(A)gosto do Freguês
O grande problema de sermos criaturas pensantes e/ou conscientes, está no fato de não sermos pensantes e/ou conscientes o tempo todo. Pensar e existir não são e nem nunca foram tarefas das mais fáceis. Administrar a condição de saber e ter consciência das coisas, da vida e da própria condição humana, é um fardo pesado demais que jogaram nas nossas costas. E é isso que faz o raciocínio, às vezes, passar das medidas.
Principalmente porque, pensamos demais e achamos tempo para formular crendices, superstições e toda sorte de teorias da conspiração. Dentre elas, uma das mais célebres está decantada em prosa e verso no nosso imaginário, a ideia de que agosto seria o mês do desgosto. Mês do Azar.
Mas de onde raios tiramos essa confabulação paranóica? Conjunções astrais equivocadas, uma manifestação anormal da Lei de Finagle neste período do ano? Já houve quem teorize que o oitavo mês do ano carrega esse estigma porque justamente depois dele, tudo fica errado no calendário. Pois se julho é o sétimo mês, por que setembro remete ao numeral sete? Ou outubro a oito se o número pertence a agosto? Sem esquecer o descalabro de NOVembro e DEZembro serem os décimo-primeiro e décimo-segundos meses do ano.
Meses são medidas de tempo que nossas mentes pensantes criaram unicamente para isso, medir o tempo. Mas muitos de nós insistimos na ideia de que podemos atribuir a eles, qualidades, defeitos e outros com dons metafísicos. Talvez isso more no fato de que nosso próprio calendário ocidental, que é baseado no calendário romano, tenha sido criado com a curiosa característica de ter cada mês batizado com o nome de um fenômeno natural, criaturas lendárias ou mesmo pessoas.
O calendário romano homenageia dois de seus césares, Julius e Augustus, Júlio César e Augusto César, meses de julho e agosto, respectivamente. Augustus também é a raiz etimológica da palavra Augusto, que significa sublime, grandioso, etc. Portanto, há uma verdadeira contradição aqui, já que agosto é conhecido popularmente como mês do desgosto.
A história do Cachorro Louco, por exemplo, pode ser atribuída a uma falácia de que o clima do mês de agosto ocasiona o cio das fêmeas da espécie, e isso deixaria os machos num estado de loucura, para não dizer outra coisa. Outras fontes, não muito precisas, falam de uma suposta série de casos de hidrofobia canina, a raiva canina. Mas eu prefiro acreditar numa forma mais factual de definir o azar.
Como sabemos, fazem 77 anos da explosão das bombas nucleares lançadas em Hiroshima e Nagasaki e o desfecho oficial da Segunda Guerra Mundial, nos dias 06 e 09 de agosto, respectivamente. Essas grandes tragédias humanitárias foram advindas de decisões unicamente políticas, uma vez que o Japão, que integrava o Eixo durante a Segunda Guerra Mundial, já havia se rendido.
A ascensão de Adolf Hitler se tornando o Führer alemão, aconteceu justamente no dia 2 de agosto de 1934. A mesma Alemanha, que também teve seu protagonismo na Primeira Grande Guerra, também deflagrada em agosto, em 1915 também seria palco de outro acontecimento político lamentável: o advento do Muro de Berlim, que começou a ser erguido em agosto de 1961.
Mikhail Gorbatchev, o premier russo responsável pela dissolução da União Soviética, foi deposto num golpe no mês de agosto. No Brasil, o segundo governo Vargas foi marcado por uma intensa e violenta campanha orquestrada por setores da oposição e mídia. Aquele mês de agosto não terminou bem para Vargas, pois um atentado fracassado contra o líder oposicionista Carlos Lacerda, o mais feroz de seus detratores, criado pelo assessor pau- para-toda-obra de Vargas, Gregório Fortunato Fortunato, além de matar a pessoa errada, acabou agravando ainda mais a situação política de Getúlio que, incapaz de suportar a pressão, suicidou-se num dia 30 de agosto de 1954.
Os militares tentaram impedir a posse de João Goulart após a renúncia do então presidente Jânio Quadros em 25 de agosto, no que seria o primeiro esboço do golpe militar de 1964. Em agosto de 1976, o ex-presidente Juscelino Kubitschek morreu num estranho acidente automobilístico que muitos atribuem a esta mesma ditadura. E como o fato político puxa outro, o impeachment de Dilma Rousseff fechou com uma chave tenebrosa, em 31 de agosto de 2016. Sim, existe uma mistificação dentro do mundo político que o oitavo mês do ano não seja tão alvissareiro. Mas admitindo-se a ideia de que tudo cabe numa visão em perspectiva. Talvez não seja algo tão ruim assim.
O impeachment de Collor, por exemplo, não aconteceu em agosto, mas se desencadeou nesse mês, quando aconteceu uma grande manifestação popular contra seu governo. E a retomada da CPI da Convid em agosto do ano passado em meio às graves evidências de negligência deliberada ao combate da pandemia e corrupção por parte do governo atual, apesar dos poucos resultados práticos, pode ter dado um norte ao futuro destino político de Jair Bolsonaro.
Numa questão de ponto de vista, então o azar de um pode ser a sorte de muitos. Mas percebem uma coisa? Citei apenas fatos políticos. É claro que a política tange coisas de grande importância nas nossas vidas, mas se determinados erros crassos ou não cometidos por seus protagonistas, devem se apenas a eles. Nesse caso, culpamos o mês ou os seus atores principais?
Coisas importantes ocorreram também neste mês de agosto, como a aprovação da Declaração dos Direitos Humanos durante a Revolução Francesa, a fundação da Cruz Vermelha, a Marcha sobre Washington por Trabalho e Liberdade, um marco na luta pelos direitos civis dos negros americanos. E já que começamos com os alemães, terminamos com eles. Sabiam que, apesar de tudo, agosto, principalmente as sextas-feiras, é o mês preferido para que os noivos marquem seus casamentos na terra do chucrute?
Nós somos os agentes do que pode ou não dar certo a cada hora, cada dia, a cada mês. O azar é um resultado que pode ser muitas vezes o ápice daquilo que cavamos com nossas próprias mãos. A nossa imprudência, a arrogância, a estupidez, assim como a sorte, nada têm a ver com o acaso, mas sim com o momento em que você soube enxergar e agarrar aquela oportunidade.
Um revés nem sempre pode ser esperado, mas muitas vezes, evitado. Tudo é como naqueles livros de culinária: use sal, açúcar a gosto, salgando ou adoçando demais ou de menos, o problema é seu. Portanto, a contragosto do senso comum, façamos de agosto um mês a nosso gosto.
Este artigo foi escrito por Marcelo Pereira e publicado originalmente em Prensa.li.