Amanda Knox: quem está contando a verdade?
Atenção - Descrições de violência
Perúgia, localizada na Itália, é uma cidade conhecida por acolher estudantes de diversas nacionalidades. No ano de 2007, recebeu Amanda Marie Knox, de Seattle (EUA), e Meredith Susanna Cara Kercher, de Southwark (Reino Unido), ambas com 20 anos.
CRIME – Após voltar para casa, depois de uma festa de Halloween, Meredith foi direto para o seu quarto. Suas colegas de quarto não estavam. Na madrugada da noite do dia 1º de novembro para o dia 2, a jovem foi brutalmente assassinada.
Amanda relata que, na noite do crime, estava na companhia do seu namorado, o italiano Raffaele Sollecito. Ela o conheceu uma semana antes do crime. O casal conta ter assistido ao filme “Amélie” e foi durante o filme que ela teria recebido a mensagem de Patrick Lumumba, seu chefe, avisando que naquele dia ela não precisava trabalhar. Então assim seguiu a noite, os dois juntos.
Na manhã seguinte, Knox voltou para casa, e ao chegar encontrou a porta de entrada aberta. Ela foi em direção ao banheiro, para tomar banho. Assim que entrou viu algumas gotas de sangue na pia, mas que não despertaram sua curiosidade.
Após sair do banho, Amanda deu de cara com uma mancha de sangue maior. Como eram apenas algumas manchas, ela comenta ter imaginado que uma de suas colegas de quarto poderia ter se cortado. A jovem seguiu com suas atividades e, ao terminar, ela percebeu que havia fezes na privada, e define esse momento como o que mais a causou arrepios, pois foi nessa hora que ela teve o pressentimento de ter alguém na casa. Amanda chamou Raffaele e contou o que estava acontecendo.
Eles foram ao quarto da Meredith, a porta estava trancada, o que para Amanda era estranho. Ela bateu na porta e chamou pela colega. Sem respostas, começou a bater com mais força e gritar pela Meredith. Foi então que ela pediu que Raffaele arrombasse a porta. Ele tentou duas vezes, sem sucesso. Sollecito liga para a polícia. A princípio, ele relata que a casa está uma bagunça, uma porta trancada e sangue no banheiro.
INVESTIGAÇÃO – O promotor italiano Giuliano Mignini conta que a cena é algo que ele tem em sua cabeça até hoje. O fato de o corpo de Kercher estar coberto fez Giuliano pensar: ‘quando uma mulher comete crime contra outra mulher, tende a cobrir o corpo. Um homem não faria o mesmo’.
A polícia deu início aos depoimentos. Raffaele Sollecito revela ter sido muito pressionado em seu interrogatório, e acrescenta que o coagiram ao ponto de acabar mentindo ao revelar que ele ‘não contou a verdade a pedido da namorada’. Que, na verdade, ele estava em casa à noite, mas Amanda não. Neste momento, era preciso provar que Knox tinha saído e, por isso, exigiram seu celular.
Amanda foi submetida a interrogatório, assim entregando o seu celular. Ao olhar por todo o aparelho, a polícia encontrou sua conversa com Patrick Lumumba. Foi encontrada a seguinte mensagem de Knox para Lumumba: “Certo. Ci vediamo piu tardi. Buona serata!”, o que significa: “Até mais tarde, boa noite”.
A norte-americana tentou explicar, mas a polícia estava irredutível. A pressão da polícia continuou, até o momento em que a garota entrou em colapso e uma confissão apareceu. Amanda alega que Lumumba tinha matado Meredith. O que levou a polícia a acreditar que, na verdade, ela e Raffaelle tinham sido cúmplices.
Foram presos o casal e o dono do Le Chic. Amanda Knox explica: “O que os meus acusadores não reconheceram era que eu fui coagida a assinar uma declaração escrita pela polícia, que incriminava Patrick Lumumba depois que fui submetida a 53 horas de interrogatório, por cinco dias, em uma língua que eu falava com a ‘proficiência’ de uma criança de 10 anos, e sem acesso a um advogado”. Três semanas após sua prisão, Patrick apresentou um álibi e foi solto.
Sem ter achado a arma do crime, a polícia foi até a casa de Raffaele, onde acharam uma faca que batia com as características da arma usada. O DNA da Amanda foi achado no cabo. E, na lâmina, DNA da Meredith.
Três semanas após o assassinato, foram achados vestígios na vagina da Meredith e digitais na cena do crime, e quem teria deixado os vestígios era Rudy Herman Guede, com um histórico de invasão de propriedade à vizinhança. Em uma conversa pelo skype com a polícia, Rudy relatou que na noite anterior tinha passado a noite com Meredith.
Guede foi ao banheiro e ouviu um grito, vendo um homem, mas não conseguiu identificar pois estava muito escuro e ele havia fugido pela porta da frente. Rudy encontrou Meredith no chão, sem vida, e sentiu medo por estar coberto de sangue. Durante a conversa, ele falou que Amanda não era culpada, e que a americana nem estava no local. Rudy Herman Guede foi declarado culpado e sentenciado a 30 anos de prisão por sua participação no crime, sendo reduzida para 16 anos pela apelação. Até hoje, se declara inocente pelo o que ocorreu.
Dois anos após o crime, Amanda e Raffaele são sentenciados a 25 anos e 26 anos de reclusão, respectivamente. Dando início, no ano seguinte, ao julgamento de apelação, em que foi autorizada uma revisão independentemente de DNA. O doutor Stefano Conti, um especialista forense independente, explica a facilidade com que uma pessoa pode deixar vestígios de DNA.
E ainda acrescenta que a cena de um crime deve ser mantida estéril o tempo todo, o que em sua percepção não aconteceu na cena do crime de Meredith Kercher. “Quando uma pessoa mexe a mão, a pequena quantidade de pó que se forma em volta deixa vestígios de DNA [...]. No vídeo feito pela polícia forense, havia um caos.
É visto claramente um vai e vem de pessoas sem o macacão de proteção. A proteção dos sapatos não era trocada e eles raramente trocavam as luvas. Confusão, a própria polícia forense disse isso. Há uma desorganização absurda em todos os sentidos”, argumenta Conti.
A doutora Carla Vecchiotti, diretora do laboratório de genética forense de Sapienza, levanta um questionamento com relação à contaminação da cena do crime, uma das questões levantadas pelo tribunal. E analisa o trabalho da polícia italiana e o laboratório responsável pelo caso: “A contaminação foi uma das questões levantadas pelo tribunal. Poderia ter tido uma contaminação? O fecho do sutiã de Meredith foi encontrado em um tapetinho 46 dias após o crime.
Aliás, no fecho havia DNA de Sollecito, mas havia outros dois homens. Porém a polícia nunca considerou como evidência. O DNA deve ser objetivo, sem interpretações de qualquer jeito. Também teve problemas de contaminação no laboratório. A polícia forense identificou o perfil de Amanda, isso era nítido, um bom perfil.
Mas o perfil de Meredith era muito pouco, quando se tem pouco DNA, a probabilidade de contaminação é muito alta”. O doutor Stefano Conti explica que após esses 46 dias é possível que outras pessoas tenham trago vestígios de DNA do corredor, banheiro, cozinha ou outros cômodos para o quarto de Meredith.
A doutora Carla Vecchiotti expõe que a polícia forense foi questionada sobre a análise da arma do crime. “Foi perguntado à polícia forense se a faca foi analisada individualmente sem nenhuma outra evidência, e eles responderam que foram analisadas 50 amostras de Kercher ao mesmo tempo, e que o laboratório não podia fechar só porque a moça morreu.
Então é possível se dizer com certeza que os resultados foram contaminados.”, relata. E assim, o casal foi absolvido pelo Tribunal de Apelação. A nova sentença foi apelada à Corte Suprema da Itália, tendo o veredito final como absolvição por “falhas atordoantes” na investigação. A justiça definiu ‘ausência total de traços biológicos’ que ligassem Amanda Knox e Raffaele Sollecito ao crime. O tribunal afirmou que evidências ainda apontam Rudy Guede como culpado.
MÍDIA – Perúgia é uma cidade pequena e o assassinato gerou muita repercussão. Durante a perícia faltou um devido isolamento da cena do crime por parte da polícia italiana, possibilitando, assim, uma grande aproximação da mídia do local. Nick Pisa, um jornalista Free Lancer do Daily Mail, comenta que o crime era particularmente horrível: corte na garganta, mulher seminua e muito sangue: “O que você quer mais da história?”, questiona ele.
No dia da autópsia, havia muitos jornalistas ‘acampados’, pois qualquer novidade era a oportunidade perfeita para sair na frente do concorrente. Com a autópsia, a polícia relatou que o crime foi cometido em grupo e que poderia ter ocorrido em um jogo de sexo que não deu certo. Nick relata que este ‘furo’ era o que ele precisava.
A produtora-chefe da Record Vale, Mylla Lustoza, diz que no caso “Amanda Knox” ficou claro que as informações geradas pela imprensa foram prejudiciais. “Posso dizer que naquele período ela foi massacrada pelo conteúdo gerado e os conflitos da informação desencontrada”.
Nick afirmou que tudo o que foi divulgado na mídia era o que foi passado aos jornalistas. E ainda diz que seria impossível checar a veracidade da informação pois ele perderia a liderança. Sobre esta fala de Nick, Mylla diz: “O caso Amanda Knox foi cheio de adrenalina, houve a preocupação exacerbada dos jornalistas de diferentes veículos de comunicação em dar o furo de reportagem, o que ocasionou os vários erros cometidos na cobertura”.
TRIBUTO À MEREDITH – “Eu acho que uma coisa muito legal para você fazer em seu artigo é escrever algo sobre a Meredith. Ela era uma jovem muito atenciosa. Ela gostava de ler romances de mistério e tinha muitos interesses na escola, incluindo jornalismo”, diz Amanda Knox.
“Não é exagero algum dizer que Meredith tocou a vida de todos que conheceram sua personalidade contagiante e otimista, sorriso e senso de humor. Nós a amávamos antes. E ainda a amamos”, declarou em suas palavras a irmã de Meredith, Stephanie Kercher.
Este artigo foi escrito por Júlia Dias Pereira e publicado originalmente em Prensa.li.