Anitta e Pabllo Vittar: o mercado brasileiro não será mais o mesmo após o Coachella 2022
(Getty Images)
No dia 03 de janeiro de 2020, as artistas brasileiras Anitta e Pabllo Vittar foram anunciadas no lineup do Coachella, então programado para acontecer em abril do mesmo ano. Isso era tudo que os fãs de música pop gostariam para 2020, mas em poucos meses ninguém falaria mais sobre festivais de música, a atenção se voltaria para a guerra que o Brasil e o mundo começavam contra um inimigo mortal, o coronavírus.
Foram dois anos de incertezas até que as vacinas chegassem e a vida começasse aos poucos a voltar ao fluxo normal, e finalmente, nos últimos finais de semana, o público pôde conferir as participações nacionais no festival californiano. Ao som dos medleys de funk, o Brasil voltou a celebrar com orgulho as suas cores.
O festival
Realizado na cidade de Indio, na Califórnia, é destaque anual na lista de festivais de música, reunindo em três dias o que há de mais promissor no cenário artístico. O Coachella já foi palco de momentos históricos, como o show Homecoming, da cantora Beyonce, em 2018, o show do Prince, em 2008 e o show de Dr. Dre e Snoop Dog, em 2012.
Artistas brasileiros como Cansei de ser Sexy, Emicida e Seu Jorge já estiveram presentes no lineup de edições anteriores, então, se a presença brasileira não é novidade, por que só agora ficamos eufóricos com a presença dos nossos artistas?
Destaque inédito
A grande novidade é o destaque no lineup. Anitta foi anunciada na terceira linha, e se apresentou no palco principal nos dias 15 e 22 de abril. Pabllo teve seu nome anunciado na quarta linha do cartaz, e realizou shows em 16 e 24 de abril. Mesmo não se apresentando no palco principal, a Drag Queen brasileira foi destaque na mídia internacional e superou a audiência do palco principal na transmissão oficial do festival.
Contrariando aqueles que acham o posicionamento dos nomes dos artistas na lista de atrações uma besteira, Paul Tollet, mandachuva do festival, admitiu em entrevista para a revista “New Yorker” que posiciona com muita atenção os nomes dos artistas, pois para muitos, esse detalhe reflete nos valores dos cachês ao longo do ano. A posição ocupada pelas brasileiras é inédita, e, junto com esse destaque, foi entregue a responsabilidade de representar o Brasil diante do público e da imprensa internacional.
E eu vou jogar bem na sua cara
“Na sua cara”, o feat de milhões - até o momento são 548M de views no Youtube -, esteve presente no set de Anitta e de Pabllo Vittar. Os números astronômicos alcançados por elas na parceria com Diplo, lançada em 2017, já eram uma premonição do que confirmamos no Coachella: as duas artistas são os maiores nomes do pop brasileiro.
Além do feat., outro ponto em comum na carreira delas é a comoção que seus nomes provocam, ao mesmo tempo que são acompanhadas por legiões de fãs, também atraem haters na mesma proporção, isso porque as duas representam tudo o que a ala conservadora do país quer apagar.
É isso que Pabllo Vittar e Anitta fazem, elas jogam na cara daqueles que rejeitam a periferia e a cultura LGBTQIA+, o sucesso que alcançam e escancaram para o mundo que a nossa maior potência artística está na contramão do projeto de país idealizado pelo conservadorismo.
#ANICHELLA é baile de favela
Não podemos analisar a participação de Anitta no Coachella sem entender o caminho percorrido por ela. Em 2020, quando seu nome foi anunciado, ela já era reconhecida como a figura mais importante para o pop no Brasil, gênero que foi moldado pelas estratégias ousadas que a cantora implementou no mercado brasileiro.
Ela foi uma das primeiras a apostar na mistura de elementos nacionais com a estética do pop internacional, e acelerou o ritmo de produção musical no Brasil ao emplacar um hit após o outro. Nos últimos dois anos ela alcançou patamares ainda mais elevados, abrindo as portas do mundo para a música pop feita no Brasil.
A música pop se diferencia dos demais gêneros pela proximidade com a produção em escala industrial. No Brasil é um gênero novo, em potencial expansão. Para um artista se manter no topo, o conceito que ele representa, os sons e todas as referências que ele utiliza precisam estar em harmonia, pois não há tempo entre um hit e outro para começar a construção da sua marca do zero.
Desse modo, cada single faz parte de um processo que, se bem executado e conectado com os anseios do público, caminha em direção ao sucesso. E assim podemos compreender um pouco sobre a carreira de Anitta até o momento, a excelente recepção do público e da crítica à sua participação no Coachella são resultados desse trabalho estratégico e intenso realizado ao longo dos últimos anos.
Enquanto vivíamos o hiato provocado pela pandemia, acompanhamos a ascensão internacional da cantora que realizou grandes parcerias com cantores estrangeiros, como Cardi B e Saweetie, além da histórica conquista do top 1 Global no Spotify, com o hit “Envolver”, feito alcançado com a ajuda dos ouvintes brasileiros que se mobilizaram como uma grande torcida em final de Copa do Mundo. Ainda sob efeito do orgulho dessa conquista, o Brasil acompanhou a apresentação da cantora no palco principal do Coachella.
Identificação
Anitta canta a sua cidade, o seu bairro. Nossa Girl From Honório Gurgel acerta quando faz das suas origens a principal matéria prima do trabalho que exibe para o mundo. O show que assistimos no Coachella é uma exposição do seu storytelling, o que gera identificação imediata com o público brasileiro e proporciona ao público internacional um ponto de vista diferente do que a grande mídia exporta sobre a favela e o subúrbio carioca.
Ela finalizou a participação no Coachella sendo a única artista latina entre os sete shows que foram transmitidos pelo canal principal do festival. Na gíria do pop, Anitta entregou tudo! Desde 2020 ela preparava um show voltado para o público internacional, com a intenção de apresentar o ritmo do funk e elementos da cultura brasileira ainda pouco explorados da fronteira para lá.
Assim foi feito, Anitta conquistou uma excelente recepção estrangeira e a admiração do público brasileiro, que mais uma vez vibrou com o golaço da artista.
Pabblo Vittar - A primeira
A primeira Drag Queen a cantar no Coachella é uma brasileira. Esse é só mais um feito na carreira de Pabllo Vittar, que em 2018 foi a primeira Drag Queen do mundo indicada ao Grammy e em 2021 já era a Drag Queen mais seguida do mundo, em todas as redes sociais. Pabllo traz nas suas músicas a mistura das aparelhagens eletrônicas típicas do norte e nordeste com vocais melódicos, tudo muito bem temperado com elementos e referências do Brega.
O resultado da mistura genuinamente brasileira com a cultura Drag, só poderia resultar no sucesso que Pabllo alcança em todo lugar em que se apresenta.
O Coachella já não era uma grande novidade em sua carreira, em 2019 a artista se apresentou no palco principal ao lado do duo Sofi Tukker, cantando a música “Energia”, aliás, energia é o que Pabllo tem de sobra em suas apresentações ao vivo. Com um show de aproximadamente 40 minutos, ela cantou seus maiores sucessos.
Dividindo o palco com oito bailarinos, a performance com estética eletrônica arrebatou o público presente e ultrapassou a audiência do palco principal em números de espectadores no Youtube, demonstrando a força dos VittarLovers, como são conhecidos seus fãs.
Destaque na mídia internacional
A potência Pabllo Vittar foi destaque na mídia dos Estados Unidos e de outros países. A “Billboard”, revista especializada e referência no mercado da música, destacou a tag #VITTARCHELLA, além de enfatizar o feito histórico da Drag. Outros veículos, como “The Fader” e o colombiano “El Espectador”, deram ênfase aos efeitos que o show provocou na multidão que acompanhava empolgada a performance da brasileira.
E ela não vai parar por aí, Pabllo aproveitou para emendar uma sequência de shows internacionais, com apresentações agendadas nos Estados Unidos, Irlanda, Inglaterra, Espanha, França e Canadá, o que mostra que seu foco atual é conquistar novas fronteiras para a sua música.
O mercado brasileiro não será o mesmo depois do Coachella 2022
Anitta e Pabllo Vittar são exemplos de como estratégias aplicadas às carreiras artísticas funcionam para levar nossa música para mercados até então inexplorados por brasileiros.
A presença das duas em uma mesma edição do Coachella é um marco para toda indústria pop do país, através das suas apresentações, que possuem estéticas e músicas que se apoiam em referências distintas, o potencial e a diversidade do pop brasileiro ficam em evidência em uma das maiores vitrines do mercado da música mundial.
As artistas também carregam a força do público brasileiro. Somos um país com números continentais, o público brasileiro é capaz de erguer um artista à casa dos milhões de views e ouvintes, não por acaso, temos uma sólida indústria musical que se sustenta apenas com o público nacional. Anitta e Pabllo são hoje exemplos de que o mercado internacional não é um lugar tão distante para nossos artistas.
Agora que parte do público internacional conheceu a potência da música pop feita no Brasil, a tendência é que cresça cada vez mais a participação de nomes nacionais no mercado mundial. As portas foram abertas com maestria, é só uma questão de tempo para estarmos presentes nos lineups internacionais.
Cada vez mais será implementado nos planos de carreira os feats. estrangeiros e os hits cantados em mais de um idioma. A indústria pop brasileira tem tudo para alavancar e se tornar um mercado sólido, basta apenas que não esqueça do elemento principal dessa mistura: o próprio Brasil.
Este artigo foi escrito por Beatriz Rhaddour e publicado originalmente em Prensa.li.