The Breadwinner: uma menina no Afeganistão
O que está acontecendo no Afeganistão?
O Afeganistão, após vinte anos, novamente caiu nas mãos do Talibã. A retirada das tropas americanas do país permitiram ao grupo retomar o poder e tomar várias cidades do país em um curto espaço de tempo. O objetivo principal do Talibã é impor uma lei islâmica no país. Até por isso precisamos ter cuidados ao fazer comparações com o que temos em termos políticos e culturais no Ocidente.
Cenas lamentáveis foram vistas, como aviões super lotados de pessoas tentando fugir do país, outras agarradas às portas e rodas de um avião despencando dos céus, bebês sendo quase jogados para soldados por cima de muros para que possam se salvar.
Na década de 1990, quando assumiram o controle pela primeira vez, foram, inicialmente, bem recebidos pela população local pelas coisas boas que realizaram: ajudaram na expulsão dos soviéticos, controlaram a corrupção, através de leis rígidas diminuíram as atividades criminosas e desenvolveram o comércio.
Muitas mudanças foram impostas devido ao cumprimento rigoroso da lei islâmica, chamada de sharia: as mulheres passaram a ser obrigadas a usar a burca, os homens a deixarem a barba crescer, censura sobre a cultura produzida no Ocidente e tudo aquilo que demandava de ensinamentos contrários à sharia. Aos desobedientes, prisões, torturas e execuções.
A ocupação estadunidense no país se deu após os atentados do 11 de Setembro pois acreditava-se que a Al-Qaeda, a organização terrorista que assumiu o atentado e era liderada por Osama Bin Laden, tinha como centro de operações o Afeganistão. George Bush, então presidente dos Estados Unidos, ordenou a invasão, ocupou o país e o libertou do Talibã.
Vinte anos após sua ocupação, o atual presidente Joe Biden honrou um acordo celebrado entre seu antecessor, Donald Trump, e o Talibã e ordenou a retirada das tropas estadunidenses do país gerando esse caos.
Com resultado dessa tomada de poder, foi decretada o fim da campanha de vacinação contra a Covid-19 e teme-se muito um retrocesso em relação a situação das mulheres. A liderança Talibã fez um pronunciamento convidando as mulheres para juntarem-se ao governo, mas, esse convite não soou bem e pouco acredita-se numa mudança de postura ao tratamento recebido pelas mulheres no regime anterior.
The Breadwinner ou A Ganha-Pão: a vida das mulheres no Afeganistão
The Breadwinner é uma animação baseada no livro de mesmo nome escrito por Deborah Ellis, que contou com a produção de Angelina Jolie, a direção de Nora Twomey e a roteirização de Anita Doron. Recebeu indicações ao Oscar e ao Globo de Ouro em 2018.
O retrato dessa história condiz com a situação da mulher no Afeganistão em sua primeira tomada de poder nos anos 1990. As mulheres são proibidas de andar nas ruas sem a presença dos pais, maridos ou irmãos. Basta ser vista na rua que passa a ser perseguida, acusada, agredida. A mulher cabe apenas o papel de procriarem, cuidarem da casa e obedecerem aos homens. É um lugar misógino.
A trama da história se passa em volta de Parvana e sua família vivendo em Kabul. Parvana tem no pai um homem mais flexível, professor, que procura estimular a filha a pensar através das histórias que lhe conta. A história oral tem um papel importante na construção de quem Parvana se torna. Ela sabe ler e escrever, por exemplo, algo que para uma menina não era comum.
Ao ver seu pai ser preso por uma injustiça, a menina, de apenas 11 anos, não vê outra alternativa a não ser chamar a responsabilidade de sustentar a família para si. A questão é: como uma menina faria isso em um mundo dominado por homens? Ela corta seu cabelo, passa a se vestir como menino e vai para as ruas fazer o que pode para conseguir colocar comida na mesa de sua casa sem desistir da ideia de tirar o pai da prisão.
A história se desenvolve a partir desse ponto. O olhar feminino e feminista para a obra nos faz pensar na situação das mulheres no Oriente Médio, mas, também fora de lá. Parvana nos leva por ruas e becos da cidade e nos faz sentir o que ela sente: tristeza, sofrimento, dor, medo, tensão e, de certa forma, por poder transitar disfarçada de menino, liberdade. Se junta a Parvana sua amiga, Shauzia, que também se veste como menino para poder trabalhar.
A Ganha-Pão é uma animação que também fala sobre coragem. Enquanto Parvana desafia o mundo real a sua volta, ela conta uma história que ajuda a tranquilizar e fortalecer o irmão mais novo em casa. É uma história sobre um elefante que vive nas montanhas e roubou os grãos de uma aldeia deixando o povo sem alimento e de um herói que irá lutar para acabar com a tirania do elefante. Parvana é, em partes, esse herói. E a história deles se cruzam e tornam o enredo ainda mais belo.
Em tempos como os que vivemos hoje, olhar para essa animação é se identificar com Parvana. É ver a necessidade cada vez mais urgente de discutir os direitos não apenas das mulheres, mas, da humanidade. Precisamos, por exemplo, de mais Malalas para desafiarem sistemas brutais como esses que governam países como o Afeganistão.
Termino com uma frase que Parvana diz no fim da animação: “Levante suas palavras, não sua voz. É a chuva que faz as flores crescerem, não o trovão”.
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Este artigo foi escrito por Edu Molina e publicado originalmente em Prensa.li.