A publicidade e as causas sociais
Hoje é extremamente comum uma empresa declarar apoio a uma minoria através de ações afirmativas, campanhas publicitárias, investimentos e realizar mudanças na conduta de sua cultura interna, beneficiando assim a inserção dessas minorias no quadro de funcionários das empresas.
Porém, não só os novos tempos solicitaram que essas empresas fizessem essa mudança na sua abordagem, em sua estrutura ou motivasse uma mudança radical em seu funcionamento interno, bem como tivesse preocupação em inserir minorias e causas sociais no seu cotidiano executivo.
Qual foi o momento em que perceberam a lucratividade por trás das causas sociais?
"Quem lacra não lucra". Uma frase que vem sendo discutida de forma interna nos grupos sociais e perde todo sentido quando avançamos cada vez mais no ramo publicitário. A comunidade negra brasileira e a comunidade LGBTQIAP+, tem sido cada vez mais um público desejado pela publicidade, pelo mercado empresarial e para dar fundamento às ações afirmativas e propostas políticas.
Saindo da sociedade que pregava a existência do 'câncer gay' (HIV/AIDS) nos anos 80, para uma sociedade que busca nessa galera a oportunidade de escalar, crescer e fazer um nome através da política afirmativa ou de causa.
Estima-se que a população LGBTQIAP+ circula cerca de R$420 bilhões de reais no Brasil, equivalente a 10% da receita gerada em todo país, segundo a consultoria norte-americana Out Leadership, em 2015. Então, há um motivo pertinente para as empresas do país se movimentarem para abocanhar o 'pink money' — o dinheiro rosa, como é chamado o poder financeiro da comunidade.
E como as empresas estão se movimentando quanto a isso?
Na verdade, existem publicidades afirmativas e ações afirmativas. Existe uma enorme diferença entre mostrar que aceita uma comunidade, que possui produtos destinados para serem consumidos pela mesma, e que possui uma política interna para treinar seus funcionários a lidarem com esse público.
E, por outro lado, se dispor a mudar sua política interna, cultura, processo seletivo e de recrutamento, ações afirmativas e de incentivo à comunidade, treinamento de equipe, emprego e salário digno. Saindo da posição de cliente, para lidar no interno da organização.
Nesse processo, a publicidade mascara a crueldade empresarial quando se trata em agregar a diversidade cultural ao ambiente de trabalho.
Temos um polo criativo e empresarial muito grande no Brasil, beneficiando o surgimento de novas empresas, formais ou informais, a todo instante e estima-se que 75% dessas empresas brasileiras possuem políticas que proíbem a discriminação por cor, raça ou etnia, bem como gênero e sexualidade.
Porém, uma pesquisa realizada pelo Center for Talent Innovation confirma que 33% das empresas brasileiras não contratariam profissionais LGBTQIAP+ para cargos de chefia, contra a 41% dos funcionários LGBTQIAP+ afirmam que já sofreram discriminação por conta de sua sexualidade ou gênero.
No dia 28 de junho é comemorado o Dia do Orgulho LGBTQIAP+, e durante todo mês as empresas se voltam para mudar o design de seus produtos — tornando-os mais atrativo, colorido e juvenil. Coisa essa que não é feita nos outros 11 meses do ano, essas pesquisas e os dados apresentados pelas mesmas mostram uma realidade muito diferente do mostrado através do mercado publicitário.
Mas...
e a comunidade negra no mercado de trabalho?
Em abril de 2019 publiquei um artigo com o título 'não sabemos lidar com o racismo', e se você pensa que algo mudou em 3 anos está muito enganado. Não mudou muito em séculos, não será em anos. Muitas das discussões pertinentes na sociedade sobre a comunidade negra são, na verdade, comerciais. Não há avanço com diálogo, se não houver coragem para agir.
Foto de Clay Banks no Unsplash
Hoje temos cursos, livros, artigos, aulas... destinadas aos brancos, detentores de uma herança colonial [chamada sociedade], para poderem entender os prejuízos e a estrutura criada por seus ancestrais, hoje em suas mãos, e como isso afeta a nós pretos.
Mesmo tendo tudo isso para compreender a estrutura colonial, hoje modernizada, quais são as melhorias que tivemos? Os negros e negras do país continuam sendo contratados para funções de mãos-de-obra, trabalho pesado. A diferença de renda entre pretos e brancos continua superior a R$1.200 reais. Representando 46% de desempregados no país, ocupando também o protagonismo nas ocupações de baixo rendimento e alta informalidade. Você pode conferir outras informações aqui.
Estamos construindo uma sociedade igualitária, corrigindo problemas e deficiências estruturais, ou apenas comercializando e gerando lucro com o sofrimento alheio?
O livro 'Pequeno Manual Antirracista' da autora Djamila Ribeiro monta presença entre os mais vendidos no site da Amazon desde 2020, lançado em 2019. Conta com 18 mil avaliações, e está no TOP10 de 3 categorias diferentes.
Como essa disposição de conversa, aceitação e populismo não conseguiu influenciar positivamente a inserção e a promoção de pessoas negras, PCD, LGBTQIAP+ e outras interseccionalidades, no mercado de trabalho? Movimentando R$1,7 trilhão anualmente, não somos chamados nem mesmo para ocupar áreas de gerência de uma empresa.
Não, isso não é um artigo que te ensina a ser inclusivo!
Ninguém precisa te ensinar a ser honesto, construir valores e parâmetros... tendo dezenas de recursos disponíveis, muitos profissionais surgindo para ganhar o seu enquanto palestra, desenvolve cursos, artigos e formações, com o objetivo de tornar a sua empresa no que ela deveria ter nascido sendo, chega a hora da introspecção.
Na verdade, cabe aqui um pensamento sobre como as redes sociais, a publicidade e a galera do marketing e comunicação trabalha com a finalidade de mascarar a crueldade quando a pauta é inserir diferentes pessoas, culturas e realidades no mercado de trabalho, se retirando da posição de amparo e solo fértil para impulsionar o crescimento dessas pessoas, mas sim como grande opressor.
Se ao invés de cobrarmos e pedirmos por apoio comercial e de visibilidade, até mesmo a escuta ativa, cobrássemos por ações, disposição e voz de comando, poderíamos ter empresas mais firmes, crescimento intracomunitário e um mercado que não busca a comercialização da carne, do corpo e do suor de cada minoria, mas sim o talento, criatividade e cooperação.
Este artigo foi escrito por Deivyson Luan e publicado originalmente em Prensa.li.