Cada lugar na sua coisa
Esse ano, haveremos de pactuar definições. Tal como o cinquentão médio caminha ressabiado o corredor em direção ao exame mais temido da masculinidade contemporânea, o eleitor também testará sua próstata em outubro.
A analogia não é inocente, por diversos fatores: não fazer exame tão simples impede a detecção do câncer, que não detectado, segue não tratado, podendo terminar espalhado por todo o corpo do recusante.
Mas não percamos o tomo focal da discussão. Considerando que os meses passem, que atravessemos mais um pouco essa tempestade semiótica que nos assola, poderemos apertar botões e, de vez, pelo menos por enquanto, ver passar o estandarte do sanatório geral.
Tais meses, no entanto, não se declaram moleza aos que mantêm olho aberto e um mínimo de sanidade. Nunca sabemos quando o Dispéptico da República atacará outra vez, explodindo bombas na interpretação de texto, ameaças do raso do peito ou passeios estreitos de moto. Isso sem falar nas internações, cuja saúde “de ferro” parece caçoar da inteligência alheia. Tudo com anuência da institucionalidade.
É mesmo paradigmático o momento que vivemos. Nada parece abalar a confiança das instituições no republicanismo daquele que protagoniza o governo mais morticida de nossa história. Deve ser a fé inabalável deste nas “reformas” ou na “responsabilidade fiscal”, vai saber. Alguém pergunte ao teto de gastos.
Acontece que a coisa não seguiu seu rumo, dito, natural. Não parecem existir crimes suficientes para embasamento jurídico visando impedimento. Essa constipação institucional, de caráter protelatório, se apoia na apatia de um povo que assiste bestializado a ascensão da barbárie. Aposta na frase de Lima Barreto: o Brasil não tem povo, tem público.
Que não se engane quem ainda duvida, o projeto candidato à reeleição é este: todas as relações sociais serão mediadas pela barbárie. A completa milicianização da política. A lei do mais forte, no caso, o armado. Não há, na história da República que começa em 1988, na Constituição Cidadã, nada parecido a isso.
Todos os problemas dessa República, que não foram poucos, encontraram limite quando o que regulava o discurso era o pacto democrático. Não éramos também sacrossantos, posto que a barbárie ainda é nosso sobrenome de nascença, mas havia uma instância onde, se acreditava, podíamos resolver os problemas.
O que está em jogo agora é o que fazer com essa experiência. Acabou a “Nova República”? Há salvação? Teremos de refunda-la? Qual o projeto? A última eleição abriu uma fenda, conseguiremos fecha-la?
Seremos, novamente, republicanos numa sociedade que mata uma guerra civil anualmente? Que oferta trabalhos mal remunerados, de baixíssima complexidade? Com expansão universitária sem musculatura? Com cadeias lotadas de jovens pretos e pobres? Somos republicanos aceitando a barbárie no seu lugar, escondida da vista de quem importa?
Rezemos para que, pelo menos até o fim do ano, não revisem a Lei Áurea. Da prisão em ventre já temos o cerco diário às periferias. Desses espaços a barbárie nunca saiu.
Este artigo foi escrito por Matheus Dias e publicado originalmente em Prensa.li.