Alcântara: de volta à corrida espacial
22 de agosto. 2003.
13h26m. Latitude: 2°19' S; Longitude: 44°22' W.
Uma tarde ensolarada, a menos de 30 quilômetros da capital maranhense.
Tudo estava calmo no Centro de Lançamento de Alcântara, onde o foguete VLS (Veículo Lançador de Satélites), orgulho da Agência Espacial Brasileira, aguardava seu lançamento, previsto para ocorrer dentro de três dias. Quase vinte metros de altura, com sete motores, totalmente desenvolvido no Brasil, após dezoito anos de projeto.
Seria o primeiro voo completo do VLS-1, com direito ao lançamento de um satélite. O Brasil finalmente entraria no seleto clube de nações com capacidade de conduzir suas próprias missões espaciais. De quebra, num ponto geográfico privilegiado, considerado superior ao Cabo Canaveral, Baikonur ou Kourou, por sua proximidade com a linha equatorial.
O VLS-1 em sua torre, e seu esquema técnico | Imagem: Agência Espacial Brasileira
Presentes no local, os maiores cérebros da ciência espacial brasileira. Como o engenheiro César Augusto Costalongo Varejão. Na época com 49 anos, ingressara na Agência desde os 24 anos de idade. Toda uma vida dedicada a um sonho.
Em instantes, virou um pesadelo. Sem razão aparente, o sistema de ignição do VLS foi acionado. Atrelado à torre, gerou uma explosão monstruosa. Quarenta toneladas de combustível queimaram numa intensidade inimaginável. Em dez minutos, nada mais estava em pé.
Nossos melhores cientistas e engenheiros estavam mortos. Enterrando por tempo indeterminado nosso outrora crescente Projeto Espacial. Varejão, como seus outros 20 colegas, hoje dão nome à ruas, praças, escolas, instituições, em todo Brasil. Foi a maior tragédia da história científica nacional.
Monumento aos mortos no acidente, em Alcântara | Imagem: Diego Torres/iMirante
Um ponto esquecido no tempo
Desde então o governo brasileiro tem se perguntado o que fazer com Alcântara. Parte do complexo começou a ser reconstruído. Mas sem incentivo, nem financeiro nem técnico, o cobiçado ponto de lançamento estava condenado a ir para o espaço, na pior das acepções da palavra.
Não é que de repente, as coisas começaram a se movimentar? Recentemente, Elon Musk manifestou o desejo de usar o local para seus Falcon Heavy; os sul-coreanos planejam em breve lançar satélites em massa por lá, tal qual lançam sucessos de K-Pop.
Já que falamos em sucessos musicais, não é que o primeiro que irá usar pra valer nosso Centro de Lançamento é justamente Richard Branson, o presidente da gravadora Virgin?
Não é pra lançar nenhum sucesso fonográfico, tampouco um disco voador: a gravadora tem uma empresa-irmã, a Virgin Orbit. Que agora tem uma empresa-filha, a Virgin Orbit Brasil, conhecida pelo apelido Vobra.
E o que faz essa empresa de nome estranho? Claro, lança foguetes! Porém, lembre-se, a estrutura de Alcântara não foi totalmente reconstruída. Como é que a empresa de Branson conseguiu sair na frente?
Porque ela não precisa de grande coisa. Em vez de um complexo sistema de lançamento, como precisam os Falcon, as Starship ou as naves da Blue Origin, a Virgin Orbit não está nem aí para uma plataforma!
A Garota Cósmica
Quem manda aqui é a Cosmic Girl, um enorme Boeing 747 adaptado. Lembra das imagens dos primeiros ônibus espaciais, que andavam nas “costas” de aviões? O princípio é parecido, mas quem voa “debaixo do braço” da Cosmic Girl é o LauncherOne. Numa certa altitude, a aeronave “solta” o foguete em direção à órbita e retorna à base.
A parceria entre a Virgin, a Agência Espacial Brasileira, que tenta se reerguer, e a FAB, deve começar a valer já em 2023, com os primeiros lançamentos deste sistema. A empresa de Branson, que começava a ficar atrás das concorrentes, ganha uma vantagem (ou pelo menos uma aceleração) importante.
Além da posição geográfica próxima ao Equador, o Centro de Lançamento de Alcântara tem algumas características únicas: a região tem condições climáticas excelentes, permitindo lançamentos em qualquer época do ano; pouco tráfego aéreo nas redondezas; e como todo mundo já sabe, o Brasil não tem terremoto nem furacão. Ao menos não dignos de preocupação.
A aposta de Branson foi tão certeira, que as ações da Virgin saltaram 19,2% no dia seguinte em que a notícia chegou ao mercado. O setor de lançamento de satélites cresce quase 9% ao ano. Quer mais? Neste estilo de lançamento, não é necessário muito planejamento prévio. Basta decolar e fazer o seu trabalho. De longe, o padrão mais econômico e rápido para enviar satélites para a órbita.
O LauncherOne, pegando "carona" na Cosmic Girl | Imagem: SpaceNews
Quase duas décadas depois da tragédia, a base de Alcântara tem a chance de recuperar suas funções originais, graças ao dinheiro da iniciativa privada.
Se o valor arrecadado com o aluguel das instalações reverter em desenvolvimento e reconstrução das instalações, formação de novos técnicos, cientistas e engenheiros, sem se perder no buraco negro da corrupção e da política rasteira, voltaremos a conquistar espaço. No espaço.
Eu volto.
Este artigo foi escrito por Clarissa Blümen Dias e publicado originalmente em Prensa.li.