Amigos, amigos...
Não há o que discutir. Na vida real ou na cultura pop, amizade é uma coisa que nunca sai de moda. O tema abarca diversas possibilidades, incluindo vários formatos: humanos e baleias, humanos e alienígenas, super-heróis e cantores sertanejos… mas aí já é outra história.
Poucas representações de um grupo de amigos, com todas as suas virtudes e defeitos, foram tão bem sucedidas quanto Friends, série de TV com nada menos que dez temporadas e inacreditáveis 236 episódios.
Criada originalmente com o título Insomnia Cafe, a série explodiu por levar a sério a regra menos é mais.
Conta com um grupo de personagens sem nenhuma característica excepcional, sem nenhum segredo aparente, sem superpoderes. Gente como a gente, do tipo que você encontra na fila do banco ou trombando com o carrinho do mercado; cada um vivendo sua vida, com suas alegrias e dissabores, e só.
“Bem-vinda ao mundo real. É uma droga. Você vai gostar”
Friends rapidamente encontrou eco – e ainda encontra – em milhões de telespectadores de todo o planeta. Afinal, quem disse que a vida comum de gente comum não interessa ao público? As seiscentas mil versões de reality shows de confinamento que o digam!
Quando a série foi lançada nos Estados Unidos, em 22 de setembro de 1994, através da NBC, a emissora contava com outra série fazendo um estrondoso sucesso: Seinfeld. Algumas comparações com a “série sobre nada” foram inevitáveis. As duas sitcom retratavam um grupo de amigos na faixa dos trinta anos, morando em Nova York, e falavam sobre “nada específico”, a vida cotidiana de cada personagem. Mas logo Friends mostrou um estilo narrativo muito mais humano e emocional, e conquistou seus próprios fãs.
“Eu sou o Chandler, eu faço piadas quando estou desconfortável”
A série, que por pouco não foi batizada como Friends Like Us, ou talvez Six of One, ou ainda Across The Hall, veio mostrar o dia-a-dia de seis amigos, convivendo em apartamentos vizinhos.
A cozinheira (e maníaca por limpeza) Monica Geller (Courtney Cox); seu irmão, o paleontólogo recém-separado Ross (David Schwimmer); a amiga de infância Rachel Green (Jennifer Aniston); o ator aspirante a galã, Joey Tribbiani (Matt LeBlanc); o transmissionador (seja lá o que isso signifique) Chandler Bing (Matthew Perry); e a… bem, é difícil definir Phoebe Buffay (Lisa Kudrow), mas é aquele tipo de personagem que os roteiristas costumam categorizar como tudo pode;
Nesse caso, a Phoebe pôde mesmo: durante a série, foi cantora e compositora, terapeuta massagista, garçonete em funerais, secretária, professora de violão, assaltante, professora de francês… num determinado momento, foi até barriga de aluguel de seu irmão. Nunca houve limite para a personagem.
“So no one told you life was gonna be this way... ”
A série teve um tema musical contagiante (pra não dizer grudento), I’ll Be There for You, sem dúvida o maior sucesso da banda The Rembrandts. Fale a verdade, você não vai conseguir lembrar de nenhum outro sucesso deles sem pesquisar. O tema também era o terror dos editores de imagem do programa: a abertura de cada episódio tinha uma sequência de imagens diferente do anterior, sincronizadas com as palmas cadenciadas da música. Se você assistiu Friends, sabe perfeitamente do que estamos falando (e já ouviu o trecho da música na sua mente, não esconda).
Os personagens tornaram-se absolutamente icônicos conforme as temporadas avançaram, e cada arco contribui para o desenvolvimento psicológico deles. Há uma curiosidade, entretanto, remontando à pré-produção do episódio piloto.
“Vamos tomar um café?”
A personagem Rachel Green, sem sombra de dúvida uma das mais carismáticas da série, teve sérios problemas para a escalação de sua intérprete. Diversas atrizes, entre outras, Téa Leoni, em alta na época, e a própria Courtney Cox, que interpretou Monica, foram escaladas para o papel de Rachel, a patricinha que teve uma epifania e largou o noivo no altar. Uma a uma, as atrizes recusaram o papel. A percepção é que a pobre Rachel seria antipática para o público, e temiam ter sua imagem associada à personagem.
Acabou sobrando para Jennifer Aniston, que estava no ar em outra série na CBS, emissora concorrente. Segundo a atriz, a direção da outra série recomendou que recusasse a oferta da NBC, porque Friends Like Us não iria emplacar. Entretanto, a série da CBS naufragou em exatos oito episódios e Aniston ficou livre para assumir o papel de Rachel.
Sorte? Não exatamente. Conta-se nos bastidores que ao saber do interesse da produção em contar com a atriz, o chefão da NBC manobrou sua programação colocando Seinfeld, seu campeão de audiência, em confronto direto com a série em que Aniston participava na CBS; o estrago foi tão grande que o programa sequer chegou a terminar a temporada.
“Eu tive de cortar alguns luxos, como pagar coisas”
Friends coleciona algumas marcas invejáveis. Talvez as maiores sejam os valores cobrados por inserção comercial nos intervalos do último episódio, The Last One: nos Estados Unidos, cerca de um milhão e meio de dólares; no Reino Unido, onde era exibido pelo Channel 4, um milhão e duzentas mil libras!
Não é para menos… na última temporada, cada um dos seis personagens principais recebeu a bagatela de um milhão de dólares por episódio. Antes disso, apenas Jerry Seinfeld, o protagonista de Seinfeld, recebia um montante desses. Graças ao poder de persuasão de Lisa Kudrow, a Phoebe, que liderou as negociações do elenco com a direção de produção.
“Smelly Cat, is not your fault... ”
Kudrow protagonizou outra passagem notável: sua personagem, Phoebe Buffay, era irmã gêmea – idêntica – de uma personagem da série Mad About You (aqui exibida como Louco por Você) outra sitcom de enorme sucesso exibida pela NBC. Obviamente, a garçonete Ursula Buffay era interpretada pela própria atriz, nos dois anos anteriores à estreia de Friends.
Ursula Buffay acabou aparecendo em oito episódios da série. Num deles, os protagonistas de Mad About You, Paul (Paul Reiser) e Jamie (Helen Hunt) vão tomar um café no Central Perk, o bar onde os amigos se encontravam praticamente em todo episódio. Lá, dão de cara com Phoebe, e a confundem com a irmã. Possivelmente entre uma apresentação e outra de Smelly Cat (o Gato Fedorento), seu maior sucesso como cantora de bar.
Além de Helen Hunt e Paul Reiser, Friends acumulou dezenas de participações especiais durante todo o período em que foi produzida. Atores do calibre de Bruce Willis, Tom Selleck, Brad Pitt (marido de Jennifer Aniston na época), Jon Favreau, Susan Sarandon, Paul Rudd, Anna Faris, Robin Williams, Julia Roberts, Gary Oldman, George Clooney, Isabella Rossellini, Jeff Goldblum, Reese Witherspoon, Christina Applegate e muitos, muitos, muitos outros mesmo deram as caras em diversos episódios.
“Eu sou a Rachel. Eu amo o Ross. Eu odeio o Ross. Eu amo o Ross. Eu odeio o Ross”
No Brasil, Friends estreou no bloco Terças de Limão do Sony Entertainment Television, em 4 de fevereiro de 1996, migrando para o Warner Channel em sua oitava temporada. Não contente em continuar a transmissão à partir daquele momento, a Warner (do mesmo grupo controlador da NBC) exibiu a série desde o primeiro episódio em horários alternativos, e pasmem, continuou a exibir até meados de 2021.
A série exibiu seu último episódio nos Estados Unidos em 6 de maio de 2004. Resolvendo diversos conflitos e amarrando todas as possíveis pontas soltas de roteiro que foram abertas em dez temporadas: o eterno vai e vem do relacionamento de Rachel e Ross (o ponto mais alto), a formação de uma família entre Monica e Chandler, e até mesmo Phoebe acabou se casando. Joey… bem, Joey continuou desempenhando seu papel em Days of Our Lives, a novela mais longeva do planeta. Possivelmente, da galáxia.
“How you doing?”
O personagem de Joey pode não ter tido sorte no amor, mas para compensar, foi o único a ter seu próprio spin-off em Joey, aqui conhecido como Vida de Artista em sua exibição pelo SBT. Contava o que aconteceu com o personagem em sua mudança de Nova York para Los Angeles, correndo atrás de seu sonho hollywoodiano. Mas o personagem foi tão descaracterizado que afastou o público. Joey foi cancelada em 2006, após duas temporadas.
Boatos sobre a produção de um (ou mais filmes) baseados na série começaram a circular já em 2004, tanto por revistas e programas de fofocas quanto no imaginário popular. Afinal, se com Sex and The City deu certo, como não daria certo com Friends?
"Uma promessa entre amigos não precisa ser justificada"
Mas os boatos nunca foram além de boatos. Até que em 2019, chegou a notícia que a Warner estava pensando em reunir novamente o elenco para fazer alguma coisa. Bem, em linguagem de negócios em TV e cinema, quando uma notícia destas surge dizendo que determinada empresa está pensando, significa está decidido, já temos data, orçamento, toda a equipe e elenco já está contratada e assinou um contrato de confidencialidade.
Em 27 de maio de 2021, foi liberado nos Estados Unidos (e em boa parte do planeta) The One Where They Get Back Together (Aquele Onde Eles Ficam Juntos Novamente), também conhecido como Friends - The Reunion. O especial, que trouxe toda a turma para relembrar os dez anos em que passaram juntos, foi criado como estratégia de lançamento para a plataforma de streaming HBO Max, da Warner Media, e é claro, tornou-se um sucesso instantâneo. No Brasil, o especial foi liberado em 29 de junho, também no lançamento da versão nacional da plataforma, sendo ainda hoje seu carro-chefe.
“Oh… meu… Deus!”
Para fechar, você já mudou de apartamento sem perceber? Bem, nossos Friends, sim. Nos primeiros episódios, habitavam os apartamentos 4 e 5 do prédio; repentinamente, e sem nenhuma explicação, os números nas portas surgiram como 19 e 20.
A explicação lógica para isso é até bem simples… alguém na produção observou que apartamentos com numeração unitária em Nova York (e em boa parte do mundo) costumam estar restritos ao andar térreo dos velhos prédios. Assim, eles não poderiam estar num andar superior e observar certas coisas da vizinhança, como o tal peladão do prédio em frente.
Fato aliás bastante comum para quem já morou em um apartamento com janelas para edifícios vizinhos. Eu garanto!
Este artigo foi escrito por Arthur Ankerkrone e publicado originalmente em Prensa.li.