A produção independente de informações e o ciberativismo do século XXI
Com a ascensão e uso em massa da internet, é possível vivenciar novas possibilidades de criação e disseminação de conteúdo, entre elas, a produção independente de informações e até mesmo a utilização das mídias sociais na cobertura jornalística.
Neste contexto, o jornalismo online também ganha características consolidadas pela tecnologia digital. Este progresso possibilita que o leitor não interaja apenas com o aparelho eletrônico, mas também com o conteúdo disseminado por ele. A interatividade, seja ela analógica ou digital, é baseada numa ordem que estrutura a própria relação do homem com o mundo.
A internet como agente de transformação
Essas mudanças permitem que a internet seja utilizada para democratizar informações por meio da propagação de conteúdos que os distinguem de outras formas de jornalismo. Isso porque o ambiente online permite a possibilidade de novas mídias utilizarem uma abordagem muito mais independente e autoral de transmissão de notícias.
A utilização dos aparelhos celulares, tablets e outros portáteis (que possibilitam a conexão com a internet) facilita aos cidadãos o repasse de pautas para a mídia tradicional, permitindo também que sejam emissores de notícias.
Consequentemente, os jornalistas e suas relações com meios de comunicação também mudam. Esta autonomia proporcionada pela internet facilita o crescimento das produções colaborativas, de forma que o fenômeno dos blogs, sites de grandes veículos e portais com sistemas de publicação gratuitos veem sua audiência se multiplicar, reduzindo até mesmo a circulação e popularidade dos informativos impressos.
O cenário jornalístico atual
Ao tentar conceituar e caracterizar o jornalismo, é possível perceber que as histórias contadas cotidianamente pelos jornais são hierarquizadas e pregam uma improvável isenção, sem deixar de exigir grandes investimentos e instalações, como uma empresa qualquer. Este conceito muda, no entanto, com a ascensão de modos de comunicação mais independentes.
Isso acontece porque a grande quantidade de mídias, a construção colaborativa de narrativas e conteúdos feitos por muitos atores resulta em uma pluralidade de pontos de vista. A página Wikipédia, por exemplo, se consolidou no Brasil e no mundo como a enciclopédia virtual mais conhecida de todos os tempos, permitindo que seus próprios usuários criem e editem o seu conteúdo de forma coletiva.
Levando este empoderamento em consideração, o jornalismo colaborativo aceita o cidadão como um jornalista em potencial, de forma que ele também esteja apto a participar da construção de pautas e notícias.
A partir de 2016, diversos portais de renome e popularidade na internet brasileira passaram a permitir que o leitor participasse de colunas com enfoque jornalístico, contribuindo com o envio de informações, vídeos e fotos. Alguns exemplos são Estado de Minas, G1 (globo.com) e Folha de São Paulo.
Sendo assim, a oferta de informações jornalísticas passou por algumas adaptações. Existe uma concentração de notícias em portais de variedade e buscas, que procuram diversificar o conteúdo de suas páginas e manter a audiência. Nestes casos, o jornalismo é originário de agências internacionais ou até mesmo de uma redação própria.
Os sites líderes em acessos normalmente ofertam os materiais criados e enviados pelos seus usuários como fonte de informação, e este processo incentiva o leitor a se tornar um protagonista do processo noticioso, criando um sistema descentralizado de produção de conteúdos.
Novos agentes geradores de notícias
Noticiar, portanto, se torna uma forma acessível de se comunicar e interferir na realidade. Estes “novos jornalistas” não se limitam a moldar o agendamento da imprensa tradicional, mas difundem a opinião pública por meio de suas próprias mídias.
Para compreender os novos rumos que o jornalismo toma inserido em uma cultura digital, é preciso entender as características e motivações desta participação mais ativa por parte dos seus receptores. Afinal, os recursos proporcionados pelo ambiente virtual ocasionam debates capazes de mudar comportamentos e gerar grandes reflexos na sociedade. Seria esta nova produção de conteúdo uma forma de ciberativismo?
Já que as narrações individuais tendem a ser mais subjetivas, quais são as tendências para a credibilidade e a suposta imparcialidade que o jornalismo tradicional tanto busca?
Ao ocupar o espaço digital, novos grupos conectados formam uma identidade coletiva, marcada pelo compartilhamento de ideias e participação em lutas sociais diversas.
Sendo assim, é possível afirmar que o ciberativismo modificou a dinâmica das definições sobre os principais protocolos de comunicação utilizados online. Isso porque a forma de atuação do ciberativismo se caracteriza por redes de cidadãos que criam arenas para expressar suas ideias e valores, para agir sobre o espaço em que vivem. Tudo isso acontece com poucas ou sem mediações, o que garante a liberdade de ação e produção de conteúdo desses grupos.
Ciberativismo também é jornalismo?
Para saber se o conteúdo produzido por esses grupos pode ou não ser considerado jornalístico, primeiro é preciso explorar o próprio conceito de “jornalismo” por si só. A atividade jornalística se resume a coleta, preparação e disseminação de notícias e seus relativos suportes, como revistas, livros, rádio ou televisão.
Esta prática busca informar os cidadãos com conteúdos que necessitam para serem livres e se autogovernar, e devem obedecer a alguns princípios para a sobrevivência da imprensa livre — entre eles a necessidade da apuração de informações e a independência.
Diante de tais conceitos e desta nova realidade, é possível testemunhar um novo tipo de jornalismo, pautado na ação. Estes novos agentes de comunicação vão a campo, usam seus dispositivos móveis para documentar os acontecimentos em tempo real e até mesmo participar deles.
Esse processo é documentado pela jornalista Elizabeth Lorenzotti, ao usar um exemplo de uma declaração recebida no Twitter: “Não precisamos de mídia partidarista, temos celulares!” durante as manifestações políticas de 2013.
Cada matéria traz uma causa, um ponto de vista, uma história de vários mundos em forma de notícia. Sendo assim, é possível concluir que as postagens da Mídia Ninja e de outros movimentos sociais similares mostram bastante sua parcialidade, mesmo se não estiverem assinadas.
A narrativa adotada pelos movimentos sociais como a Mídia Ninja pode ser encarada como uma espécie de jornalismo “cívico”, que procura engajar o público e incentivar a sua participação na vida política de sua cidade ou país.
Aliado a este tipo de jornalismo (que é marcado pela interatividade, personalização, instantaneidade e multimidialidade), essa abordagem também é marcada pelo ativismo, incentivando ações e posicionamentos dos leitores.
Este novo tipo de jornalismo é crível?
Neste caminho de ressignificação do webjornalismo, que se apresenta em forma de um movimento de atuação e crítica com as características mencionadas, a questão da credibilidade deve ser levantada, por se tratar de um valor essencial para o jornalismo tradicional.
Tendo em vista que o jornalismo assume a forma de uma prática social, de natureza coletiva, sua relação com os leitores cria uma possível presunção de credibilidade.
O caráter híbrido do webjornalismo levanta suspeitas sobre sua confiabilidade. No entanto, apesar da pluralidade de pontos de vista, os valores da verdade e justificação ainda são o cerne do jornalismo e de sua razão de existir. Ele se torna um conhecimento quando o sujeito qualifica o que antes era apenas uma crença, passando a tomar o discurso jornalístico como confiável, já que este discurso demonstra de forma justificada que diz a verdade ou que buscou (por meio de seus procedimentos técnicos e profissionais) chegar à verdade. A crença simples passa a ser uma crença verdadeira e justificada, ou seja, um conhecimento.
A informação, que é um importante agente na construção do conhecimento coletivo, é preciosa demais para se tornar uma propriedade de alguma redação jornalística, rede de TV ou agência de notícias. Por fim, a informação pode (e deve) ser livre.
Este artigo foi escrito por Bianca Lopes e publicado originalmente em Prensa.li.