A Balada em Estado Grave
Sábado - curiosamente - frio, no mês de outubro. A expectativa no meio da tarde é sobre o reencontro com uma amiga mais do que querida e nossa relação tem se baseado naquela coisa de "vamos marcar de nos ver" e essa promessa tem sido mais difícil de cumprir do que aquele compromisso do réveillon no qual prometí adotar uma "vida fitness". Mas neste dia a promessa será cumprida.
Após dois anos de pandemia, ambos isolados por 24 meses e ela, recém divorciada, tratamos de definir o programa para o sábado à noite. Assim como na maioria das vezes a primeira ideia era o bom e velho rodízio de comida japonesa, mas demonstrando empatia com minha amiga que tem histórico baladeiro achei que um bar mais descontraído a deixaria mais satisfeita.
Ela já tem proximidade suficiente com meu marido para que nos descontraíssemos antes mesmo de sair de casa. O clima era divertido e descontraído quando saímos de carro para passar pelo circuito de bares, para escolher um deles. Meu marido adoraria o rodízio japonês, mas como é muito colaborativo, não se opôs ao bar.
Escolhemos uma cervejaria estilosa, bela fachada, com tonéis de aço inox utilizados na produção da cerveja que é fabricada e consumida ali mesmo. Ao chegar ao balcão de recepção ouvi aquela pergunta que me dá indisposição: "Você já sabe como funciona a casa?". Me questiono o porquê de haver a necessidade de "conhecer a casa". Não funciona mais na sequência de chegar ao bar, escolher uma mesa, consumir e pedir a conta? Quando essa pergunta é feita, a minha indisposição se deve à obrigação do aprendizado sobre um sistema, não raro, bem complicado para ser treinador na ocasião "noite de sábado". Devidamente treinados, o certificado em mãos veio na forma de cartão pré-pago para ir usando os créditos nas máquinas com tela touch-screen para nos servirmos de cerveja no padrão "eletronic self service". Ufa!
O clima no bar era bem "jovem de classe media". Muito jeans, transmissão ao vivo de futebol através de canal pago e todos com os cartões em mãos, aquele verdadeiro certificado de inclusão digital. O clima me parecia bem "borocochô" comparado com a minha visão de cervejaria. A recepcionista - e treinadora de informática - já havia nos informado que a cozinha estava prestes a fechar e que, portanto, era melhor que já fizéssemos o pedido das "porções" desejadas: era pouco mais de dez horas da noite. Não havia música ao vivo, quando questionei o garçom a respeito, nos explicou que estavam com dificuldades de conseguir músicos para o cover, talvez muitos tivessem mudado de ramo ao longo da pandemia.
O fato bom da noite era que com tudo isso nos divertíamos, praticamente rindo de nós mesmos: pessoas desacostumadas com a boemía, sem mesmo notar que essa palavra deve ter sido banida do idioma. Meu marido tomou uma cerveja que não me lembro o nome, mas era a base de café. O nome das cervejas parecem trazer conteúdo técnico da produção da bebida. Escolhi a de abacaxi, que é minha fruta favorita.
Nas mesas em volta, amostras do que parecem ser o "novo normal" das noites de sábado: jovens olhando para as telas de celulares. Rapazes solteiros com semblante de quem voltará para casa sem uma experiência sexual. Os garçons felizes pelo precoce fim de expediente, para o que considero um sábado a noite. Pontualmente às 11 da noite passou um garçom recolhendo os copos de vidro que servem para sei lá qual controle do bar do complexo sistema de "encher a cara" que existe por ali.
Saímos do bar e tomamos a melhor decisão da noite: pegamos umas cervejas em adega que encontramos pelo caminho e montamos um "bar home office". Acompanhados pela batatas fritas que saíram do meu fogão, conversamos muito, rimos à bessa, sem nenhum cartão pré-pago ma plenamente satisfeitos com a cozinha aberta, sem limite de horário.
Ainda não entendi se estou "destreinado" para o sábado à noite, se este é o novo normal e se os jovens de 20 anos não são como na época a qual eu tinha essa idade. Por enquanto tomei a decisão de permanecer no "home office bar", enquanto a balada se recuper da Covid, caso sobreviva.
Este artigo foi escrito por Tiago Costa e publicado originalmente em Prensa.li.