Avanços e Limites da Política Econômica Lulista
Imagem: Ex-presidente Lula
Esse artigo não tem a mínima intenção de ser um panfleto ou uma propaganda política à candidatura do ex-presidente Lula, tampouco entrar em questões de valoração moral de seu antigo governo.
Pretendo, tão somente, avaliar de forma sucinta a política econômica dos governos Lula (2003-2010). Lembrando que - como diz o economista Bresser-Pereira - a economia é a ciência mais ideológica que existe. Portanto, mesmo as chamadas “escolhas técnicas”, são ou podem ser uma opção ideológica.
E o mais importante, mesmo com os limites e contradições inerentes à política econômica petista, mediante a atual completa destruição do país, um suposto futuro governo Lula será um salto qualitativo em relação ao catastrófico governo bolsonarista.
Precisamos elevar o nível do debate público - com o máximo de rigor científico possível - no combate à desinformação, fake news e obscurantismo que assolam o país nos últimos anos. Sobretudo durante o período eleitoral.
Governo Lula (2003-2010)
Indubitavelmente, a economia brasileira durante o governo Lula foi beneficiada pelo chamado boom das commodities - gêneros agrícolas e minerais que exportamos, como petróleo, ferro e soja - num contexto internacional de alta taxa de crescimento da economia chinesa que alavancou as exportações dos países agroexportadores.
Para vocês terem uma ideia, segundo o FMI, os preços das commodities cresceram 326% de 2001 a 2011. Contudo, não podemos reduzir o bom desempenho da nossa economia apenas a um fator externo.
A política econômica do governo Lula foi alicerçada por três pilares: distribuição de renda, acesso ao crédito e investimento público.
Distribuição de Renda
A política de distribuição de renda se deu através do programa Bolsa Família, que até agosto de 2017 atendia 13 milhões de famílias, reduzindo a desigualdade de renda e índices de pobreza.
A valorização do salário mínimo por meio do reajuste anual para repor a inflação do ano anterior, foi fundamental para manter o poder de compra das classes populares. Isso foi conquistado graças às muitas lutas das centrais sindicais no primeiro governo Lula.
O chamado "Milagre Econômico" durante a Ditadura Empresarial-Militar alcançou índices maiores de crescimento econômico. Entretanto, ele foi acompanhado por um aumento ultrajante da desigualdade de renda no Brasil.
Esse crescimento com redução da desigualdade no decorrer do governo Lula, pode ser explicado pela Lei de Engel, que explica que o padrão de consumo das famílias se modifica conforme o crescimento da renda, que se deu por meio da valorização do salário mínimo e ampliação do crédito.
Famílias muito pobres consomem apenas o básico para sobrevivência, como a alimentação. De forma que famílias mais abastadas gastam mais no setor de serviços - cinema, teatro, shows, restaurantes etc.
À medida que aumenta a renda das famílias pobres, é gerada uma inflação dos serviços pela própria dinâmica econômica. Há uma ampliação do poder de barganha dos trabalhadores do terceiro setor, que emprega mão de obra menos qualificada, a mais abundante em nosso país.
O que implicou em uma maior formalização do emprego e aumento de salários no setor de serviços e maior participação deste campo no PIB. A Lei de Engel - devido ao aumento de consumo das famílias - pode explicar, em parte, o processo de desindustrialização do Brasil e aumento do setor de serviços nos últimos anos.
A indústria tinha participação de 24,3% do PIB em 2004, e em 2010 foi reduzido para apenas 12%. O que é uma tragédia para economia, pois no setor da indústria é onde se cria riqueza material e mão de obra mais qualificada.
Acesso ao Crédito
Em relação ao segundo pilar do governo Lula, o acesso ao crédito. O saldo acumulado de operações de crédito representava 25% do PIB em janeiro de 2002, e aumentou para 49% do PIB em janeiro de 2012.
A princípio, o endividamento das famílias decorrente deste processo não foi um problema, só passou a sê-lo quando da desaceleração da economia no governo Dilma.
Investimento Público
A política de investimento público no período áureo do governo Lula, entre 2007 e 2010, cresceu em média 27% ao ano. Muito disso foi por conta do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Este programa investiu 503 bilhões em infraestrutura no respectivo período, nos setores de energia, habitação, saneamento, rodovias, aeroportos, ferrovias, portos etc.
Muito desse investimento foi aplicado nas regiões Norte e Nordeste do país. O apoio ao PT do eleitorado dessas regiões se deve muito a isso. Pois essas pessoas tiveram uma mudança concreta em suas vidas devido a essas políticas públicas.
O efeito multiplicador - que mede o avanço da renda nacional e criação de empregos resultante de um aumento em um componente autônomo de gasto - é maior para o investimento público.
Pois essa política pública estimula investimentos privados em maquinário e serviços. Isto é, ambos investimentos, público e privado, não são substitutos, mas complementares.
Além do mais, o investimento público não é "gasto", pois rodovias, portos, aeroportos etc, também são ativos do governo, isto é, geram receitas para o Estado.
O sucesso da política econômica do governo Lula é a refutação empírica da política neoliberal de Temer, este último defendia que conforme maior "flexibilidade" das leis trabalhistas e menor o custo com mão de obra, maior seria a geração de emprego.
Contudo, com a reforma trabalhista tivemos o contrário, o desemprego só aumentou e bateu recorde segundo Pnad em 2017. A política econômica do Lula gerou quase pleno emprego e ao mesmo tempo valorizou o salário mínimo. O que, segundo a ortodoxia liberal, são condições econômicas autoexcludentes.
Política Fiscal e Monetária
O superávit primário - a diferença positiva entre receita e despesa do governo, excluindo o pagamento de juros - foi de 2,6% do PIB em 2010, ano em que a economia mais cresceu na Era Lula, 7,5%.
A dívida pública líquida - que desconta ativos (receita) do governo do passivo (dívida) total do setor público - caiu de 62,4% do PIB em 2002, na era FHC, para 37% do PIB em 2008, e atingiu o patamar mínimo de 30% em 2014.
Com a alta das commodities e intenso fluxo de divisas - moeda forte, ou seja, dólar - permitiu-se o pagamento da dívida externa junto ao FMI em 2005. O acúmulo de divisas no nosso Banco Central gerou um saldo que era de 55 bilhões de dólares em 2005 para 207 bilhões em 2007.
O Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), responsável pela taxa de juros básica da economia, teve redução entre 2005 e 2007 e permaneceu relativamente estável no governo Lula, mesmo os nossos juros ainda figurando entre os maiores do mundo.
O controle da inflação foi possível pelo aumento de divisas, que resultou no dólar baixo em relação ao real, barateando insumos importados e impedindo o aumento de preço em setores nacionais que sofrem concorrência internacional. O dólar comercial caiu de R$2,92 em média em 2004 para R$1,70 em 2008.
Contudo, como quase todo fenômeno econômico é uma faca de dois gumes. O dólar baixo é algo positivo para nossa economia. Entretanto, também gera um saldo negativo em nossa balança comercial - que mede a diferença entre o que exportamos e importamos.
Nosso superávit em balança comercial, que era de 45 bilhões de dólares em 2006, passou para 18,54 bilhões em 2010. Isso ocorreu por conta do próprio crescimento econômico do país e devido ao dólar baixo e real valorizado. Essa combinação barateia a compra de produtos importados.
Enfim, o famigerado tripé econômico - superávit primário, controle da inflação e câmbio flutuante - funcionou quase às mil maravilhas na Era Lula.
Os Limites da Política Econômica Lulista
Obviamente, nem tudo foi flores nesse período, o Brasil atravessou e ainda atravessa um processo acelerado de desindustrialização, quase todas as economias desenvolvidas passaram por este mesmo processo.
Porém, elas sempre mantiveram uma participação significativa da indústria no PIB porque é o setor que mais tem potencial de gerar riqueza num país. E também, diferente dos países desenvolvidos, o Brasil ainda padece de um capitalismo dependente.
Além do real valorizado estimular as importações, o que prejudica nossa balança comercial, esse fenômeno também onera o preço das nossas exportações e reduz nossa competitividade no comércio internacional.
Obviamente, um crescimento econômico dependente de um cenário externo favorável estava fadado ao declínio, e a saída seria diversificar nossa estrutura produtiva. O que não ocorreu no governo Lula.
O setor de serviços - o que mais cresceu no período - também têm suas contradições. Este setor é muito intensivo em trabalho, de forma que seu maior custo é com contratação de mão de obra.
Como nosso setor de serviços quase não sofre concorrência internacional, ele pode transferir o aumento do custo de mão de obra para os preços sem perder competitividade.
Essa dinâmica gerou inflação de preços em restaurantes, lavanderias, cabeleireiros, trabalho doméstico etc. Não à toa, a classe média odeia tanto o PT, por fazê-la pagar mais por esses serviços.
O que foi inflação para essa classe, foi aumento de renda para as classes mais baixas, que passaram a usufruir de serviços antes quase exclusivos da classe média.
Conforme a Lei de Kaldor-Verdoorn, a produtividade do trabalho responde ao crescimento econômico. Como estávamos em quase pleno emprego em 2010, para a economia continuar crescendo era necessário tornar a mão de obra mais produtiva por meio de tecnologia e educação.
Ademais, a desigualdade salarial entre os mais pobres e classe média diminuiu no governo Lula. Porém, a concentração de renda dos mais ricos só aumentou, como o próprio ex-presidente afirma que nunca os banqueiros lucraram tanto como no seu governo.
O fato é que a tributação indireta sobre consumo e produção - que corresponde à maior arrecadação de imposto - foi responsável por aumentar a desigualdade de renda em 4,7% em 2009.
A tributação direta - Imposto de Renda, IPVA, IPTU - por ter alíquotas baixas e isenções pouco criteriosas, reduziu a desigualdade em apenas 2,6% em 2009.
É imprescindível uma reforma tributária que taxe menos o consumo e a produção e taxe mais a renda e o patrimônio. Como lucros e dividendos que o governo FHC isentou, tornando nosso país ainda mais um paraíso fiscal para os ricos.
As altas taxas de juros indecentes eram outro mal que deveria ser combatido pelo nosso ex-presidente. A começar pela ínfima concorrência e quase monopólio do setor bancário brasileiro.
Esses juros altos incidem sobre os títulos da dívida pública interna, o que gera uma transferência de renda dos pobres para os mais ricos. Pois são os mais abastados que detêm os ativos dessa dívida.
Durante o governo petista houve uma reforma da previdência dos servidores públicos. A aprovação da lei das chamadas parcerias público-privado (PPP), com intuito de desencadear nova fase de privatizações.
Ainda para beneficiar grandes capitalistas, houve a dilatação do prazo para cobertura cambial nas exportações, resultando em maior abertura financeira e ampliação da financeirização de nossa economia.
Para atender aos interesses dos capitalistas internacionais, foi isentado o imposto de renda de investidores estrangeiros com aplicações em títulos públicos e fundos de capital de risco.
Enfim, para concluir, é inegável os avanços do país durante o governo Lula. No entanto, também é inconteste os limites da política econômica lulista.
Para o candidato Lula continuar com seu alto índice de popularidade em um suposto futuro governo, a princípio, é imprescindível: ampliar a política de geração de empregos, combater a desigualdade de renda e precarização do trabalho, e aumentar o poder de compra dos trabalhadores.
Somado a isso, é necessário reverter, ou ao menos estagnar, o desmonte do Estado realizado pelos dois últimos governos federais. E retomar o mínimo de soberania nacional perante potências estrangeiras.
Este artigo foi escrito por Célio Roberto e publicado originalmente em Prensa.li.