Algocracia: Você não é mais um número, mas um algoritmo!
Quantas vezes você ou outras pessoas que conhece se queixaram de serem apenas números perante um órgão público? Essa fase pode estar superada, pois não estamos mais vivendo somente na Burocracia, mas na era da Algocracia. E isso é bom? A resposta: sim e...não.
Antes precisamos conceituar a Burocracia não na sua acepção mais comum como o excesso de papeis e a ineficiência. Burocracia é um sistema de controle focado em processos nos quais toda a tramitação está prevista em alguma norma e é atribuída a funcionários específicos, que somente executam o formalmente previsto. Foi uma resposta ao Patrimonialismo, caracterizado pela apropriação de todos os recursos estatais pelo governante.
Nesse último caso, o patrimônio do Estado e o do governante eram considerados uma coisa só. A distribuição dos recursos financeiros e a distribuição de cargos obedeciam apenas à conveniência do mandatário. Em sentido contrário, a Burocracia impôs a separação entre o público e o privado, estabeleceu a vigilância e o controle dos atos administrativos e a hierarquia.
Portanto, a Burocracia não é necessariamente ruim no seu todo. O problema são suas distorções, sendo uma delas a estrita impessoalidade. É a impessoalidade a responsável por definir qualquer pessoa como um número, desconsiderando determinadas necessidades que somente um atendimento humanizado é capaz de prover.
É a causa do conhecido “jogo de empurra”, porque, incapaz de dar a resposta necessária, resta ao funcionário livrar-se do problema e o cidadão entra numa interminável peregrinação por órgãos que, por sua vez, recomendam mais e mais documentos e declarações que possam encontrar algum sentido em algum regulamento.
Preciso dizer que até hoje não superamos nem o patrimonialismo – a corrupção é notícia todos os dias para nos lembrar disso – e nem o burocratismo. A Algocracia responderá a algum desses problemas? É o que passamos a analisar.
Everywhere
Algoritmos deixaram de ser apenas uma expressão matemática para serem uma rotina em nossas vidas. Eles estão:
nas redes sociais;
nas páginas que você visita (inclusive nesta);
no sistema financeiro;
nos canais de streaming;
no atendimento médico à distância...
Não há limites para a aplicação dos algoritmos.
O 1º algoritmo da história foi concebido por Augusta Ada Byron King, condessa de Lovelace. A inglesa Ada Lovelace – para simplificar – fez a representação matemática do funcionamento da máquina analítica de Charles Babbage. Ela foi projetada para executar cálculos baseados em cartões perfurados no que é considerado o primeiro computador. Babbage ganhou o título de pai do computador e Ada é reconhecida como a mãe da programação.
Apesar da contribuição de ambos, a palavra deriva do matemático árabe Al-Khwarizm. Considerado o pai da álgebra, viveu no século 9 e introduziu o cálculo com números decimais e outras fórmulas que perfazem nossos pesadelos na matemática.
Algoritmos nada mais são do que instruções específicas que resolvem desde problemas matemáticos, como cálculos e equações, até determinam a execução de tarefas simples ou complexas. Num e noutro caso, há um objetivo ou uma saída esperada. Um exemplo de uma sequência de instruções pode ser uma receita culinária, por exemplo. Se você quiser fazer um bolo, que é o seu objetivo, há várias entradas (ingredientes) e a preparação (processamento).
Algoritmos podem ser representados por um diagrama de fluxo simples como este:
Resumindo: são rotinas logicamente encadeadas.
Por óbvio, apesar de ser um conjunto finito de instruções, o algoritmo não indica apenas um caminho que será sempre traçado. A partir da entrada das informações, que são variáveis, e os comandos de repetição identificando semelhanças, segmentação e informações lógicas, será indicado o caminho para o objetivo lógico.
Aproveitando a proximidade das eleições, podemos citar as urnas eletrônicas que funcionam a partir de logaritmos e registram as entradas dadas pelo eleitor em votos nominais, nulos e em branco, totalizando cada situação e a quantidade de votantes e as ausentes a partir da base de dados. É um exemplo de processamento repetitivo de dados até a finalização. E essa é outra característica do algoritmo: ele é finito, ou seja, sua execução termina com o objetivo apresentado.
Como uma de suas funções é a comparação e a segmentação, o código é responsável por registrar suas preferências, gostos, costumes, frequência e devolvê-las na forma de opções obedecendo os mesmos padrões. Assim, permitimos a máquinas, sistemas de busca, redes sociais e lojas virtuais que conheçam nossos perfis de consumo, necessidades, interesses e até nossos medos e inseguranças.
Por conhecer cada vez mais a nosso respeito, os algoritmos programam-se para oferecer respostas mais precisas. É onde entra a Algocracia ou o governo por algoritmos.
Governo por Algoritmos
Como podemos avaliar, os algoritmos têm tudo para interessar aos governantes. É um campo onde toda a informação interessa e pode indicar tanto o alcance de políticas públicas como o grau de satisfação dos usuários ou, sob um aspecto financeiro, como está a arrecadação de impostos e níveis de inadimplência. Contudo, podem esses mesmos dados serem usados para exercer controle?
Claro que a dataficação estratifica informações que podem ser mais ou menos de interesse de órgãos a depender do comando político. Max Weber, ideologizador da Burocracia, definiu o Estado como uma relação de dominação do homem sobre o homem a partir da violência legítima. Segundo Foucault, governar é conduzir condutas. E o relacionamento entre o cidadão e o Estado é verticalizado, com evidente supremacia da vontade estatal sobre o indivíduo.
Com o potencial dos algoritmos de automatizar processos e reduzir a intervenção e a supervisão humana, é previsível que haja mudanças na estrutura estatal na direção de sua redução e eficiência. A impessoalidade, conquanto seja um princípio da gestão pública e característica burocrática, tende a ser amenizada com a mencionada datificação que identifica grupos e subgrupos dos usuários dos serviços ou contribuintes, permitindo ações direcionadas e limitadas.
Se os algoritmos podem ampliar a capacidade de resposta aos cidadãos, isso parece limitado. O controle, não. E não faltam vozes como a de Aneesh (2009) a alertar do ganho na arte de conduzir condutas com o “saber algorítmico”, provocando sorrateiramente manipulação, cerceamento e controle de uma forma até insuspeita.
O cuidado a ser tomado é que a vontade estatal se divide entre a administração e a governo. A administração é o aparato técnico e material, voltado para a satisfação dos interesses do Estado, enquanto o governo concentra o programa político do grupo que exerce o poder.
No nível de execução, a Algocracia foca nas rotinas administrativas em geral. No nível de decisão, onde são analisadas a eficácia e a efetividade, temos o direcionamento político que pode beneficiar grupos e empresas em detrimento de outros grupos e empresas, planos de manutenção e exercício do poder, alterações de interesse na legislação e tomadas de decisão com impactos amplos que, por vezes, são também temerárias.
Não há dúvida de que os algoritmos podem representar vantagens quantitativas e qualitativas em termos de fornecer opções e orientar, auxiliando decisões. Nas áreas pública e privada, são instrumentos de gestão e crescimento potentes, quando bem utilizados. Entre as empresas privadas, há exemplos de abuso na utilização dos dados visando condicionar comportamentos e consumo de modo nocivo. No setor público, amplia as possibilidades de governabilidade a partir de mais controle e assimetria de informações.
Já vivemos numa Algocracia?
Plenamente, não. Longe disso.
O desenvolvimento tecnológico acontece de maneira heterogênea no setor público e temos setores muito avançados convivendo com outros pouco avançados. Há um grande abismo separando as diversas regiões de um país de dimensões continentais em termos de recursos materiais e tecnológicos. Mesmo municípios próximos experimentam diferentes graus de desenvolvimento.
Porém, como tendência, podemos esperar o avanço do uso dos algoritmos na representação do cidadão por conter informação mais precisa e relevante.
Não seremos mais números, mas algoritmos!
O algoritmo, em princípio, é neutro. Como qualquer ferramenta, pode ser usada conforme a vontade humana. A Algocracia pode conviver bem com a Democracia ou com a Autocracia. No futuro, não sabemos quando teremos um democrata ou um ditador.
Mas teremos, indefectivelmente, um ALGOCRATA!
Este artigo foi escrito por Renato Assef e publicado originalmente em Prensa.li.