Bem Ezra, Sinagoga, Igreja ou Mesquita?
Bem Ezra, uma sinagoga judaica no centro de um bairro cristão ortodoxo no Egito islâmico. Ao longo de milênios, a sinagoga transitou por entre as mãos das três religiões monoteístas do Oriente Médio.
Ao descer na estação Mar Girgis, passamos por uma barreira policial que monta a guarda do bairro copta, estávamos ansiosos para revirar alguns baús da religião cristã. Cresci em uma família tradicionalmente católica apostólica romana, contudo, sempre me perguntei se seria possível Jesus ser “tão” loiro e de olhos “tão” azuis tendo nascido naquela região.
A Di estava realmente empolgada para visitar a Igreja Suspensa e fazer suas orações, já eu, estava interessado em conhecer um pouco mais sobre as origens da religião ao qual fui criado. Pesquisei sobre as igrejas do bairro, contudo, meu maior interesse era conhecer o Museu Copta que possuí um acervo mais antigo e original que o do Vaticano. Ao andar pelo bairro, dentre uma igreja e outra encontramos o que nenhum de nós imaginou que encontraria, uma sinagoga entre cristãos e muçulmanos.
Antes de falar sobre as brigas judiciais entre cartórios divinos com mais de 2mil anos, vou falar um pouco sobre a importância religiosa deste local. Conta a história que nessa região a filha do Faraó encontrou Moisés, no mesmo local, Jeremias reuniu os judeus depois de Nabucodonosor destruir o Templo de Salomão e também foi por aqui a sagrada família (Maria, José e Jesus) se escondeu depois de Herodes ordenar a morte dos bebês.
Conhecendo a importância religiosa desta região, podemos entender as reivindicações feitas por ela ao longo dos séculos. Ben-Ezra é a mais antiga sinagoga do Egito e antes era chamada Sinagoga de Jeremias, não se sabe ao certo quando este templo foi levantado, o que se sabe é que foi destruído pelos romanos por volta de 30 D.C. No ano 641, o general árabe Amr Ibn Al-Ás, venceu os romanos e devolveu aos judeus as relíquias da sinagoga. Os Coptas egípcios então reivindicaram para si o terreno da sinagoga destruída, autorizados levantaram no local a Igreja do Anjo Gabriel. No ano de 1115 o Grão-Rabino Abraham Ibn Ezra viajou de Jerusalém para o Egito no intuito de reaver o direito de posse dos judeus a sinagoga. Depois de 20.000 dinares impostos pelo governador, Bem-Ezra (correspondente hebraico para Ibn Ezra) restitui a sinagoga aos judeus, desde então a Sinagoga passa a carregar o seu nome.
Não sendo historiador nem tampouco teólogo, não posso afirmar nenhuma das informações que relatei, na verdade, toda a história da Sinagoga Bem-Ezra transita entre o real e o imaginário coletivo, então deixo para cada leitor a missão de tirar suas próprias conclusões.
Por que escrevo uma história da qual não posso afirmar sua veracidade? - Simples! O que vi em Bem-Ezra, independe se Sinagoga, Igreja ou Mesquita, me fez pensar se existe um lugar onde nomes e religiões não são diferenças usadas para separar os homens e sim elementos para os unirem. Ben-Ezra hoje é uma sinagoga, mas cristãos e muçulmanos também a usam para suas orações e hoje a guardam com o mesmo apreço de seus próprios templos. Este lugar foi palco de disputas, mas, o que vi foi um templo religioso com a mais harmoniosa composição sincretista, uma sinagoga com uma Torah repousada abaixo de uma cúpula cristã, ornamentada e protegida por arabescos islâmicos em suas paredes, uma arte para ser admirada até mesmo pelo o mais convicto ateu.
Imagem de capa - Sinagoga Ben Ezra, Cairo, Egito 2021. ©lucassiqueira
Este artigo foi escrito por Lucas Siqueira e publicado originalmente em Prensa.li.