Ataque dos Cães. Será o Benedito no Globo de Ouro?
Divulgação - Netflix
The Power of the Dog, Ataque dos Cães no Brasil e O Poder do Cão em Portugal chegou à Netflix depois de ganhar ou ser indicado a vários prêmios festivais afora. Poucos dias após entrar no catálogo da Netflix internacionalmente, a produção é reconhecida pela quantidade de indicações ao Globo de Ouro, a saber:
Melhor Filme de Drama
Melhor Direção
Melhor Ator em Filme de Drama
Melhor Atriz Coadjuvante
Melhor Ator Coadjuvante
Melhor Roteiro
Melhor Trilha Sonora
A partir de então, o filme passou a despertar o interesse de uma audiência maior, incluindo este que vos escreve. Sabendo apenas das indicações e do elenco, assisti ao filme.
Apesar da falta de relevância que cachorros têm no filme, preciso dizer que o longa se sai muito bem em prender a atenção de quem assiste. Aproveitando as indicações, vamos dissecar o sucesso de Ataque dos Cães por categorias.
Melhor Roteiro
A história de Ataque dos Cães é baseada em um livro de mesmo nome escrito por Thomas Savage em 1967. O autor original alega que partes são ficção e partes realmente aconteceram em sua vida. Mas em termos de narrativa, isso pouco importa, o resultado trazido para as telas é belo e lapidado, é possível dizer que não há uma única cena desperdiçada em suas mais de duas horas.
Montana, EUA, 1925. Dois irmãos cuidam juntos de uma fazenda de gado. Mesmo o foco não sendo exatamente na relação dos dois. Em poucas cenas a narrativa deixa claro os papéis de cada um nos negócios e na família.
O papel de George, por exemplo, é cuidar de toda a parte administrativa, planejamento, contatos profissionais e, claro, aguentar o irmão. (imagem: Divulgação/Netflix)
Quando a dinâmica familiar muda é que as engrenagens da narrativa começam a, lentamente, funcionar para a progressão da história. É preciso estar atento no filme, pois é com sutileza que os fatos importantes acontecem, algo aos moldes de Gran Torino (Clint Eastwood, 2008).
Se no filme de Eastwood é possível que um espectador comece e termine o filme sendo xenofóbico devido à forte ignorância, desatenção ou forte preconceito. Na obra de Jane Campion, um machão pode estar na frente da televisão de ponta a ponta do filme e simplesmente sair reclamando como não houve uma grande cena de tiroteio se o filme é de faroeste. Um faroeste gótico, de acordo com a própria descrição da Netflix.
Melhor Trilha Sonora
Jonny Greenwood, guitarrista da banda inglesa Radiohead é o responsável pela trilha sonora do filme. Sendo curto e franco, em nenhum momento a trilha chamou minha atenção. O que não chega a ser um demérito, apenas vou guardar meus muitos elogios para outros aspectos de Ataque dos Cães.
Melhor Direção
Jane Campion pode parecer um nome desconhecido, mas ela está por aí faz muito tempo, seu filme O Piano (1993) inclusive concorreu a 8 Oscars! Jane levou a estatueta como melhor roteiro original na época e pode ser que ganhe por melhor roteiro adaptado na próxima cerimônia do prêmio.
A neozelandesa costuma dar preferência por dirigir obras protagonizadas por mulheres, mas dessa vez é Benedict Cumberbatch quem tem o maior destaque e o maior tempo de tela.
Filmado em seu país de origem aproveitando o rigoroso cuidado que a Nova Zelândia teve e tem contra a Covid, foi possível produzir toda uma atmosfera onde somos muito bem enganados a acreditar que estamos em Montana. Pegando cenas específicas poderia até ser utilizado como um daqueles vídeos utilizado para mostrar a qualidade das televisões à venda em grandes varejistas.
O filme se passa em poucas locações, mas todas elas são deslumbrantes. (imagem: Divulgação/Netfix)
Mais que a captação de cenas externas exuberantes, a direção é primorosa no cuidado com a iluminação, no ritmo ditado e, obviamente, na direção dos atores.
Melhor Ator em Filme de Drama
Benedict Cumberbatch é um ótimo ator, muita gente deve assistir a esse filme por lembrar dele como Doutor Estranho nos filmes da Marvel, ou Sherlock Holmes da BBC. Entretanto, sua excelente performance aqui se aproxima mais da apresentada no filme O Jogo da Imitação (2014) onde também faz um personagem real, Alan Turing, o pai da computação.
Seu papel como o cowboy Phil Burbank transmite uma grande verdade. Daria até pra acreditar que ele não tomou banho para interpretar esse vaqueiro que gosta de se sujar e por a mão na massa ao trabalhar.
Infelizmente o ator não mencionou nada quanto a banhos em sua entrevista ao podcast do Marc Maron, mas mencionou pesquisa, o livro e até um especialista em sotaques como preparação. (imagem: Divulgação/Netflix)
A vida estava boa para Phil quando O Ataque dos Cães começa, tão boa quanto dava pra ser, então acompanhar seu empenho e fazer tudo voltar a ser “como sempre foi” e para viver como o tão referido Henry Bronco o ensinou, nos faz entender muito bem seu personagem brucutu mesmo sem concordar com ele, o que é ótimo, menos para a Rose.
Melhor Atriz Coadjuvante
Kirsten Dunst, a primeira namorada do Homem-Aranha no cinema, a criança sugadora de sangue em Entrevista com o Vampiro e a lunática Peggy na série Fargo (inclusive, sua atuação está sem precedentes nesse papel) agora vive a viúva Rose, que se sustenta com sua pequena pousada.
Rose Gordon já viveu dias melhores. Outrora casada com um médico, vive o estigma duplo de ser viúva e do seu marido ter cometido suicídio. É na bondade de George — interpretado pelo seu marido em Fargo e, após a série, também na vida real, Jesse Plemons — que ela encontra alguém que a aceite e um novo amor.
Rose sofreu bastante fora da tela e até mesmo dentro dela, mesmo deslocada na mansão, ela demonstra que só quer viver sua vida sem atrapalhar ninguém. (imagem: Divulgação/Netflix)
Se George Burbank a trata com todo o carinho do mundo, seu irmão Phil Burbank, querendo manter o status quo anterior, vai inferniza-la como puder. Pelo background fornecido pelo próprio filme, Rose é uma pessoa esforçada e muito esforço será exigido para que ela lide com a situação.
Melhor Ator Coadjuvante
Kodi Smith-McPhee poderia ser um astro do cinema mudo. Sua atuação como Peter, filho de Rose, entrega muito falando o mínimo do mínimo.
O jovem australiano já fez outros papéis com algum destaque na cultura pop apesar da pouca idade. Esteve no filme Planeta dos Macacos: O Confronto (2014) e interpretou o mutante Noturno na última trilogia da Fox.
Em um filme onde todos os gestos são contidos de uma forma ou de outra, é a sua sutileza a que impressiona mais. Sua linguagem corporal transmite todo o necessário, a qualidade de sua atuação é essencial para as longas cenas de silêncio que perpassam toda a história.
Esse menino tem um talento que vai de filmes do Chaplin (se ainda fossem filmados ou refilmados) até blockbusters! (imagem: Divulgação/Netflix)
Indo além da atuação, o papel de Peter (quem diria que uma pessoa que ganhou destaque nos filmes do Homem-Aranha daria o nome de Peter para o filho…) é interessante hoje e merece ainda mais destaque pela história se passar em 1925.
Em contraponto à figura troglodita de Phil, Peter é um jovem que não tem interesse em impor sua imagem. Sua forma de agir diverge dos homens em sua época e em sua região. Focado em seus interesses independente do que o mundo pense, Peter age de acordo apenas com a própria vontade.
Melhor Filme de Drama
Bem, definitivamente Ataque dos Cães não é uma comédia. Esse faroeste sem bang-bang é uma obra sóbria, mas que não chega a ser realmente sombria. Seu cenário rural nos leva a uma atmosfera realista, quase que documentando em certos trechos como era a vida naquele tempo.
Com exceção de Peter, os personagens parecem estar mais em conflitos internos, lutando contra si mesmos mais que contra os outros. Entender o que angustia cada um deles é entender a razão do choque que se dá a partir da interação de cada um deles.
Se uma pessoa dirige a palavra a outra pessoa nesse filme, as chances de virar briga são de 50%. (imagem: Divulgação/Netflix)
Ao fim do filme tudo fica claro e cada detalhe presente na narrativa mostra que tem a sua relevância, até mesmo o trecho do qual o nome do filme foi tirado aparecer na tela é algo que fez sentido para mim.
Fica aqui registrada uma indicação extra para que o filme receba também prêmios de melhor trailer, porque esse faz a gentileza de não contar quase nada da narrativa. Por padrão eu já me recuso a ver trailer antes de ver a obra em si, o pessoal do marketing dos grandes lançamentos faz um “excelente” trabalho resumindo o filme inteiro em 2 ou 3 minutos.
Depois do filme, eu me dei ao trabalho de ver como a obra está sendo divulgada e mesmo entendendo cada detalhe do filme, posso dizer que esse trailer não contou nada da história. Assim sendo, fica aqui o vídeo para atiçar sua vontade de ver o filme caso o texto não tenha sido o bastante. Vou adorar receber opiniões sobre esse filme em particular.
Este artigo foi escrito por Gustavo Borges e publicado originalmente em Prensa.li.