Até tu, Apple? Acusações de assédio geram movimento #AppleToo
Imagem: Print do site appletoo.us | Canva
Isaac Newton já havia dito que “a maçã não cai por acaso: ela é atraída por uma força”. No caso da Apple, essa força foi representada por funcionários cansados de presenciar e passar por casos de assédio, discriminação e retaliação dentro da empresa.
O site AppleToo, criado para reunir relatos de trabalhadores de diversos níveis dentro da organização, afirma que negros, indígenas, outras minorias raciais, de gênero e grupos de pessoas historicamente marginalizadas enfrentam uma realidade desproporcional dentro da empresa.
“A verdade é que, para muitos funcionários da Apple, [...] a cultura do segredo cria uma fortaleza sombria e intimidante. Quando pressionamos por responsabilidade e reparação das injustiças persistentes que testemunhamos ou vivenciamos em nosso local de trabalho, nos deparamos com um padrão de isolamento, degradação e gaslighting.”
O grupo de funcionários relata que já usaram todos os meios internos para denunciar os abusos cometidos, mas não foram ouvidos. E faz um chamado a todos os colegas de trabalho que desejam compartilhar suas histórias e ver uma mudança real dentro da Apple.
“Quando nossas histórias são coletadas e apresentadas em conjunto, elas ajudam a expor padrões persistentes de racismo, sexismo, iniquidade, discriminação [...].”
“É hora de Pensar Diferente”
No Twitter, uma conta oficial do movimento foi criada, a @AppleLabores, com a descrição: “Fruit stand workers coalition” (ou Coalizão de trabalhadores de barracas de frutas, em tradução livre), com o mesmo intuito de incentivar funcionários a falar abertamente sobre suas experiências de trabalho com a Apple.
Uma ex-funcionária compartilhou que trabalhou em uma loja da Apple por aproximadamente 6 anos e teve a oportunidade de ser promovida apenas uma vez durante esse período. “Muitos dos meus colegas de trabalho concordavam que eu merecia a posição”. Ela foi entrevistada 5 ou 6 vezes e nunca recebeu uma resposta sobre o motivo de não ter sido promovida.
“Não havia nenhuma ‘Genius’ (cargo denominado para alguém que precisa entender muito da Apple e da parte técnica dos produtos) mulher na minha loja. Todos eram homens, e muito poucos de origens diferentes.”
Ela completa dizendo que não havia problema nenhum que ela assumisse as responsabilidades de um ‘Genius’, como realizar os treinamentos e fazer a mentoria, contanto que ela não fosse promovida oficialmente ou paga pelo trabalho que estava fazendo.
Imagem: Print/Twitter/@BreBizarre
Tradução: "Me fizeram acreditar que eu estava imaginando coisas e que eu já tinha algo tão bom que seria difícil ir para qualquer outro lugar. Por mais que eu amasse os meus colegas de trabalho, eu estou feliz por ter decidido seguir em frente. Agora eu estou encarando um período de desilusão após ter saído porque a Apple realmente não é o que eles dizem ser."
E as acusações não param por aí
Outro ex-funcionário relatou na rede social um caso de racismo que um dos seus clientes sofreu e que foi acobertado pelo seu superior. “Nós não deveríamos abanar as chamas”, foi o que o gerente disse, completando que o momento já havia passado. Disse ainda “Nós não o chamamos pela palavra “N”, chamamos?”. A vítima, um jovem de 17 anos, estava aos prantos.
Ele sabia que sua liderança estava violando as Políticas de Conduta da empresa por não abordar o racismo e, naquele dia, se sentiu forçado a decidir entre simplesmente seguir as ordens e respeitar a hierarquia ou arriscar seu emprego para fazer a coisa certa.
Ao escolher a segunda opção, ele trocou o dispositivo do cliente por um celular remodelado, citando um problema potencial na bateria.
Imagem: Print Twitter/@rogue_pericles
Tradução: "Assim que o atendimento acabou, eu abordei o líder e contei tudo. Foi realizada uma investigação onde eu fui manipulado, usado como bode expiatório e, finalmente, demitido. Apple se recusa a reconhecer os defeitos em seus líderes. Esperançosamente #AppleToo abrirá seus olhos à nossa dor."
As alegações de bullying, assédio, micro agressões e comportamento passivo-agressivo da parte de liderança da Apple continuam a crescer nas redes sociais e no site oficial do movimento, que diz “Apple’s workers are Apple”, ou os “funcionários da Apple são a Apple.”
O #MeToo que inspirou mudança
E se você está pensando que já viu essa hashtag em algum outro lugar, provavelmente é por causa de outro grande e importante movimento em prol de melhores condições de trabalho, igualdade salarial e respeito.
Em 2017, o #MeToo escancarou para o mundo inteiro a cultura de assédio sexual no maior centro de produções cinematográficas dos EUA – Hollywood. O início de tudo foi quando Harvey Weinstein, um dos maiores executivos da indústria, foi exposto pelo The New York Times por ter cometido crimes sexuais contra diversas atrizes e profissionais do ramo durante anos.
O movimento, muito como o #AppleToo, incentivou que outras atrizes compartilhassem as suas experiências desde o início das suas carreiras até o momento presente de suas vidas. Gwyneth Paltrow, Angelina Jolie, Cara Delevingne, Lea Seydoux, Rosanna Arquette e Mira Sorvino foram algumas das muitas mulheres que denunciaram casos de assédio.
A atriz Alyssa Milano convidou outras mulheres, fora da indústria cinematográfica, para contar seus relatos, caso se sentissem à vontade, de abuso e agressão usando a hashtag #MeToo.
Harvey Weinstein negou as alegações, mas foi demitido de sua própria empresa e condenado a 27 anos de prisão. Outros executivos, produtores e profissionais do ramo cinematográfico também foram, aos poucos, sendo expostos com acusações de assédio, abuso e estupro.
Da internet para o mundo real
A campanha #MeToo não ficou apenas no mundo virtual. Foi criado um fundo para ajudar mulheres que sofreram com assédio ou abuso, o “Times Up Legal Defense Fund.” Milhares de mulheres estão recebendo apoio legal a partir de iniciativas e outros fundos.
As ligações para Rede Nacional de Denúncias de Estupro, Abuso e Incesto nos Estados Unidos também aumentaram. Empresas começaram a repensar suas culturas de trabalho e sobre como podem criar um ambiente mais inclusivo e seguro para que mulheres possam crescer em suas carreiras.
E quanto à #AppleToo?
Até agora, o movimento tem crescido timidamente enquanto começa a ganhar força com a hashtag no Twitter, e já é pauta em diversos portais de notícia.
Tendo estourado há apenas 1 dia, #AppleToo já ganhou apoio de Timnit Gebru, ex-funcionária da Apple que trabalhou na Google como a principal pesquisadora de inteligência artificial.
Gebru demonstrou solidariedade aos funcionários da empresa ao falar com o The Verge: “Eu vivi tantas coisas notórias quando trabalhei na Apple, e sempre me perguntei como eles conseguiam evitar os holofotes. Estou feliz em ver que os funcionários da Apple estão se organizando. Já passou da hora da Apple ser responsabilizada.”
Timnit foi demitida abruptamente da Google em dezembro de 2020, após falar publicamente sobre suas experiências com racismo e discriminação na empresa.
Por enquanto, Tim Cook, CEO da Apple, ainda não se manifestou publicamente sobre as acusações, tampouco a assessoria da empresa.
Se aprendemos algo com movimentos passados, é que nada fica escondido por muito tempo, e quando as vítimas começam a falar, elas não tendem a parar. Pelo contrário, inspiram e incentivam outras pessoas a compartilhar suas experiências.
A Apple tem enorme presença no mercado, muitos clientes fiéis e uma reputação a zelar. A empresa já contornou polêmicas como acusações de trabalho infantil na África, e sua força permaneceu intacta.
Mas será que a força da Apple é maior que o poder da internet?