A televisão do futuro e o futuro da televisão
TV: para onde vai? | Imagem: Sebastian Kanczok/Unsplash
Esqueça a televisão holográfica. A TV em 3D. Ou a TV com cheiro. Isso até pode acontecer, mas a televisão forçosamente passará por uma modificação inevitável. Não no hardware, mas no modo de fazer televisão.
A TV de hoje é diametralmente diferente da feita nos anos 1990, ou mesmo nos anos 2000. A televisão aberta sofreu um baque no período com o surgimento e crescimento de canais por assinatura e segmentados, por sua vez sofrendo um impacto ainda maior com os serviços de streaming, popularizados entre os anos 2010 e 2020.
Por favor, não desligue
Já não era a televisão milionária das décadas anteriores, calcada em filmes, esportes, jornalismo e teledramaturgia; caía por terra a fórmula que parecia eterna. A pulverização do mercado com opções plurais tornou a brincadeira mais cara e menos lucrativa.
Filmes e séries perderam relevância na grade da TV aberta, primeiro pela segmentação, depois pela praticidade do streaming, onde reinam absolutos. A possibilidade do binge watching, ou maratonar temporadas inteiras, agravou a situação.
A teledramaturgia chegou num nível de especialização que reduziu o mercado nacional de produção própria para três players: Globo, produzindo tramas diárias, séries, macro séries e minisséries, sobre temas gerais; Record, especializando-se em produções de cunho bíblico, onde tem público cativo; e o SBT, dedicado a produções infanto-juvenis, predominantemente musicais.
Bola fora?
O esporte, com exceção dos mega-eventos mundiais como Olimpíadas, Copa do Mundo de Futebol e Fórmula 1, vem perdendo espaço paulatinamente na TV aberta. Essa última estava praticamente condenada a sair das telas, não fosse a mudança de emissora em 2021. Por coincidência, numa das temporadas mais vibrantes dos últimos tempos.
A audiência e as transmissões esportivas têm ficado mais restritas aos canais segmentados, e mais recentemente a serviços via internet e streaming.
A qualquer momento em edição extraordinária
O jornalismo, entretanto, tornou-se a maior peça de resistência da TV aberta. Talvez a base da nova indústria da televisão popular. Em um período onde o custo-benefício impede que emissoras produzam a totalidade de uma programação generalista, como nos velhos tempos, é lógico que se adquiram atrações prontas, num modelo aproximado ao que a televisão norte-americana adota há anos.
Por motivos primordialmente empresariais e políticos, creio que a televisão aberta irá concentrar suas forças no que pode fazer melhor e por conta própria: o noticiário, sobretudo no aspecto da prestação de serviços, devido ao tremendo upgrade tecnológico das últimas décadas.
Não faz tanto tempo, para entrar no ar e falar de trânsito, só para dar um exemplo, era necessário um pequeno caminhão de externas, com um transmissor de microondas, antena, uma ou duas câmeras, técnicos, motoristas, auxiliares… com muita sorte – ou azar – o enlace de microondas era substituído por um uplink de satélite.
Azar pois nos casos onde o link de satélite, mais caro e complicado, era exigido, é porque não havia a opção de se enxergar a torre microondas da emissora, escondida por um obstáculo físico. Coisa simples.
O mundo na palma da mão
Hoje, na opção mais básica, você precisa de apenas UM smartphone, além de uma conexão 4G disponível, e pronto, já está no ar. Se quiser sofisticar, nada além de repórter, câmera e microfone com comunicação wireless, e um prosaico carro com um link celular multioperadora: uma engenhoca também conhecida como “mochilink”, que seleciona automaticamente a banda da operadora de telefonia móvel com sinal mais consistente na região. Pronto, o sinal de áudio e vídeo já estará disponível no switcher da emissora.
Coberturas com apoio aéreo, que necessitavam o uso de caríssimos e sofisticados helicópteros, custando milhares de reais para um simples sobrevoo, hoje são substituídos ou complementados por drones, capazes de gerar imagens em alta definição e cobrir áreas significativas com custos absolutamente inferiores. Sem a possibilidade de levar um repórter à bordo, mas já faz diferença.
Neste ponto, a TV conseguiu depois de décadas, equiparar-se com o rádio, até então campeão indiscutível de velocidade no jornalismo factual. Desde a chegada do celular, bastava uma ligação telefônica e o repórter de rádio estaria no ar instantaneamente. Nem os repórteres de internet chegavam a tanto, pois o jornalista precisava de uma conexão estável, e durante muito tempo, precisava escrever alguma coisa.
A nova televisão, mais próxima e interativa, não poderá prescindir da relevância. Entretenimento e esportes podem ser providos com igual qualidade por outros meios e serviços, com custos competitivos, se não melhores.
O jornalismo torna-se a melhor vertente onde a TV aberta poderá se sustentar com eficiência e ganho em escala. E melhor: com qualidade de imagem, tela grande (ou multi-telas) e estrutura já pronta para o trabalho.
Pequenos frascos, grandes perfumes
A estrutura física das emissoras também deverá mudar radicalmente. Grande centros de produção, uma tradição desde os primeiros tempos da televisão, e ampliadas desde os anos 1980 – vide os mega-complexos de Água Grande, Estúdios Globo, CDT e Recnov – não serão necessários. É tempo de terceirização e especialização.
Agora, uma estrutura enxuta, como a TV Gazeta de São Paulo, pode tornar-se vantajosa devido aos custos operacionais inferiores. Em compensação, quem já possui parques técnicos de grande porte, pode lucrar alugando seus estúdios e instalações para companhias produtoras – eventualmente abatendo os custos na aquisição destes mesmos conteúdos para exibição. A TV Cultura de São Paulo já transformou essa prática em fonte de receita complementar.
Vida (ou sobrevida) além da tela
Outro caminho, como modelo de negócio, restrita basicamente às maiores três players do mercado, é produzir conteúdo de entretenimento para plataformas de streaming – próprias ou não – já que a maioria do público têm preferido assistir esse tipo de programação on demand, ou seja, no horário em que bem entender, usando o equipamento de sua preferência.
Isso já é praticado, embora ainda longe de sua potencialidade. A TV Globo já produz atrações exclusivas para seu Globoplay. Apesar da maioria ter ligação direta com conteúdos da emissora aberta, também é sua principal vitrine.
O Grupo Record não faz grande alarde nem grandes produções exclusivas para seu PlayPlus, que ainda não decolou. A maioria de seus conteúdos são complementações diretas dos programas da Record TV, ou de interesse nichado, no caso, fiéis da Igreja Universal.
O SBT preferiu apostar no que é certo, distribuindo suas novelas infantis-musicais pela líder Netflix, com um número de acessos superior às audiências de suas exibições originais.
São tendências, e a velocidade com que a tecnologia avança pode nos trazer surpresas e mudanças de rumo. Mas uma coisa é clara: a TV dos próximos anos será radicalmente diferente de tudo o que vimos até agora.
Este artigo foi escrito por Arthur Ankerkrone e publicado originalmente em Prensa.li.