A reprimarização da economia brasileira
Nas última décadas, o Brasil vivenciou o processo de primarização da pauta de exportação, com destaque para os produtos agropecuários e os minerais de baixo valor agregado. O presente artigo propõe uma discussão sobre a preocupação desse processo socioeconômico, assim como as suas causas e consequências para a economia e na área social.
O Brasil foi constituído como um país a partir da Divisão Internacional do Trabalho durante o predomínio do capitalismo comercial como uma colônia dominada pela metrópole Portugal, a partir da implementação do sistema de plantation. Por exemplo, a cana de açúcar foi o principal produto na pauta de exportação do país até o século XVIII, metais preciosos na segunda metade do século XVIII, o café e a borracha no final do século XIX e no início do século XX.
Na realidade os países emergentes, com destaque para a China e Índia, consolidaram um crescimento econômico com sede de alimentos, pois os dois países possuem aproximadamente 2,8 bilhões de habitantes, mas também matéria prima, com destaque para o minerais, materiais essenciais para sustentar o crescimento industrial e urbano.
O país, a partir do crescimento dos seus parceiros econômicos reativou o seu modelo primário-exportador de commodities de baixa intensidade tecnológica, ou seja, com baixo valor agregado. O modelo implementado no país não promove a geração de empregos, além da promoção da concentração de renda.
É necessário destacar que não aprendemos com o nosso passado, porque as crises dos grandes ciclos econômicos nacionais por grande fragilidade da estrutura econômica nacional às flutuações do mercado internacional, ou seja, a reprimarização da economia nacional, deixa o país frágil a qualquer desaceleração da China. Ainda, uma redução dos preços internacionais das commodities provocará um grave crise econômica a partir do desequilíbrio da balança comercial no Brasil.
De acordo com o economista Dilson Barreto¹, na década de 1980, os produtos primários respondiam por 32% e os produtos industrializados correspondiam a 67% da nossa pauta de exportação. Já no ano de 2014, os produtos industrializados correspondiam a 28,6% e continuava regredindo até a taxa de 21,2% em 2016 na pauta de exportação brasileira. A queda da relevância dos produtos manufaturados na nossa pauta de exportação é acompanhada pelo crescimento do setor primário na balança comercial nacional.
É necessário destacar que, a partir do século XIX, os países que passaram a ter o maior desenvolvimento econômico e social são países que conseguiram desenvolver o seu parque industrial a partir da tecnologia e agregando valor aos seus produtos, ou seja, ocuparam um papel de destaque no mercado internacional como produtores competitivos de bens com elevado valor agregado.
É importante deixar claro que não é necessário deixar de exportar os produtos primários pois temos grandes vantagens competitivas nesse setor. Realizar a revolução industrial no Brasil é necessário para garantir a soberania e o desenvolvimento econômico do país.
Ao optar pela reprimarização da pauta de exportação, o Brasil caminha na contra mão das principais economias do mundo, com destaque para os países que obtiveram grande crescimento econômico nos últimos anos, como China, Coreia do Sul, Índia e outros países que são classificados como tigres asiáticos.
Ademais, é inegável que o processo de estruturar a pauta de exportação do país no envio de produtos primários com baixo valor agregado foi construído com a indução do Estado brasileiro desde a década de 1970. Entretanto, nos últimos cinco anos, esse processo foi acelerado de forma exponencial, chegando à cifra de quase US$ 93 bilhões, mas também a exportação de recursos chegou ao valor de 68 bilhões de dólares, como pode ser observado na imagem abaixo.
De acordo com a tabela, em 2020, os valores que possuem alguma forma de tecnologia inserida no seu processo produtivo não representam nem US$ 15 bilhões somados, ou seja, a exportação de produtos primários representa aproximadamente 6 vezes mais, em valor do que os produtos industriais que foram exportados. Os dados corroboram para a linha central do artigo, ao mostrar que o processo de desindustrialização do país é acentuado e os produtos primários são os mais vendidos no mercado internacional.
A responsabilidade do Estado brasileiro ao promover a maior relevância da exportação de produtos primários é construído a partir do controle do congresso pela Bancada Ruralista, parlamentares que atuam diretamente na defesa dos interesses dos grandes produtores e exportadores de produtos agrícolas. A Bancada Ruralista é a maior do congresso nacional, com pelo menos 300 representantes nas casas legislativas.
Do ponto de vista econômico, o plano Safra, valor destinado para o investimento na produção, beneficiamento e comercialização de produtos agropecuários, atingiu o valor de R$ 340,8 bilhões no biênio 2022/2023², com um valor 36% maior que o plano anterior. Todo o capital é disponibilizado através de uma taxa de juros menor que a taxa SELIC. O plano Safra foi a única grande política de investimento estatal que não sofreu corte orçamentário, e ainda obteve um aumento significativo mesmo depois da imposição da política de Teto de Gastos no ano de 2016 (Governo Temer).
Ainda podemos citar algumas ações que comprovam que o Estado nacional é maior indutor da primarização da pauta de exportação, tais como: um amplo programa de isenção e/ou redução dos impostos, a flexibilização da legislação ambiental, e o sucateamento e a destruição de órgãos de fiscalização, mas também o investimento em infraestrutura, como a logística e armazenamento.
Portanto, o poder político da bancada ruralista retroalimenta o poder econômico dos grande produtores agrícolas no Brasil e, como consequência, não há indução da industrialização e a primarização da economia é colocada como uma característica estrutural da nossa economia.
É necessário mudar a estrutura econômica nacional e impulsionar o processo de industrialização com produtos de média e alta tecnologia voltados para o mercado interno e externo como forma de garantir o desenvolvimento econômico e social do país de forma sustentável e duradoura.
² - Plano Safra 2022/2023 anuncia R$ 340,8 bilhões para a agropecuária (ebc.com.br) Acesso em 27 de agosto de 2022
Este artigo foi escrito por Magno FERREIRA e publicado originalmente em Prensa.li.