Anna Delvey? Bauman explica
As duas Annas. Por Milton Barão
O que há por trás da história da golpista Anna Sorokin?
Para além da liberdade ficcional mostrada na minissérie ‘Inventando Anna’?
Gostaria de refletir sobre isso a partir da pergunta: será que a Anna Sorokin era (é) mesmo real, verdadeira ?
Pensar nisso pode dar um nó em nossos neurônios, mas faz sentido se pensarmos que ela existiu sob um ‘mundo’ de mentiras que deu origem à Anna Delvey.
Esta, por sua vez, só existiu a partir da imaginação fértil e beirando a loucura da sua criadora: a alemã Anna Sorokin.
Pensar na história dessa garota, para além da série, é um exercício interessante. Para começar, é preciso lembrar que na ficção (quase) tudo é permitido. Roteiristas trabalham para criar histórias em torno da vida real. Está quase sempre acusada de ser limitadora, chata e sem graça...
Anna Sorokin que o diga!
Ela, que era somente uma Anna qualquer de uma pequena cidade alemã, sonhava com os mundos glamourosos de Paris e Nova York.
E foi esse desejo comum a tantos jovens que fez com que se ‘transformasse’ em outra pessoa: Anna Delvey.
Ou tentasse se transformar…
Mas indo além da ficção e de todo o trabalho dos roteiristas da série ‘Inventando Anna’, minha intenção é escrever sobre as duas Annas (Sorokin e Delvey) a partir da visão de um gênio chamado Zygmunt Bauman.
E por que Bauman? Porque ele é perfeito para explicar este nosso caótico mundo atual que produz, aos bilhares, pessoas como Anna Sorokin.
Ao falar da "Sociedade líquida" e de como nos movemos em um mundo "em que nada é para durar", entendemos a substância que engendrou Anna Delvey.
E ela é formada, simplesmente, pelo desejo de ser outra pessoa.
Uma outra mais bonita, bem vestida que desperte admiração e imponha respeito. Sua tentativa de viver de forma perdulária, sem se importar com o fato tangível de que não teria como pagar por tudo, é até comovente.
Mas o mundo ‘real’ quis saber: quem pagaria a conta? Ora, os ‘ amigos’ que, convenhamos, só falavam ao redor dela porque achavam que tinha todo aquele dinheiro.
Não vou destrinchar Bauman para explicar Anna Delvey... Só digo o seguinte: o mundo das ‘relações líquidas’ atual é que a ‘pariu’.
O mundo das famas fugazes das redes sociais, este sempre acusado de ser a origem de todos os males do século XXI...
Depressão, consumismo, etc. e etc.
Pois só ali a Anna Sorokin conseguiu impulsionar ‘seus negócios’ e isso é bem assustador!
Mas tudo isso que o grande Bauman ‘previu’ lá atrás só vai se confirmando a cada novo ano deste século XXI.
No fundo, tenho pena da Anna Sorokin e a vejo como uma espécie de Joana D’arc desta nossa insana e bizarra época.
Este artigo foi escrito por Ankara Faulkner e publicado originalmente em Prensa.li.