Brasil não cumpre metas da sua própria Constituição
Desde os anos 1970, ouço dizer que o Brasil é o país do futuro. Quarenta anos depois, podemos dizer que esse futuro não chegou apenas analisando os princípios fundamentais que regem nossa República.
Não falarei do primeiro artigo constitucional, porque trata da forma de Estado (Federação), forma de governo (República) e sistema de governo (presidencialista), embora nesse último aspecto é controverso se temos de fato um sistema presidencialista. Por conta da pulverização política, inventamos o presidencialismo de coalizão, uma forma híbrida no meio do caminho entre o presidencialismo e o parlamentarismo só com defeitos de ambos.
O mesmo artigo assinala que vivemos num regime democrático de direito. É uma aleivosia. O exercício do direito pelas classes mais populares é uma luta diária. Arrisco a acrescentar que estamos longe também de uma verdadeira democracia, a qual pressupõe o acesso ao poder nas condições previstas na Constituição, entretanto isso exige recursos e estrutura inalcançáveis para a grande maioria da população. Além disso, existem organizações de poder consolidadas mandando no país.
Na continuidade da leitura do Título I, percebe-se o quanto estamos longe do texto constitucional aprovado em 1988.
Choque de realidade
Os princípios fundamentais são:
Cidadania;
Soberania;
Valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa;
Pluralismo político.
Cidadania, considerada somente o direito ao sufrágio universal e à nacionalidade, fica de bom tamanho. Formalmente, basta isso para ser considerado cidadão. Porém, inclusos os direitos sociais, a conclusão é de que, materialmente falando, há (bem) menos cidadãos.
Como princípio, o valor social do trabalho é outra abstração num país que mantém uma taxa indecente de desemprego. A livre-iniciativa, por outro lado, vem recebendo benefícios fiscais para micro e pequenos empreendedores até por ser o lado da balança onde se pode amenizar a tragédia da desocupação laboral.
Pluralismo político não é sinônimo de pluralismo partidário. É mais amplo e abarca a livre manifestação de ideias exceto as de cunho violento e/ou racista que são, inclusive, tipificadas como crime. Essa abertura podemos dizer que existe; é o ponto mais próximo de uma democracia de verdade.
A Soberania é condição essencial para a existência do Estado. Pode-se ler “Estado Soberano”. É a entidade que submete todas as demais em seu território e a sua população. É dotada do denominado poder extroverso, pois além de submeter suas próprias estruturas pode ir a qualquer ponto do país ou qualquer pessoa e impor suas normas legais. Pode alcançar qualquer um de nós. Aliás para a Teoria do Estado, são condições para a sua existência a soberania, o território e o povo.
É no artigo 3º que as coisas se complicam. São os objetivos, as normas programáticas, metas a serem atingidas ao longo do tempo. E exatamente nelas que está assentado o tal “país do futuro”.
Construir uma sociedade livre, justa e solidária;
Garantir o desenvolvimento nacional;
Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação;
Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.
Nesse rol, não há nenhum sequer próximo de sua realização. Pelo contrário, a cada ano parecemos mais longe. Talvez seja o artigo que mais exija uma leitura diária por quem detém o poder político e econômico. Bastaria direcionar o país para essas diretrizes.
Dizer que não houve avanços em quase 35 anos da Carta Magna seria injusto, mas insuficiente é uma expressão adequada. A pouca eficiência em responder a demandas crescentes vem alimentando um passivo econômico e social. E não há no horizonte algum plano sério para fazer valer a prescrição contida nesse artigo.
Olhando para fora, o artigo 4º repudia o racismo e o terrorismo (também pudera!), reconhece a autodeterminação dos povos, defende a solução pacífica dos conflitos e a não-intervenção, defesa da paz, igualdade entre os Estados e busca a integração econômica, social e cultural dos povos latinos americanos (seria o Mercosul?). O país responde (ou respondia) de maneira profícua em relação com outros países. Hoje não parece acontecer nada nem no ambiente interno e nem no externo.
O título I que contém os artigos mencionados precisa ser levado mais a sério e não ser visto apenas como objetivos a serem realizados qualquer prazo. Indicadores, capacidade técnica e gerencial, instituições, temos tudo para avançar exceto interesse e sinergia. Inexorável, o tempo vai passando. E as oportunidades também.
Este artigo foi escrito por Renato Assef e publicado originalmente em Prensa.li.