Ao Charlie, com carinho
Aquilo que parecia improvável, quase impossível, aconteceu.
Charlie Watts, um dos Stones, partiu aos 80 anos de idade, depois de 58 anos como baterista de uma das maiores bandas de rock do planeta. A banda, que dava impressão que duraria para sempre, mostrou que também é feita de humanos.
Watts não participaria da turnê que fora interrompida por conta da pandemia pois estava se recuperando de um problema de saúde, uma cirurgia de emergência, mas, voltaria com tudo em 2022 para celebrar os 60 anos de Rolling Stones. Infelizmente, não será mais o caso.
Em um grupo tão polêmico ao longo dos anos, conturbado às vezes, mas sempre presente e imponente no meio do rock, Charlie Watts era um dos pontos de apoio da banda. Com seu jeito calmo e tranquilo, transmitia a segurança necessária para que tudo voltasse aos eixos e seguisse seu curso novamente. Somando-se à essa calmaria e tranquilidade, vinha um jeito tímido que destoava totalmente dos outros integrantes da banda. E isso se tornou a sua marca.
Do jazz aos Rolling Stones
Watts não começou como um Stone. Começou no Jazz, na Jo Jones All Stars e depois foi para o Blues Incorporated, a primeira banda britânica de blues formada por brancos. Foi nessa banda que ele conheceu Mick Jagger e Keith Richards e foi convidado para, em 1963, se juntar aos Rolling Stones. Fez parte da Invasão Britânica e de todas as turnês da banda, sempre tocando em grande estilo e mantendo o altíssimo nível de sua performance.
Embora fosse um Stone, não deixou sua paixão pelo jazz de lado. Formou o The Charlie Watts Quintet, apresentando-se em turnês pelo mundo, inclusive com dois shows no Brasil.
Não sou baterista, longe disso, mas, por tudo que ouço e leio, todos são unânimes em ressaltar a técnica absurda de Watts, o colocando como um dos maiores bateristas de todos os tempos. Por exemplo, em 2006 ele passou a integrar o Hall da Fama dos bateristas. Foi apontado por um dos críticos musicais mais famosos dos Estados Unidos, Robert Christgau, como o maior baterista de rock do mundo. A revista Rolling Stone o elegeu como o 12º maior baterista de todos os tempos.
Cheio de classe e de uma elegância ímpar, Watts podia não ter o típico perfil de um baterista de uma banda de rock, mas, no meio de sua simplicidade, estava sua grandiosidade. Não fazia questão de estar nos holofotes ou de chamar a atenção para si. Para isso já tinha Mick Jagger ou Keith Richards. Ele tinha seu espaço e sabia disso. Aliás, uma das grandes marcas da banda e um dos segredos de sua longevidade é justamente o fato de se colocarem como iguais. Claro, houveram problemas, como em todo lugar, mas o senso de união os mantiveram nessas décadas todas e os tornaram o que são.
O fã
Agora peço licença para deixar um pouco essa escrita mais formal de lado para escrever como fã.
Cresci em uma casa em que se prezava o rock: Elvis Presley, Little Richard, Creedence, Led Zeppelin, Beatles, Raul. Essas eram minhas canções de ninar. O rock ajudou na minha formação e sou grato demais aos meus pais, principalmente minha mãe, por isso.
Minha trajetória com os Rolling Stones começou lá pelos meus 10 anos quando ouvi Satisfaction tocando em uma rádio. Eu não sabia muito bem quem era, mas, eu soube naquele momento que aquela banda se tornaria uma das minhas bandas preferidas. Fui atrás de suas músicas e me indicaram para ouvir o álbum Exile On Main Street, considerado por muitos como o melhor que já fizeram. Depois disso foi um caminho sem volta.
O primeiro show que fui na vida foi em 1998 na turnê Bridges To Babylon e foi algo surreal. Me lembro de tudo como se fosse hoje. Finalmente estava vendo ao vivo Mick Jagger, Keith Richards, Ron Wood e Charlie Watts. A energia que eles transmitiam no palco fizeram com que todos ficássemos por 2 horas pulando sem parar. E no meio de tudo aquilo, Charlie Watts me chamou a atenção.
Enquanto a banda enlouquecia os fãs, Watts parecia um lord em sua bateria ditando o ritmo das músicas. Sua postura era impecável. Ele não fazia esforço algum e por alguns momentos pensei que tocar bateria era a coisa mais fácil que tinha no mundo (e eu até pensei em fazer aula de bateria, mas, acabou não rolando).
Em 2016 pude ir vê-los novamente. E, mais uma vez, em meio a uma atmosfera surreal, pude olhar e contemplar Charlie Watts tocando com toda sua maestria e sem esforço algum. Um gentleman. Um gênio. Uma lenda que tive o privilégio de ver.
Os Stones me trouxeram a sensação que seriam eternos. A morte de Charlie Watts me mostra que eles são humanos e, como tais, são finitos. Infelizmente.
Imagem de capa - Charlie Watts. /The Rolling Stone
Quer escrever na Prensa?
Junte-se a uma comunidade de Creators que estão melhorando a internet com artigos inteligentes, relevantes e humanos. Além disso, seu artigo pode fazer parte do Projeto de Monetização, e você pode ganhar dinheiro com ele!
Clique aqui para se cadastrar e venha com a gente!
Este artigo foi escrito por Edu Molina e publicado originalmente em Prensa.li.