Aventuras e dados rolando — Jogos em nossas narrativas
Sabe aquelas coisas que nunca percebemos, mas elas estão lá?
O que exponho com este texto tem tudo a ver com isso: uma possível moral da história em narrativas de filmes que envolvem jogos.
Antes de começar o texto, quero afirmar que filmes, heróis, games e qualquer coisa que gostamos tem o potencial de promover a reflexão, seja sobre questões relacionadas à realidade em que vivemos, seja sobre nós mesmos.
Existem uma série de histórias que utilizam o ambiente dos jogos de alguma maneira e, dentro dessas circunstâncias, o jogo pode ser uma metáfora da vida. Nada mais justo que tais representações do jogar e do vencer sejam associadas diretamente à superação.
Dentro do padrão da Jornada do Herói, o protagonista é aquele que segue sua vida comum até passar por um evento que representa o convite à aventura. Depois vêm aliados, inimigos, desafios, negação e vitória. No final deste percurso existe o retorno, quando não se é mais a mesma pessoa.
Embora haja a volta para o início, o protagonista não pode ser mais quem ele era depois de tudo aquilo que fora vivido, sofrido e conquistado.
Quando a história acaba, o herói volta para casa. Mas ele é o mesmo? (Simone Pellegrini - via Unsplash)
Jornada, tabuleiro, dados
Neste ponto você deve estar se indagando: ok, qual a relação entre as narrativas, os jogos e a jornada?
O ponto comum entre essas histórias é o fato da vitória ocorrer quando o jogo é vencido, e a vida volta a sua normalidade.
Para o primeiro exemplo temos Jumanji (a versão original de 1995). Após todo o caos gerado pelo tabuleiro místico, quando a regra é seguida até o fim, as coisas voltam ao normal. Inclusive, melhor do eram antes.
Em O Sétimo Selo, filme de Ingmar Bergman de 1957, quando o cavaleiro Antonius Block recebe a visita da Morte, ele a convida para uma partida de xadrez como uma forma de evitar o seu fim.
Apesar de todas as estratégias ineficazes para obstruir a partida, ao aceitar seu destino o cavaleiro ajuda pessoas a escaparem da morte. Ao sair da negação e assumir seu papel de herói, cumpre sua função, ainda que morrendo ao final.
Na ópera rock de 1975 da banda The Who, Tommy, temos uma psicodélica narrativa. Naquela época, profetizava-se o cenário dos e-sports e pro-players, onde o protagonista é um ídolo cego, surdo e mudo que jogava pinball. Depois de se tornar campeão e messias, ele volta ao status de uma pessoa comum, inclusive recuperando seus sentidos.
Neste momento, ouvimos a música See me, feel me, touch me, heal me (me veja, me sinta, me toque, me cure), representando o final do ciclo.
Sobrevivência X Regras
Não podemos deixar de citar Round 6/Squid Game, no qual a lógica do jogo extrapola o próprio jogo e mistura-se com a vida. Apesar das tarefas realizadas pelos personagens terem um aspecto infantil, o contexto é de sobrevivência. Porém, muito além da vida e da morte, existe a questão de ganhar o prêmio para pagarem suas dívidas.
Um prêmio que não vale a pena. Ou vale? (divulgação - via IMDB)
Logo, as situações limite colocam os participantes a ponto de tomarem decisões isentas do filtro da moral e da ética. E, caso sobrevivessem aos desafios, precisariam lidar com o horror da experiência vivida.
Aproveito esta oportunidade para propor que procurem filmes ou séries em que se alinhem com aquilo que fora dito neste texto: Tron; No game, no life; Sword Art On-line; Jogador Nº 1; Jogos Vorazes, e tantos outros exemplos.
Em minha leitura, isso também acontece conosco ao jogarmos aquele game que nos desafia, que enquanto não chegamos ao fim não sossegamos, que enquanto temos chance não desistimos. E, principalmente, quando vencemos, temos aquela sensação do bem-estar da vitória, tal como disse David Bowie: “We can be heroes, just for one day” (Nós podemos ser heróis, apenas por um dia).
Imagem de capa - Erik Mclean - via Unsplash
Este artigo foi escrito por Francisco Tupy e publicado originalmente em Prensa.li.