Assimetria Regulatória - Bancos, Blockbuster e Disney
Na minha coluna anterior, destaquei as principais diferenças entre Bancos e Fintechs (Instituições de Pagamento), do ponto de vista de portfólio de serviços e das exigências regulatórias associadas a cada tipo de empresa.
Dada a sua natureza, as Fintechs oferecem menor risco ao sistema financeiro e podem ter estruturas mais enxutas, o que diminuiu consideravelmente a barreira de entrada neste mercado. Como consequência, observamos o surgimento de diversas startups que aumentaram a competição e vem democratizando o acesso a serviços financeiros no Brasil.
Por outro lado, os grandes bancos têm reclamado de uma “assimetria regulatória”, justamente em função destas diferenças entre as instituições financeiras e as de pagamento.
O assunto não é trivial pois envolve aspectos tributários, trabalhistas (acordos coletivos), de gerenciamento de riscos, exigências de capital, etc. Para endereçar esta questão, nos últimos meses, o Banco Central realizou alguns ajustes e deve implementar novas alterações no marco regulatório, certamente buscando manter o equilíbrio entre a necessidade de adequar as “regras do jogo” e o incentivo à competição e inovação.
Entretanto, a assimetria regulatória é de fato um tema relevante para os “bancões”? Para responder a esta questão, trarei exemplos de duas empresas líderes em seus mercados, Blockbuster e Disney, que tomaram decisões estratégicas bem distintas ao lidar com um competidor “disruptivo”, a Netflix.
Cinema em casa
Na década de 90 e início dos anos 2000, a Blockbuster dominava o mercado de locação de filmes (DVDs) nos Estados Unidos. Em 1997, uma startup chamada Netflix, introduziu um novo modelo de serviço de locação de DVDs, com entregas pelo correio e sem cobrança de multas por atraso na devolução.
Nos primeiros anos, a operação da Netflix era bem deficitária e os seus executivos apresentaram uma proposta de venda da startup à Blockbuster no valor de USD 50 milhões. O CEO da Blockbuster tentou esconder uma risada ao declinar da oferta (detalhes da história aqui, em inglês).
A Netflix encontrou um outro investidor e, em 2007, desenvolveu o serviço de streaming. Incapaz de se reinventar e lidar com o novo tipo de competição, em 2010, a Blockbuster entrou com pedido de concordata nos Estados Unidos.
Mais recentemente, a Netflix (sempre ela…) começou a incomodar incumbentes de outras indústrias: empresas de TV por assinatura e também de produção de conteúdo, como os estúdios de cinema. Num primeiro momento, algumas destas empresas intensificaram as reclamações sobre uma “assimetria regulatória” que beneficiava a Netflix, cujo tráfego consumia cerca de um terço da infraestrutura de Internet nos EUA.
Exigia-se mudanças no regulamento dos serviços de telecomunicação a fim de autorizar a cobrança de uma sobretaxa para conexão a conteúdos como os da Netflix. Após muitas discussões, o órgão regulador norte-americano (felizmente) decidiu manter a “neutralidade” da rede.
Já a Disney, frente à ameaça da Netflix, em vez de se apegar ao seu modelo tradicional de negócio ou apenas reclamar de uma competição “desleal”, resolveu participar do jogo na nova arena e lançou o próprio serviço de streaming. Inclusive, segundo a previsão de analistas, a plataforma Disney+ deve assumir a liderança deste mercado em 2025.
Bancos aprendendo com o entretenimento
Afinal, o que tais histórias podem trazer de aprendizado para os “bancões” brasileiros?
Destaco as seguintes reflexões:
Não havia regulamentações que impediam a Blockbuster de comprar a Netflix ou criar o seu próprio serviço de streaming. De maneira análoga, não existe restrição para que os Bancos tenham as suas próprias Fintechs (Instituições de Pagamento)!
Assim, se os “bancões” acreditam que há uma vantagem injusta a favor das instituições de pagamento, deveriam criar a sua própria Fintech, buscar aquisições ou parcerias com quem já atua neste modelo. Em outras palavras, deveriam se preocupar bem mais em desenvolver a sua “Disney+” do que reclamar de assimetrias regulatórias…
A Disney soube utilizar muito bem uma das suas principais vantagens competitivas, acervo e capacidade de criação de conteúdos de excelente qualidade, para alavancar o crescimento do seu serviço de streaming.
Da mesma maneira, os bancos podem aproveitar as competências raras e valiosas que possuem (ex.: grande capacidade e experiência para concessão de crédito) e desenvolver serviços financeiros inovadores que possam ser distribuídos via Instituição de Pagamento própria e/ou fintechs parceiras.
Em suma, o surgimento de startups com soluções inovadoras e crescimento exponencial não representa necessariamente uma sentença de morte para os incumbentes. Os grandes bancos têm recursos financeiros, tecnologia e competência executiva mais do que suficientes para se tornarem protagonistas neste novo mundo de serviços financeiros digitais.
O grande desafio é ter a coragem de desapegar de modelos de negócio ainda bem lucrativos e de antigas crenças (soberba?) sobre como funciona e para onde vai o mercado. A capacidade de implementar esta grande transformação cultural será determinante para o destino (“Blockbuster ou Disney”?) destas instituições nos próximos anos.
Este artigo foi escrito por Alexandre de Souza Pinto e publicado originalmente em Prensa.li.