Alguém disse que eu sou Cringe
Foi necessário um distúrbio na Força da Internet para eu perceber que passei da idade.
E dá pra reparar que, só por fazer uma referência a Star Wars (a trilogia clássica, ainda por cima), eu passei longe.
Nestas duas últimas semanas, o vocabulário do interneteiro médio brasileiro cresceu e ficou um pouco mais torto. CRINGE virou mais uma arma numa guerra sem fim entre o adolescente malvado e o adulto saudoso.
Sabe quando você está assistindo The Office, e o Steve Carell faz alguma coisa que gera em você um sentimento que mistura repúdio, vontade de morrer e uma espécie de arrepio? O nome disso, em inglês, é cringe. E essa série popularizou o estilo de humor onde o desconforto faz você dar risada.
Ou seja, o verbete significa uma reação a algo que lhe causa vergonha alheia.
A conclusão seguinte, dado o cenário, é que minhas escolhas de indumentária, refeições e até com o que eu ocupo meu tempo ocioso me tornaram alvo dessa corja de gente que nasceu depois da queda do World Trade Center. O pessoal quer me convencer de que eu sou velho.
Era um filme muito legal! Tem o Matthew Broderick! O Ferris Bueler! (Imagem - Divulgação)
E tudo bem. Não tem problema encarar a verdade: o Millenial não é mais jovem. Como diz o grande poeta James Hetfield, “É Triste, Mas É Verdade”*. Escrevo estas palavras na mesma semana que faleceu o diretor de Goonies, de Superman: o Filme e de O Feitiço de Áquila**, grandes marcos da década zumbi, os anos 80. Ou seja, muitos dos marcadores que nos formaram não sobreviveram.
Outros se reinventaram. Veja só que Star Wars não só conseguiu entregar uma nova trilogia, juntar bilhões na bilheteria e decepcionar (deixa eu calcular…) 52% de seus fãs com o último filme. Pelo menos no Disney+, o Mandaloriano está indo muito bem, obrigado.
É muito insano pensar que não vai demorar nada para que filmes de super-heróis sejam considerados coisa do passado. Bregas, sem valor, ridículos. Poxa, nem as séries da Marvel sobrevivem (se bem que, dado o assunto, WandaVision nasceu… nos anos 50 né)?
O Loki acabou de admitir ser bi! O que mais vocês querem, pós-pós-pós-modernistas?
Eu sou o cara que ainda ouve (e aprende com) Pink Floyd. É o tipo de banda, de artefato cultural, que sobreviveu algumas gerações. Será que meus netos vão ouvir K-Pop? Serão fãs da Pixar (como nós somos)? Serão fãs de anime como… Bem, quase todo mundo da minha idade?
"Eu não aguento esses jovens de hoje", diz o jovem de ontem, reclamando da própria geração. Hã? (Imagem - Divulgação)
Penso no Bo Burnham e no excelente especial de comédia que ele lançou no Netflix. É, basicamente, um Millenial reclamando da cultura da internet de hoje. E descubro que é a nossa sina, de nos tornarmos nossos pais. Gente que reclama da cultura alheia (apesar que o Burnham tem muita razão de reclamar).
O futuro, literalmente, de “ser passado”, vai chegar para todos. E para o pessoal que dominou a cultura pop nos últimos tempos, já chegou.
Tolkien? Cringe. Douglas Adams? Cringe. Se chamar de nerd, em resumo? Sim, “crinjou”. E aí já passamos dos limites. Quando declararam que tomar café da manhã (costume que levei anos para aperfeiçoar) está no balde do cringe, alguma coisa precisa ser feita.
Temos que - com todo o respeito - ignorar a juventude.
Se o guri que nunca soube o que é uma conexão discada passar na sua frente e caçoar do seu calçado, da banda na sua camiseta, do filme no seu stream ou do game no seu console (Super Mario? Faça-me o favor!). Erga o copo de Coca-cola Zero e saúda o delinquente.
Não minta. Você lembra. Não é brinquedo não. (Imagem - Jayme Monjardim/Globo)
Passamos por um governo Collor. Fomos ao cinema ver o terceiro filme da série Matrix. Ouvimos RBD. Lembramos quem é Kléber Bam-Bam. Nós lemos a Saga do Clone. Assistimos a novela O Clone.
Os mais velhos de nós nem nasceram numa democracia.
Chamar a gente de Cringe é quinta-feira.
Ser velho é ter casca grossa.
*- é claro, Metallica é cringe.
**- Cringe, Muito Cringe, Meu Deus ela vira um falcão??
Imagem de capa - Divulgação