Aggretsuko - A vida de escritório desglamourizada
Imagem de capa - Divulgação/Netflix
Aggretsuko narra a vida de uma jovem meiga em um escritório de contabilidade que extravasa o estresse cantando death metal! Sua quarta temporada estreou há pouco tempo na Netflix e já foi renovada para mais uma, é realmente impressionante a capacidade que animais antropomorfizados têm de falar dos nossos problemas com mais leveza.
Vendo um frame pausado, você pode até achar que esse desenho protagonizado por uma panda vermelha (sim, a moça é um tipo de panda) é uma obra infantil feita para agradar crianças pequenas, não poderia haver engano maior.
Retsuko tem 25 anos e saiu da escola para o mercado de trabalho com vários sonhos para o próprio futuro, cada um deles milimetricamente esmagados pela realidade da vida no escritório. Certamente semelhante à vida de muitas pessoas que você conhece, inclusive pode ser que você já tenha associado certos colegas de escritório com certos animais. Viu só que perfeição de premissa?
A realidade do trabalho no Japão certamente é muito diferente da brasileira, dos direitos trabalhistas as cargas horárias exercidas, são culturas corporativas com distâncias muito além da geográfica. Só que chefe abusador, fofoqueira da firma e colega puxa-saco tem em tudo quanto é lugar, esse é o ponto chave de identificação para todo mundo.
Mesmo com sorrisos forçados, acho que Retsuko se daria até bem no escritório se todo mundo tivesse com o mesmo objetivo de entregar o trabalho. (imagem: Divulgação/Netflix)
Enquanto Retsuko é obrigada a pausar suas atividades contábeis simplesmente porque o supervisor Porcão quer chá, é pesadamente real a quantidade de patrões que pedem aos subordinados, especialmente às mulheres, que façam um cafezinho e levem na sua sala. Sem fazer parte das suas tarefas profissionais e qualquer tipo de remuneração adicional pela função extra. E ai de quem reclamar!
Quem canta, seus males espanta
Muita gente trabalha com o que não gosta e mesmo entre quem trabalha com o que gosta, é fácil estar arrependido de trabalhar nessa área por problemas em carga horária, remuneração ou reconhecimento de maneira geral.
Nossa querida protagonista pandinha não sabia muito bem o que queria fazer, deixou a vida a levar e acabou no departamento de contabilidade de uma grande empresa. No Japão é comum passar décadas na mesma empresa, muita gente até hoje começa a trabalhar e se aposenta no mesmo lugar. Então a tristeza de “esse será o resto da minha vida?” também é maior.
Como se isso não bastasse, Retsuko é assediada profissionalmente pelo chefe do departamento. Nada sexual, o que talvez torne a situação menos pior, contudo ela é sobrecarregada com trabalho e constantes sugestões de que não presta para trabalhar, sendo chamada de “verme”, “inútil” e outros termos desnecessários.
A saída para aguentar isso tudo sem explodir? Death metal, proferir pesados sons guturais na privacidade de uma cabine de karaokê com isolamento acústico. Retsuko nem olha mais o menu, já decorou o número de sua melodia preferida e inventa a letra na hora tirando do peito toda a raiva que está sentindo, talvez fizesse sucesso numa daquelas batalhas de músico se bem estimulada.
Quem passa por ela na rua, certamente não adivinha que death metal é seu hobbie e sua “terapia” contra o escritório. (imagem: Divulgação/Netflix)
Não existe trabalho ruim
Como já disse o famoso personagem Seu Madruga, o ruim é ter que trabalhar. O constante assédio faz com que Retsuko procure alternativas diversas para sair da contabilidade. Abrir uma lojinha com uma amiga, casar e virar dona de casa (algo ainda comum por lá); Retsuko até mesmo acaba embarcando, por acidente, no mundo das idols.
Tal qual o famoso longa animado Perfect Blue — clássico de Satoshi Kon — abordou em 1997, a terceira temporada de Aggretsuko fala dos bastidores do mundo das Idols (grupos de cantoras) e dos marmanjos que dedicam suas vidas em ser obcecados por elas.
Sexta-feira, faltando só 15 minutos pra ir embora, é bem nessa hora que os trabalhos-urgentes-que-não-são-nada-urgentes costumam surgir. (imagem: Divulgação/Netflix)
É ótimo ver seu talento vocal sendo bem utilizado, mas entrar num grupo pré-existente acaba trazendo mais complicações que alegrias. Não só pelo surgimento de stalkers entre os fãs, mas pela descoberta do seu “segundo emprego” por parte dos colegas de escritório.
Entre os magoados por não conhecerem esse aspecto da vida de Retsuko, afinal, o karaokê ainda era segredo para a maioria, e aqueles que só viam isso como mais uma razão para ela “voluntariamente” pedir demissão da empresa, a verdade veio à tona e veio com muita força.
Existe vida fora do expediente? Amizade no local de trabalho, pra ser chamada de amizade precisa acontecer fora da empresa também. (imagem: Divulgação/Netflix)
A sua própria maneira, Aggretsuko é uma sitcom de escritório tanto quanto The Office ou Brooklyn Nine-Nine (Lei e Desordem, no Brasil), logo é esperado que a maioria de suas cenas sejam com Retsuko trabalhando, mas na cultura japonesa a animação também acaba se enquadrando como Slice of Life, algo retratando a vida mundana, a exemplo desse filme com texto na Prensa.
Não é muito, mas Retsuko também existe fora do local de trabalho e do karaokê onde afoga suas mágoas. Ela sai com amigos do trabalho, onde acabam falando de trabalho; vez ou outra sai pra rua, porque precisa resolver coisas referentes ao trabalho; houve até um período no qual a acompanhamos na busca por bons pretendentes, quando pensava em se casar só para sair do trabalho.
No fim, parece tão difícil para Retsuko quanto para qualquer um de nós não orbitar ao redor desse buraco negro conhecido como trabalho. Essa esfera de nossas vidas que nos suga mais do que nos preenche. Parece que o jeito é trabalhar mesmo e fazer tempo para se dedicar a outras atividades. Então veja Aggretsuko dublado na Netflix quando puder e me dê licença que preciso ir bater o ponto e voltar aos meus afazeres na empresa.
Aguardando meu título de nobreza para comprovar que o trabalho enobrece mesmo como dizem. (imagem: Divulgação/Netflix)
Este artigo foi escrito por Gustavo Borges e publicado originalmente em Prensa.li.