Arquivo 81: uma série além do óbvio
Sorria... você está na câmera escondida! - Reprodução
Pensa num troço que deixa você em estado de tensão permanente. E em muitos momentos, te faz achar que já sacou o que vai acontecer na próxima cena, só pra te mostrar que não era bem assim.
Confesso que peguei a missão de escrever sobre Arquivo 81, série sobrenatural da Netflix, sem ter a menor ideia do que veria. Mais ou menos como Dan Turner, o especialista em restauro de velhas fitas de vídeo, protagonista da história.
Ele trabalha no Museum of Moving Image, literalmente o “museu da imagem em movimento”. Num belo dia recebe um pedido específico para restaurar e digitalizar uma fita no padrão Hi8, datada de 1994.
O conteúdo traz as primeiras imagens de um trabalho para uma tese de doutorado, gravadas em primeira pessoa por uma garota, Melody Pendras, sobre a história de um antigo edifício, o Visser East Village, e seus moradores. Ela se propõe a morar temporariamente no local e gravar o maior número de depoimentos.
Trabalho feito, cliente feliz
Dan é informado que o cliente gostou do resultado e gostaria de falar pessoalmente com ele. O rapaz se dirige para a sede de uma corporação um tanto misteriosa, a LMG, onde conhece Virgil Davenport, dono da coisa toda, e um bocadinho mais misterioso que a corporação.
Dan recebe a oferta de desligar-se temporariamente de seus serviços no museu, para restaurar uma dúzia de fitas, aparentemente a sequência da primeira. O valor é indecente e a proposta, irrecusável. Ele se transfere para uma propriedade da empresa no meio do nada, onde passa a realizar seu trabalho. Porém, a cada fita que restaura, descobre detalhes sobre o Edifício Visser e seus moradores. O que parecia estranho começa a ficar sufocante e perigosamente íntimo.
Tensão desde o fim até o começo
Recuso-me a contar mais do que isso. Arquivo 81 é assustadoramente viciante. Uma curiosidade destes novos tempos: não é uma história criada para a série, mas não foi baseada em livro, história em quadrinhos ou tampouco num filme: Arquivo 81 tem sua origem num podcast inglês do mesmo nome. Com três temporadas, em episódios exibidos de 2016 em diante, tornou-se a principal aposta da Netflix nos gêneros suspense e terror.
O telespectador acompanha as descobertas em primeira pessoa de Dan, intercalados com as imagens (muitas, subjetivas) feitas por Melody há quase trinta anos. Cada morador ou evento que conhecemos nos leva a perguntas estranhas, com respostas frequentemente incômodas e inconclusivas. Mas tudo nos leva a crer que há algo muito bizarro em andamento… seja naquele passado quanto no presente.
A curiosidade matou o gato. Ou não. | Divulgação: Netflix
Não por acaso, o braço direito de Dan em sua tentativa de descobrir o que acontece é seu melhor amigo, Mark Higgins, que comanda o podcast “Sinais Misteriosos”, especializado em fenômenos paranormais, teorias da conspiração, bizarrices em geral e todo tipo de conteúdo freak que possa imaginar.
Falo “braço direito” porque esqueci de mencionar, o local de trabalho designado para Dan é um bunker no meio do mato, evidentemente sem sinal de internet ou outro tipo de conexão com o mundo exterior, exceto uma linha de telefone fixo, evidentemente grampeada. Fica fácil assim. E vá por mim, Dan tem motivos de sobra para tentar falar com alguém. Mark faz todos os tipos de missões externas enquanto a história progride.
Idas e vindas, vindas e idas
Uma informação interessante é que através dos olhos de Dan, vemos a história seguir em duas linhas temporais distintas. A atual e a vivida por Melody. Adianto que nem sempre elas são tão distantes quanto deveriam.
Um demônio pra chamar de seu. Ou alguém foi interrompido num momento íntimo | Divulgação: Netflix
Arquivo 81 apresenta um extenso número de personagens, tanto nos flashbacks e fitas de 1994, quanto no presente. Há a senhora excêntrica, a amiga fiel, a compositora de óperas alternativas, a taróloga, a menina prestativa, o padre esquisitão, o porteiro mal encarado, o ídolo satânico encerrado num sacrário… opa, peraí, falei demais. Muita coisa parece clichê, mas nessa história quase nada parece ser o que é.
Referência célebre
Antes que fale ainda mais e estrague outras surpresas, vou deixar uma dica… existem conexões entre a história de Arquivo 81 e um certo poema escrito por um tal Dante Alighieri no século XIV. As referências pipocam em nossos olhos e ouvidos, na maioria das vezes sem que demos conta.
E estas certamente não são as únicas conexões intrigantes do enredo. Em oito episódios, o que não faltam são ligações, muitas aparentemente inocentes, juntando fatos talvez sem importância, para revelar motivos perturbadores.
Mais ou menos como este momento, onde você lê despreocupadamente esta reportagem. Mas não imagina, que na verdade… ah, não posso dizer mais que isso? Tudo bem. Mas não digam que não avisei.
Eu volto. Acho.
Este artigo foi escrito por Clarissa Blümen Dias e publicado originalmente em Prensa.li.