As redes sociais e os preconceitos – corpos e deficiências
O filósofo italiano Umberto Eco (1932-2016), disse em uma das suas últimas entrevistas, que as redes sociais deram vozes aos imbecis. Realmente, houve um aumento significativo de opiniões e pessoas – sem pesquisar e sem ler sobre o assunto – começam a dar suas opiniões sem nenhum embasamento. Exato! Temos que ter embasamento de saber ou tomar conhecimento de alguns assuntos que não dominamos.
Eu mesmo, quando tenho dúvidas, começo a pesquisar e as minhas pesquisas sempre me levam a uma melhor opinião. Mas, nas redes sociais – uma tecnologia social de comunicação – as pessoas acham que tem o direito de ofender e de achar que o mundo só é feito do que ela acha. Aliás, Platão – filósofo grego que viveu no terceiro século antes de Cristo – dizia que o “doxa” (que se traduz como opinião) não era um tipo de conhecimento e não é por acaso, já que as bases de uma opinião, são sua própria visão do que acontece de fato.
A questão das minorias e a questão da deficiência fica entre os pontos que abrange esse preconceito e essa opinião, como no caso – de uma notícia antiga de 2017 – onde uma empresa de automóveis fabricaram uma versão do Gol para um casal com nanismo (a discussão pairou entre chamar ou não o casal de anão). E um outro caso mais recente, uma influenciadora zomba de vagas destinadas às pessoas com Transtornos do Espectro Autista.
Mas, de onde vem o preconceito? Será que é só uma questão de falta de conhecimento?
1 – O que é o preconceito?
Segundo a Wikipédia, o preconceito seria uma opinião que não é baseada em um dado objetivo (empírico), mas que pode ser baseada unicamente em um sentimento bem hostil que é motivado por hábitos de um julgamento ou uma generalização apressada. A palavra também pode significar uma ideia ou um conceito já formado antecipadamente e sem nenhum fundamento sério ou imparcial.
Ou seja, o preconceito é uma visão própria de situações que são construídas graças a uma visão subjetiva da realidade. Por outro lado, nem sempre essa visão pode ser considerada como verdadeira, pois, além de ser uma visão própria (subjetiva), é uma visão dentro daquilo que se pensa ter razão. Ora, um exemplo foi no caso recente da influenciadora que zombou da vaga para pessoas autistas perguntando: “Qual é o problema do autista?".
Primeiro, o problema aí é a linguagem que a pergunta foi feita. Desde muito cedo venho observando que quando se trata de dificuldade as pessoas usam o termo “problema”. A questão seria: qual dificuldade teria um autista? Será que ele necessita de uma vaga de estacionamento exclusiva? Como deficiência – que é assegurado por lei – ter vagas para parar o carro em estacionamentos de estabelecimentos.
A questão desse problema sempre ronda em torno de uma questão de prática, pois, em nossa cultura ainda existem elementos que reforçam que algo tem necessidade prática para existir. As teorias sempre são jogadas em segunda categoria – por isso, poucos têm o hábito de ler – porque são consideradas como não utilizáveis. Não há uma coisa concreta e imediata. Então, se deixa o modo prático e se deixa seduzir por formas mais imediatas.
Como a pergunta da influenciadora nas imagens do vídeo vazado. Na aparência, um autista teria mais dinamismo que um cadeirante, por exemplo. Mas, num modo prático e da deficiência do autista, há outras dificuldades que ele pode apresentar (que, talvez, a influenciadora desconheça). Como impaciência, ataques repentinos, dificuldade de percepção ao redor etc.
Nesse caso, podemos observar, que a pergunta já está baseada em uma visão particular de corpos que, aparentemente, não teriam nada.
2 – De onde veio tanto preconceito?
Segundo o site Toda Matéria, podemos dizer, que a origem de um pensamento preconceituoso está dentro dos valores, ideologias, interesses ou crenças de um determinado grupo social. Ou melhor, sempre o preconceito parte de uma visão muito pouco elaborada, repleta de ideias e certezas que não sobrevivem a um mínimo de reflexão ou um exame crítico.
Indo muito mais além – porque não há só a questão preconceituosa – sempre um ato preconceituoso há um ato discriminatório. Muitas vezes, o ato de discriminar é rejeitar a humanidade daquela pessoa só por causa da sua estética e porque não se entende a questão da humanidade daquele corpo. Por não ter o conceito estético normativo. Mas, qual seria essa aparência que tanto se presa? Será que é uma coisa muito mais instintiva?
Pode ser que tenhamos algum tipo de instinto de rejeitar corpos diferentes ou por causa de predadores – isso viria dos nossos antepassados – ou porque ainda se acha que esses seres humanos com corpos diferentes, não tenham uma utilidade social. Como a questão do carro para o casal com nanismo tenha causado tanto estranhamento – mesmo que a fábrica tenha tido a boa vontade de montar um carro para eles – eles tinham que viver num mundo que se acha normal.
Quantas pessoas não disseram para mim e minha noiva (que também é cadeirante), não ficar em um canto para não atrapalhar os outros? Ora, quem utiliza cadeira de rodas, vive ouvindo isso. O “atrapalhar” é um termo usado para dizer que eles têm o direito de passear, de andar, de dizer e fazer o que querem. Mas, nós não.
O casal com nanismo “atrapalha” o mundo normal. A normatividade domina num modo linguístico e único em dizer que não se enquadra, não se aceita aquilo. Do mesmo modo não se pode pagar corpos que fogem do normal o mesmo salário – mesmo que se coloque na mesma tarefa – porque não se pode aceitar um corpo desse tenha a mesma capacidade. Mas, qual o corpo que chega a uma perfeição?
3 – Conclusão
Como vimos nos dois casos – que declaradamente, mostra um preconceito dentro da normatização do corpo – mostra quanto ainda temos que avançar dentro da educação escolar inclusiva e quanto a conscientização da linguagem dominante. Pois, como disse o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), a normalização do corpo tem a ver com a frequente vigilância social, porque se deve haver uma garantia da dominação social das massas.
Sempre haverá – dentro da dominação linguística – uma maior dominação se esses canais de vigilância sejam os próprios sujeitos alienados por essa linguagem. E isso não tem a ver com a ideologias que povoam as opções políticas – mesmo o porquê, essas opções a meu ver, são também parte dessa dominação linguística – mas, tem ligação com crenças que essa linguagem, através da crença, começa a dominação.
Este artigo foi escrito por Amauri Nolasco Sanches Junior e publicado originalmente em Prensa.li.