas e utilizam um grande aparato de “guerra” com forças militares, como as polícias e até mesmo o exército, mas também os seus carros blindados, tanques e, portanto, as principais atuações são baseadas no processo de militarização, com destaque para as operações na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. As operações se concentram no uso da força, até mesmo letal contra os “inimigos” que precisam ser abatidos e com pouca inteligência, investigação e até mesmo prevenção de risco. É muito importante observar, que as ações colocam os agentes das forças de segurança em risco.
Segundo o autor Andrelino Campos, no seu livro Do Quilombo à Favela: A produção do espaço criminalizado no Rio de Janeiro, a favela é o espaço criminalizado, todos os seus moradores são possíveis suspeitos, suas vidas são consideradas supérfluas, além do treinamento da polícia ser treinada para matar. Os tipos de ações perpetrados pelas forças de segurança do Estado só podem acontecer, porque funciona em consonância com as classes dominantes, que concordam com esse tipo de ação e a estrutura de repressão social, porque não são vítimas. Ninguém consegue imaginar na continuidade da execução desse modelo de política de segurança pública caso fosse realizada em bairros nobres e condomínios de luxo.
Ademais, dados estatísticos demostram que o Governador Claudio Castro após a sua posse, por afastamento do Governador eleito Witzel em 30 de abril de 2021, desde que houve denúncia de corrupção e o processo de impedimento realizado pela Assembleia Legislativa, tem como mote de campanha à reeleição uma política de segurança pública belicista. O atual governo apresenta o maior número de chacinas policiais (operações com três ou mais morte de civis em uma mesma operação) nos últimos 15 anos, com 330 homicídios em 74 operações, uma média de aproximadamente 4,5 homicídios provocados por ações policiais em favelas.
O governador e sua equipe de campanha apostaram em ações policiais para agregar votos de uma parcela da população reacionária e apoiadores da extrema direita. O próprio Governador e o atual Presidente da República usam as redes sociais para parabenizar os agentes envolvidos na operação e o sucesso das ações são medidos pelo uso de vítimas fatais que são geradas nas favelas. O atual mandatário é incapaz de se solidarizar com os familiares da vítima, inclusive os agentes das forças de segurança.
Não há dúvidas que o uso midiático das operações pelos gestores públicos que comandam a partir de programas sensacionalistas com grande poder de atração nos domicílios nacionais. Os programas reforçam a construção da criminalização da pobreza e a execução extrajudicial de suspeitos. Claro que as imagens de violência policial, confundida com ações voltadas para o combate ao tráfico de drogas e outros crimes, são usadas para transformar mortes de pessoas em votos e outros ganhos políticos.
Salta aos olhos, que as operações policiais mais violentas do Estado ocorreram após a decisão pelo colegiado do Supremo Tribunal Federal da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, conhecida como “ADPF das Favelas” solicitada por movimentos sociais, em junho de 2020, ainda no período de COVID-19. A decisão do STF determina que as operações só poderiam ser realizadas em situações excepcionais, devidamente fundamentadas, além de comunicação prévia ao Ministério Público do Rio de Janeiro, já com a comunicação da justificativa. A decisão do Supremo tinha como finalidade proteger as pessoas das favelas que estavam cumprindo o isolamento social.
Segundo levantamento, do Ministério Público, órgão responsável por fiscalizar as ações policiais, em apenas 15 meses do atual governo três das maiores chacinas policiais da história do Estado aconteceram, com destaque para a operação na favela do Jacarezinho com 28 mortos, incluindo um policial civil (a maior da nossa história) em maio de 2021, a segunda maior aconteceu em maio de 2022 na Vila Cruzeiro, na Vila Cruzeiro, com 24 mortos, já a terceira maior chacina aconteceu no último no dia 21 de julho no Complexo do Alemão que deixou ao menos 18 mortos.
As operações sempre vão recorrer a violência, pois não há uma investigação e responsabilização quando comprovada a atuação excessiva das instituições de força de segurança. A impunidade é provocada pela falha estrutural dos órgãos responsáveis pela inteligência, investigação e punições, mas também do sistema judiciário são coorporativos. Por outro lado, a responsabilização é essencial para o ciclo de violência. De acordo, com Vladimir Safatle, filósofo e professor da Universidade de São Paulo (USP) no programa Fórum Café, da TV Fórum afirma:
o Brasil banalizou a prática de chacinas desde sempre no Brasil e isso é uma característica estrutural da formação histórica nacional, além da essência do Estado brasileiro é para lembrar que elas são matáveis. As ações do Estado nas favelas provocam o terror e as suas ações reforçam o Estado predador.
Em nenhuma hipótese a violência realizada pelas forças do Estado promoveu a redução do poder econômico e bélico presente nas favelas pelo tráfico, como também a ampliação dos direitos dos moradores.
As ações desenvolvidas e executadas não garantem a segurança pública, um direito e um dever de todos, à medida que verificamos execuções sumárias, invasões aos domicílios, por meio de uma estratégia denominada “troia”, abusos de poder e até mesmo tortura promovido por instituições que tinham como dever e função social garantir os preceitos constitucionais.
É importante ressaltar, que as mudanças estruturais na política de segurança pública salvam a vida dos agentes das forças de segurança pública sejam civis ou militares.
Portanto, as atividades voltadas para a política de segurança pública precisam ser intersetoriais, tal como, todas as políticas sociais que resultaram em avanços nos direitos civis, sociais e políticos são intersetoriais. As favelas e os cidadãos precisam de projetos que vão além da ocupação por forças de segurança pública, os projetos precisam englobar esporte, lazer, cultura, geração de renda e emprego.
Este artigo foi escrito por Magno FERREIRA e publicado originalmente em Prensa.li.