Até quando é necessário prolongar uma franquia?
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Atenção: Spoilers leves de Matrix Resurrections
Continuações e séries cinematográficas existem há tempos como Godzilla, Hora do Pesadelo e O Poderoso Chefão, para citar apenas algumas. O problema está no uso excessivo disto. Atualmente, ou revivem franquias já famosas ou criam novas onde, em alguns casos, apenas pegam carona no sucesso do primeiro filme e criam outros.
Um exemplo desse último é a saga Velozes e Furiosos, que está se encaminhando para o seu décimo filme, dividido em duas partes. O que começou com um simples filme de ação sobre corridas ilegais de carros, virou brinquedo, atração de parque temático, vídeo game, show ao vivo e série animada para o Netflix.
A temática da saga foi sendo alterada, ganhando ares de filme de espionagem como James Bond até na extrapolação da suspensão de descrença.
Chegou ao ponto de se tornar piada na internet onde as pessoas suspeitavam que o próximo passo seria uma corrida de carros no espaço. Ou seja, o público já começou a demonstrar cansaço.
Até o universo cinematográfico da Marvel, que apesar de ainda fazer sucesso com 27 filmes lançados e outros ainda sendo produzidos, já lida com muitas críticas sobre até quando vai manter vivo o interesse geral.
Entre o grupo de franquias revividas recentemente pode se destacar Indiana Jones (cujo quinto filme está previsto para junho de 2023), Halloween, Pânico e Star Wars.
A nova trilogia de Star Wars, por exemplo, desagradou uma parte do público por tentar inovar em O Último Jedi. Mas quando eles tentaram voltar atrás em A Ascensão Skywalker, também foram criticados.
É nesse cenário que surgiu Matrix Resurrections. O longa estreou nos cinemas em dezembro do ano passado. E ele é um ponto fora da curva por simplesmente criticar essa tendência recorrente de Hollywood.
Nenhuma das irmãs Wachowski queriam voltar à franquia após concluírem Matrix Revolutions em 2003. Dois anos depois, Lily, em uma entrevista promovendo o filme O Destino de Júpiter, disse que um retorno à franquia Matrix era uma ideia repulsiva para aquele momento.
Depois, existiram rumores de que a franquia iria retornar sem as irmãs Wachowski, apesar da Warner querer a aprovação delas, mas nada foi confirmado.
Só que, em 2019, não teve jeito. Lana voltou, sem a irmã, para a franquia. Acompanhada, no roteiro e na produção, de parceiros de outros trabalhos e com a benção de Lily, ela começou a trabalhar no quarto filme.
Ao assistirmos a película, notamos várias indiretas de Lana. Indiretas não, diretas bem explícitas.
Em uma cena entre Thomas Anderson (interpretado novamente por Keanu Reeves) e seu chefe, o último diz que a empresa irmã deles, a Warner, queria continuar a franquia Matrix (que, no filme, era um jogo de computador) e iria fazer com ou sem eles.
É muito provável que a Lana tenha ouvido isso, se motivou a aceitar o projeto e depois resolveu colocar isso, de alguma forma, no roteiro.
Há vários outros exemplos espalhados pelo filme. Ela não queria voltar a esse universo e deixa isso bem evidente. Foi proposital.
Além da crítica ao estúdio e o fato de que muitas franquias só são estendidas para lucrar em cima da nostalgia, sobra também para os fãs radicais da série e as pessoas que deturparam o significado do filme original.
O que começa como uma homenagem se torna uma ridicularização daqueles que esperam o mais do mesmo ou que tinham teorias absurdas sobre o conceito da película.
Lana, aqui, deixa de lado o subtexto e é bem direta com o espectador. As mensagens podem ser vistas em alguns letreiros de néon logo na cena inicial e em alguns diálogos.
Até as cenas de lutas e os efeitos visuais, apesar de referenciarem a trilogia original, foram feitas intencionalmente de forma diferente. Sem falar no uso excessivo de flashbacks para destoar dos anteriores.
Mas não tem apenas críticas, o filme também tem mensagens sobre empoderamento feminino (Trinity tem um papel crucial nesse longa), fala sobre o equilíbrio entre a natureza e a tecnologia e até sobre a pressão de levar uma vida que a sociedade espera de alguém.
Por fim, acredito que a mensagem da Lana é de uma criadora cansada de uma indústria que vive de reciclar velhas ideias. Quando se viu forçada a reciclar a sua própria criação, ela fez de um modo diferente, sem se importar com fãs e nem com o próprio estúdio.
A revolução de Matrix Resurrections não está nos efeitos especiais e em várias referências filosóficas como o filme de 1999, mas sim em mensagens sem rodeios e uma subversão do que o público espera.
Até porque ela sabia, com a lição tirada de outras franquias, que é impossível repetir um sucesso. O que se faz é extrair da fonte até ela secar. E uma hora ela seca.
Existem exceções? Existem, mas acredito que é mais arriscado apostar na nostalgia e desagradar os fãs do que criar algo novo.
Este artigo foi escrito por Fabio Farro de Castro e publicado originalmente em Prensa.li.