Black Mirror: Engenharia Reversa – os conceitos e ‘baratas’
No seriado Black Mirror – que está na plataforma do aplicativo de streaming Netflix – existe um episódio chamado “Engenharia Reversa” que tem como base, o conceito do outro. A história decorre sobre um soldado que aceita a implantação de um recurso para caçar o que eles chamam de “baratas”, pois, são seres que depois de uma guerra que acontece no futuro, nasceram com uma suposta doença.
Mas, em dado momento, a questão toma um outro rumo porque, por causa de um aparelho que as “baratas” desenvolvem, ele começa a enxergar elas como seres humanos como outros. Porém, o grande líder do exército – que comanda o implante – faz uma chantagem com o soldado, deixa ele cego e diz que se ele se submeter, vai poder ter tudo que quer e as lembranças serão apagadas, ou, ficara na prisão lembrando das pessoas que matou como elas são de verdade.
A escolha foi se submeter, ter a mulher que ele sonhava todas as noites, ter uma patente de comando, mas, o episódio termina com ele com lagrimas nos olhos. Qual a cerne desse episódio em si? Qual leitura podemos ter dentro de que podemos ver quando assistimos o episódio? Tem a ideia do conhecimento do outro como conceito?
1 – O outro
Quando você escreve um texto você tem que ter a consciência do significante e o significado. Cada signo linguístico carrega dentro de si mesmo um significante, que, segundo Antônio Joaquim Severino no livro, “Como Ler Um Texto De Filosofia”, é o lado material do termo.
Ou seja, pé o grafema, no digno escrito, ou o fonema, no signo oral e podemos dizer, que seria as letras ou os sons. Indo muito mais longe na análise de Severino, a essência da representação do entendimento de um termo em si. Já o significado, que é o lado do conceito (conceitual), assim, podemos dizer, que o é o sentido que aquele significante fica na mente do leitor. Então, como leitores, somos confrontados com palavras, termos, conceitos e ideias.
Mas, e quando estamos falando de corpos (o outro)? Também lhe damos com conceitos e esses conceitos nem sempre são avaliados corretamente, chamamos de preconceito. Na série, vimos soldados sendo condicionados a ver o outro como um inimigo a ser eliminado, onde o outro é visto como diferentes, o “monstro”. O diferente sempre foi tido como o outro não harmonioso graças a uma filosofia platônica e aristotélica, que um corpo harmonioso é um corpo perfeito. Mas, hoje, sabemos que o critério de perfeição está errado.
Na cena final do episódio do Black Mirror, o chefe diz que aquelas pessoas deveriam ser eliminadas por causa de supostos genes de doenças e outras coisas mais. Me pareceu – posso estar errado – que houve um desenvolvimento humano tecnológico, que se começou a rastrear doenças genéticas e se começou a selecionar quem vive e quem morre.
Como a deficiência. muitos começam a olhar a deficiência como uma doença e no fundo, o conceito da deficiência, foi construído durante décadas e que esse conceito já deveria ser descartado. Como outras coisas que não deixam o ser humano conviver entre si, que é a ideia da “neurose’ coletiva diante de um inimigo imaginário.
Mas, dentro da deficiência – como várias e tipos diferentes de se ficar com alguma – a questão se abra como o conceito da cadeira de rodas e o conceito da muleta, como formas de tratamento de alguma doença. De ser acessórios que existem em hospitais, ou acessórios que estão associados a pessoas doentes. Então, se vê uma associação que remontam um preconceito (um conceito não estudado ou analisado) de fatos que não fazem parte de uma realidade que não existe.
2 – O conceito da “barata”
O que nos remete quando ouvimos baratas (roaches)? Ora, ninguém nega que quando se diz o termo “barata” causa um nojo, mas, para entender o conceito de “barata” do episódio. Esse inseto também é chamado de “blattaria” e são uma subordem de insetos que são, também, chamadas de “cascudas”.
Podemos dizer, que é um grupo cosmopolita (tem no mundo inteiro), sendo que algumas espécies (mais ou menos, 1%) são consideradas como sinatrópicas (são espécies que colonizam habitações humanas e aos seus arredores para levar vantagem em matéria de abrigo, comida e água).
O grande problema ao longo da convivência com essa espécie de inseto, são os vetores patogênicos que elas podem trazer para o ser humano, como bactérias, fungos, protozoários, vermes e vírus. As baratas domésticas são as maiores agentes de doenças através de suas patas que contêm fezes, por todo os locais onde transitam. Por isso mesmo, o conceito de barata é o conceito de criaturas nojentas e que se deve ter distância, porque são perigosas para os seres humanos.
O conceito pode variar diante de cada cultura, já que existem vários relatos folclóricos que colaboram com a ideia de benefícios. Mas, a ideia da série é mostrar uma escatologia dentro da tecnologia – como uma origem disse e fazendo uma linha do tempo – onde aquilo começou em algum lugar e de alguma forma. Nesse caso – que mostra um mundo pós-guerra – o conceito de baratas são pessoas indesejadas que são inimigas e podem “parasitar” outros seres humanos que produzem. Não está muito claro – como disse acima – mas, o chefe diz que eles transmitem doenças genéticas e que, por algum motivo, devem ser eliminadas.
Claro, o implante dará aos soldados uma visão distorcida – a velha discussão platônica dos conceitos e ideias que chamou de “sombras” – daquilo que o poder quer que eles vejam, pois, segundo quem comanda, muito poucos apertaram o gatilho quando precisavam. O medo. As baratas sendo parecidas como predadores, fica claro que o medo é usado para eliminar aquilo que se precisa eliminar. O outro fica confinado em outro lugar ou precisa ser morto, como a barata que transmite doenças e deve ser eliminada. Mas, não sabe o porquê está sendo morta – porque são insetos recicladores – e ficam nos esgotos onde contém gordura e doces.
São pessoas que não merecem viver.
Portanto, a mensagem que o episódio nos traz é o conceito do outro como inimigo imaginário, só existe em um sistema chamado de “implante”. No modo de linguagem, há componentes que poderemos chamar de implantes para ideologizar o discurso. Quando a discussão fica nos termos “comunista” ou “fascista”, a cerne do problema fica restrita em um discurso limitante de visões ilusórias e que o filósofo Deleuze em uma aula sobre sua aula sobre sua obra O Antiédipo, chama de “delírio”.
O delírio como doença neurais são patologias, o “delírio” que Deleuze diz é o que as pessoas criarem mundos imaginários e acreditam naquilo. Como o vídeo famoso da mulher que viu a bandeira brasileira com a japonesa e disse que já teriam colocado a bandeira do Brasil com cores “comunistas”.
Mas, muito pior do que o delírio individual – onde enxerga o inimigo onde não tem – é coletivizar o delírio colocando a patamares muito acima e perigosamente. Como digo, o ser humano está avançando na técnica, mas, não avançando na questão moral e ética.
Este artigo foi escrito por Amauri Nolasco Sanches Junior e publicado originalmente em Prensa.li.