Brasil: Nunca Mais!
O instrumento de tortura mais famoso da ditadura, criado no Brasil do século XIX. Charge: Latuff.
E o tema do mês de abril - como não podia deixar de ser num país governado por um sujeito cuja especialidade, autodeterminada, é matar - foi tortura.
Já começou no dia 31 de março, que na verdade é primeiro de abril, com a “homenagem”, pelo quarto ano seguido, do Ministério da Defesa à ditadura militar. O regime foi responsável pela criação de seções e divisões especiais só para pesquisa e desenvolvimento de dispositivos de tortura.
Quem quiser conferir um pouco pode ir na Rua Tutóia, 921, em Vila Mariana, no Memorial da Resistência de São Paulo. O prédio onde funcionou uma delegacia do DOI-Codi hoje é um museu.
Logo depois, Miriam Leitão escreveu um artigo – dizendo o mínimo – anotando a falsa equivalência entre os dois candidatos mais bem colocados nas pesquisas para eleição presidencial.
(Problemas à parte, não há pé de igualdade com quem defende torturador em pleno congresso nacional.)
Foi, como não podia deixar de ser, covardemente atacada por um dos filhos do presidente. Este evocou episódio em que a jornalista foi torturada psicologicamente – após várias torturas físicas – com uma cobra.
Seguindo a canalhice paterna, o zero à esquerda destila misoginia escondido atrás dos teclados. Certo de que papai nada deixará acontecer.
No dia 17, em solidariedade a Miriam, o historiador Carlos Fico, UFRJ, pesquisador do período da ditadura, liberou trechos de áudios das sessões do STM (Superior Tribunal Militar) em que os magistrados discutem denúncias de tortura.
Os áudios são julgamentos de presos políticos, ocorridos entre 1975 e 1979.
Longe de ser a única prova cabal de que foram cometidos atos da maior baixeza moral a que um ser humano pode se prestar, esses áudios, além de reforçar a existência de tais práticas, ainda prova um segredo de polichinelo. O alto escalão sabia!
No dia seguinte, como nada fica sem mórbida resposta nesse quadrante da história que atravessamos, foi a vez do vice-presidente encher de inveja o sindicato dos pusilânimes.
Para a nobre excelência, não há o que apurar sobre esses crimes contra a humanidade pois “os caras já morreram tudo”. Pois deveriam mesmo “trazer os caras do túmulo de volta”, nem que seja para fazer companhia ao vice-e-o-presidente no banco dos réus pelo governo mais criminoso da história.
Ele ainda praticou a novilíngua característica dos militares, tentando revisar o passado, chamando o golpe de “revolução democrática de 1964”.
Para terminar o show de horrores, o presidente atual do STM resolveu que não poderia ficar de fora e, embebido de espírito pascal, atentou contra qualquer princípio cristão e atacou a “notícia tendenciosa” – assim ele chamou os áudios gravados das vozes dos próprios militares da época.
Cristo, torturado e condenado à morte, revira o estômago cada vez que sujeitos como esse abrem a boca.
Tais casos não são mais isolados. A defesa do regime militar, em seus signos mais vis, virou bandeira política arduamente defendida por quem não faz ideia do que se trata e por quem almeja que essas operações voltem a acontecer, por acreditar que estará de um dos lados. E não é o que sangra.
O Brasil abriu uma porta que será difícil de fechar.
*O nome deste artigo é inspirado em um importante livro, de mesmo nome. Trata-se de um dossiê com diversos documentos comprobatórios da existência de estruturas, nos porões da ditadura, voltadas à prática da tortura.
Este artigo foi escrito por Matheus Dias e publicado originalmente em Prensa.li.